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A possível extinção do registro de imóveis: o blockchain vai acabar com os cartórios?
Introdução
Será que os cartórios estão com os dias contados? Essa é uma pergunta que tem sido repetidamente levantada à medida que a tecnologia blockchain avança no cenário jurídico e registral. O que antes parecia uma inovação restrita ao setor financeiro, especialmente às criptomoedas, hoje já se apresenta como uma alternativa para registros públicos, impactando diretamente a forma como a propriedade imobiliária é formalizada e protegida.
Os cartórios de registro de imóveis desempenham um papel essencial na segurança jurídica das transações imobiliárias, garantindo autenticidade, publicidade e fé pública aos atos registrados. No entanto, o crescimento exponencial das tecnologias descentralizadas levanta um debate: seria possível substituir os cartórios por um sistema 100% digital baseado em blockchain?
Essa discussão já ocorre em diversos países. Algumas nações, como Estônia, Suécia e Geórgia, começaram a testar modelos alternativos que utilizam blockchain para registros imobiliários, reduzindo burocracias e aumentando a eficiência. No Brasil, a digitalização dos registros públicos já é uma realidade, impulsionada por normativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela implementação do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP). Mas o blockchain pode ir além e tornar os cartórios obsoletos? Ou seria apenas uma ferramenta complementar para aprimorar os serviços já existentes?
Neste artigo, vamos explorar o conceito de blockchain, analisar experiências internacionais e discutir os desafios e limites da implementação dessa tecnologia no Brasil. O objetivo é responder à questão central: o blockchain substituirá os cartórios ou servirá apenas como um mecanismo de apoio para modernizá-los?
O que é Blockchain e Como Ele Poderia Ser Aplicado ao Registro de Imóveis?
A tecnologia blockchain tem sido apontada como uma revolução na forma como transações são registradas, validadas e armazenadas. Trata-se de um banco de dados descentralizado e imutável, onde cada transação é registrada de forma transparente e segura, eliminando a necessidade de um intermediário centralizador.
Embora tenha ganhado notoriedade com as criptomoedas, especialmente o Bitcoin, sua aplicação vai muito além do setor financeiro, alcançando áreas como contratos inteligentes, cadeia de suprimentos, propriedade intelectual e registros públicos. Grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Oracle e IBM, estão investindo e difundindo essa tecnologia, oferecendo serviços baseados em blockchain para diversas indústrias, incluindo o setor imobiliário.
Como funciona o Blockchain?
O blockchain opera como um livro-razão digital distribuído, no qual cada transação é registrada em um bloco de dados. Esses blocos são interligados em uma cadeia imutável e protegidos por criptografia. A grande inovação do sistema é que uma vez registrada, a informação não pode ser alterada ou apagada, garantindo total confiabilidade e transparência.
O funcionamento básico pode ser resumido da seguinte forma:
Uma transação é iniciada – Pode ser a compra e venda de um imóvel, a concessão de um direito de uso ou a assinatura de um contrato digital.
A transação é verificada – No lugar de um cartório ou outro órgão central, um conjunto de computadores da rede valida a transação com base em regras predefinidas.
A transação é registrada em um bloco – Cada transação validada é adicionada a um bloco de dados, que recebe um código único de identificação (hash).
O bloco é encadeado à blockchain – Esse bloco se conecta a blocos anteriores, formando uma cadeia contínua e imutável.
A informação fica armazenada permanentemente – Nenhuma alteração pode ser feita, garantindo a integridade do registro.
A descentralização do blockchain é um de seus pontos mais fortes, pois não há um servidor único que controle os registros. Ao invés disso, milhares de cópias do banco de dados são distribuídas entre os participantes da rede, tornando fraudes, adulterações e ataques cibernéticos praticamente impossíveis.
Vantagens do Blockchain no Registro de Imóveis
A aplicação do blockchain no registro de imóveis traz benefícios significativos em comparação aos métodos tradicionais. Entre as principais vantagens, destacam-se:
Descentralização – Diferentemente do modelo cartorial tradicional, que centraliza as informações em um único banco de dados, o blockchain distribui os registros entre múltiplos participantes, tornando o sistema mais seguro e acessível.
Segurança e Imutabilidade – Uma vez registrada, a transação não pode ser alterada, o que reduz o risco de fraudes, falsificações e conflitos judiciais sobre propriedade.
Eliminação de intermediários – O blockchain permite que a propriedade seja transferida digitalmente, sem necessidade de intermediários, reduzindo custos e agilizando o processo.
Redução de custos e burocracia – A tecnologia pode diminuir significativamente os prazos e custos para regularização de imóveis, eliminando etapas burocráticas desnecessárias.
Transações instantâneas e verificáveis – O blockchain possibilita registros instantâneos, disponíveis para consulta pública e auditáveis de forma automática.
Como seria um Registro de Imóveis 100% baseado em Blockchain?
Se aplicado integralmente ao Registro de Imóveis, o blockchain poderia revolucionar o setor imobiliário. Em um sistema 100% digital, o funcionamento seria assim:
Compra e venda de imóveis em tempo real – Ao invés de um contrato físico e registros cartoriais demorados, a transação seria registrada em blockchain, validada por um contrato inteligente e concluída em segundos.
Imutabilidade dos registros – Assim que uma propriedade fosse transferida, o novo registro seria instantaneamente gravado na blockchain, eliminando riscos de sobreposição de titularidade.
Redução drástica de custos e burocracia – O uso de contratos inteligentes e validações digitais dispensaria autenticações físicas, eliminando burocracia e reduzindo despesas com emolumentos e taxas.
Sistema auditável e transparente – Todas as informações de titularidade, ônus e gravames estariam disponíveis para consulta em tempo real, sem necessidade de intermediários.
No entanto, a transição para um modelo totalmente digital enfrenta desafios jurídicos e regulatórios, que serão abordados nos próximos tópicos. Embora a tecnologia traga vantagens inegáveis, a segurança jurídica dos cartórios e a fé pública dos registradores ainda são essenciais para garantir a confiabilidade das transações imobiliárias.
Exemplos Internacionais: Países Que Já Testaram o Blockchain no Registro de Imóveis
A implementação da tecnologia blockchain nos sistemas de registro imobiliário tem sido testada em diversos países ao longo dos últimos anos. O objetivo dessas iniciativas é avaliar se a tecnologia pode agilizar processos, aumentar a segurança jurídica e reduzir custos administrativos. Contudo, nenhum país eliminou completamente os cartórios ou registros estatais. Na prática, o blockchain tem sido utilizado como ferramenta complementar, modernizando os métodos tradicionais de registro de propriedade.
A seguir, analisamos algumas experiências internacionais significativas.
Estônia: Pioneira no Uso de Blockchain para Registros Públicos
A Estônia é frequentemente citada como um dos países mais avançados em digitalização governamental, sendo um dos primeiros a adotar o blockchain em registros públicos. Desde 2012, o país utiliza essa tecnologia em sua infraestrutura de governança digital, incluindo registros médicos, judiciais e imobiliários.
No setor imobiliário, o blockchain foi implementado para armazenar digitalmente os registros de propriedades. Em vez de substituir os cartórios, a Estônia criou um sistema híbrido, onde o blockchain é utilizado para proteger os registros existentes contra fraudes, falsificações e acessos indevidos. O sistema permite auditoria pública e garante que qualquer tentativa de alteração dos dados seja imediatamente detectada.
No entanto, a transmissão da propriedade ainda passa pelo sistema tradicional. Os notários estonianos continuam desempenhando um papel essencial, verificando a autenticidade dos contratos antes de seu registro final.
Principais características do modelo estoniano:
- Uso de blockchain para garantir segurança e imutabilidade dos registros.
- A digitalização não eliminou a figura do notário, que segue validando transações imobiliárias.
- O governo central mantém controle sobre os registros, impedindo a descentralização total.
Suécia: Testes Avançados para Digitalização de Transações Imobiliárias
A Suécia iniciou em 2016 um projeto piloto para integrar o blockchain ao Lantmäteriet, órgão responsável pelo registro de imóveis. O modelo sueco buscava reduzir a burocracia e aumentar a transparência no mercado imobiliário.
O grande desafio na Suécia era a lentidão e os custos das transações imobiliárias. Antes da implementação do blockchain, o processo de compra e venda de um imóvel poderia levar até três meses para ser finalizado, devido às verificações documentais e aprovações de diferentes partes envolvidas (bancos, corretores, cartórios e órgãos estatais).
O modelo implementado testou um registro híbrido, onde as transações eram verificadas e armazenadas na blockchain antes do registro formal pelo Lantmäteriet. Esse novo sistema ofereceu as seguintes vantagens:
- Maior transparência: Todos os envolvidos na transação tinham acesso ao status do processo em tempo real.
- Redução do tempo de registro: O processo de transferência da propriedade foi reduzido de três meses para apenas algumas horas.
- Segurança aprimorada: A impossibilidade de alterar registros antigos evitou fraudes e duplicidade de titularidade.
Apesar do sucesso nos testes, a Suécia não eliminou os registros tradicionais. O blockchain foi integrado como uma ferramenta de suporte, mas a segurança jurídica da transação ainda depende da chancela estatal e da validação do Lantmäteriet.
Geórgia: Implementação Real do Blockchain no Registro de Imóveis
Diferente da Estônia e da Suécia, a Geórgia implementou de forma efetiva um sistema de registro imobiliário baseado em blockchain, tornando-se o primeiro país a oficialmente utilizar a tecnologia na autenticação de propriedades.
Desde 2017, o governo georgiano, em parceria com a Bitfury, utiliza blockchain para armazenar todos os registros de imóveis do país. Esse sistema permite que qualquer pessoa consulte informações sobre propriedades de forma instantânea e segura.
Os principais avanços desse modelo incluem:
- Registro descentralizado: Todas as informações são armazenadas em uma rede pública e verificável.
- Autenticidade garantida: Os registros são validados de forma automática, reduzindo a necessidade de checagens manuais.
- Redução drástica de fraudes: O blockchain impede a falsificação de documentos de propriedade.
Por outro lado, a Geórgia não eliminou completamente o papel dos cartórios. A transação imobiliária ainda precisa passar pelo sistema registral estatal, garantindo segurança jurídica aos compradores e vendedores.
Estados Unidos: Iniciativas Privadas e Governamentais
Nos Estados Unidos, o uso do blockchain no setor imobiliário ainda está em fase experimental, com iniciativas tanto do setor público quanto privado.
Em alguns estados, como Vermont e Illinois, o governo começou a testar registros de imóveis em blockchain para avaliar a viabilidade da tecnologia. O objetivo é criar um sistema alternativo de escrituração digital que seja mais rápido e seguro do que os cartórios tradicionais.
Além das iniciativas governamentais, diversas empresas privadas estão investindo em plataformas baseadas em blockchain para transações imobiliárias. Exemplos notáveis incluem:
- Propy – Plataforma que permite compra e venda de imóveis utilizando contratos inteligentes, eliminando intermediários e reduzindo custos.
- Ubitquity – Sistema de registro imobiliário digital que integra blockchain aos registros estatais.
Embora promissoras, essas soluções ainda não substituem os cartórios nos EUA. A legislação norte-americana exige a verificação formal das transações, garantindo que todas as transferências de propriedade sejam legalmente reconhecidas.
Blockchain: Substituição ou Complementação aos Cartórios?
Os exemplos analisados demonstram que, até o momento, nenhum país eliminou os cartórios ou órgãos de registro imobiliário. Em vez disso, o blockchain tem sido integrado aos sistemas tradicionais, funcionando como um instrumento de suporte para aumentar a segurança, transparência e eficiência das transações.
Os principais motivos para a não substituição completa dos cartórios incluem:
Portanto, o blockchain não deve ser visto como um substituto, mas sim como uma ferramenta complementar, capaz de tornar o registro de imóveis mais rápido, seguro e acessível sem comprometer a segurança jurídica.
Brasil: A Digitalização do Registro de Imóveis e a Resistência dos Cartórios
A digitalização do sistema registral brasileiro tem avançado significativamente nos últimos anos, impulsionada por iniciativas do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg). Essas instituições têm debatido ativamente formas de modernizar os serviços cartoriais, equilibrando inovação tecnológica com a segurança jurídica e a fé pública, características fundamentais do sistema de registro de imóveis brasileiro.
O Brasil já dispõe de um registro eletrônico de imóveis, mas, diferentemente de países que adotaram o blockchain como suporte, o país ainda mantém a centralidade dos cartórios e a qualificação registral como requisito indispensável para a formalização dos atos. Recentemente, um dos marcos mais importantes dessa transformação foi o lançamento do RI Digital, uma plataforma que moderniza o acesso aos serviços registrais.
RI Digital: O Novo Passo para a Digitalização Registral
No dia 24 de outubro de 2024, o ONR lançou oficialmente a plataforma RI Digital, uma evolução do Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado (SAEC). O objetivo da nova plataforma é reduzir a burocracia e agilizar os processos registrais, permitindo que cidadãos, advogados, empresas e instituições públicas tenham acesso remoto a diversos serviços cartoriais.
A principal inovação do RI Digital é a criação de um ambiente único e unificado, que facilita a consulta, prenotação e emissão de certidões de forma 100% digital. A iniciativa representa um avanço significativo na eficiência dos serviços registrais e reflete um esforço contínuo de modernização do setor.
Entre os serviços oferecidos pelo RI Digital, destacam-se:
- Acompanhamento gratuito do processo de registro de um título em tempo real, desde a prenotação até a entrega final.
- Emissão de certidões digitais assinadas eletronicamente, com validade de 30 dias.
- Consulta de indisponibilidades judiciais para CPF ou CNPJ.
- Envio eletrônico de documentos para prenotação e registro nos cartórios de imóveis.
- Envio digital de intimações para consolidação da propriedade fiduciária.
A plataforma já está disponível no site oficial (www.ridigital.org.br) e oferece uma interface intuitiva e orientações detalhadas, permitindo que usuários realizem serviços de maneira mais prática e eficiente.
A Digitalização Avança, Mas a Regulamentação Ainda Depende do CNJ e do Congresso Nacional
Apesar do avanço proporcionado pelo RI Digital, o Brasil ainda mantém um modelo híbrido, no qual o blockchain ainda não foi implementado de forma estrutural nos registros de imóveis. Essa questão tem sido amplamente discutida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo ONR e por instituições como o IRIB e a Anoreg, que buscam um equilíbrio entre inovação tecnológica e a preservação da segurança jurídica dos registros.
Atualmente, o registro de imóveis no Brasil opera sob um modelo de centralização regulatória, com normas detalhadas sobre qualificação registral e requisitos formais para a validade dos atos. Diferentemente da Suécia e da Geórgia, que integraram o blockchain diretamente no sistema registral, o Brasil opta pela digitalização gradual dos cartórios, mantendo a obrigatoriedade da presença de registradores e tabeliães como responsáveis pela validação e conferência dos títulos.
O Código Civil e a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) ainda exigem a intermediação dos cartórios para garantir publicidade, autenticidade e eficácia aos atos. Qualquer mudança mais radical, como a adoção integral do blockchain, dependeria de reformas legislativas substanciais, que poderiam impactar a própria estrutura do sistema registral brasileiro.
A Resistência dos Cartórios: Segurança Jurídica ou Reserva de Mercado?
Embora o avanço da digitalização seja inegável, há uma resistência significativa dos cartórios à adoção de um modelo descentralizado baseado em blockchain. Essa resistência pode ser explicada por dois fatores principais:
- O sistema registral brasileiro tem como principal pilar a presunção de veracidade dos atos praticados pelos registradores, que possuem a responsabilidade de analisar os documentos e garantir que não há vícios ou nulidades no processo de transferência de propriedade.
- No blockchain, a transação ocorre de forma automática e descentralizada, sem uma análise jurídica subjetiva, o que pode gerar riscos caso haja fraude, erro documental ou litígios sobre titularidade.
- Muitos registradores argumentam que a substituição completa dos cartórios por blockchain poderia gerar instabilidade jurídica, principalmente em um país com altos índices de informalidade fundiária e disputas imobiliárias complexas.
- Além disso, há uma preocupação legítima de que a adoção irrestrita do blockchain poderia acabar excluindo parte da população do acesso aos serviços registrais, considerando que nem todos os cidadãos possuem conhecimento técnico ou acesso a tecnologias digitais.
Apesar desses argumentos, há também a percepção de que parte da resistência vem da preservação de interesses econômicos. A digitalização progressiva reduz custos e prazos, mas mantém os emolumentos cobrados pelos cartórios, o que levanta questionamentos sobre a real intenção de modernização do sistema.
O Futuro do Registro de Imóveis no Brasil: Digitalização Completa ou Modelo Híbrido?
O lançamento do RI Digital demonstra que a digitalização já é uma realidade no Brasil, mas a grande questão que se impõe é: o país caminhará para um modelo 100% digital baseado em blockchain ou manterá um sistema híbrido, onde a fé pública dos cartórios continuará sendo indispensável?
O cenário mais provável para os próximos anos é uma maior integração entre o blockchain e o modelo cartorial tradicional, permitindo que a tecnologia traga eficiência sem comprometer a segurança jurídica.
Algumas previsões para o futuro do Registro de Imóveis no Brasil incluem:
- Maior integração do blockchain como ferramenta de suporte para registros, garantindo a imutabilidade dos dados sem eliminar a qualificação registral.
- Expansão do uso de contratos inteligentes (smart contracts) para transações imobiliárias, automatizando processos sem perder a chancela estatal.
- Redução dos custos e prazos para emissão de certidões e registros, permitindo maior transparência e eficiência nas transações.
- Possível regulação pelo CNJ e Congresso Nacional para permitir uma digitalização mais ampla sem comprometer a segurança dos negócios jurídicos.
Enquanto isso, o ONR, o IRIB e a Anoreg continuam liderando o debate sobre o futuro da digitalização no Brasil, buscando um modelo que concilie inovação tecnológica e preservação da segurança jurídica.
Conclusão
A modernização do sistema registral é um caminho sem volta, e o avanço de tecnologias como o blockchain inevitavelmente impactará a forma como os cartórios operam. No entanto, a ideia de que essa tecnologia resultará na extinção dos cartórios não se sustenta nem no curto, nem no médio, nem no longo prazo.
O sistema registral brasileiro não se limita ao simples armazenamento de informações sobre a propriedade de bens imóveis. Ele envolve a qualificação jurídica dos títulos apresentados, garantindo a segurança dos negócios jurídicos e protegendo terceiros de fraudes e inconsistências. Nenhuma tecnologia, por mais sofisticada que seja, substitui a análise jurídica realizada pelos registradores, que asseguram a conformidade dos atos com a legislação vigente.
Além disso, a fé pública dos cartórios garante que os registros tenham presunção de veracidade e que terceiros possam confiar nas informações neles contidas sem a necessidade de novas comprovações. O blockchain, por sua vez, é uma tecnologia descentralizada que assegura a integridade dos dados, mas não confere autenticidade ou legalidade aos documentos, pois não possui uma autoridade que qualifique os atos jurídicos.
A experiência internacional demonstra que, mesmo nos países que testaram o blockchain para transações imobiliárias, os cartórios ou entidades estatais continuam existindo, exercendo papel de supervisão e controle. O Brasil segue esse caminho ao digitalizar os serviços registrais, mas sem abrir mão da essência do sistema de registro público.
Portanto, não há qualquer indicativo de que os cartórios serão extintos. Pelo contrário, a tendência é que sua atuação seja modernizada, incorporando o blockchain como ferramenta complementar para aumentar a transparência, reduzir burocracias e garantir a integridade dos registros. No final, o futuro dos cartórios não é a sua substituição, mas a sua evolução dentro da era digital.
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Gabriel de Sousa Pires
Advogado, ex-Conselheiro Seccional e atual membro da Comissão de Seleção da OAB-DF. Especialista em Direito Contratual, Imobiliário e Empresarial. Sócio da J Pires Advocacia & Consultoria