Uma idosa incansável e imparável: Quase 95 anos da OAB Nacional   Migalhas
Categories:

Uma idosa incansável e imparável: Quase 95 anos da OAB Nacional – Migalhas

CompartilharComentarSiga-nos noGoogle News A A

A advocacia é uma das poucas profissões que está prevista expressamente no texto constitucional. Não há menção à medicina, à engenharia ou ao profissional de informática, mesmo sendo importantes profissionais do mundo contemporâneo. Diz o art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Apesar da interpretação literal do texto constitucional ser bastante convincente quanto à prerrogativa da advocacia no que toca à sua inviolabilidade profissional, em 1994 a lei 8.906 instituiu o estatuto da advocacia e da OAB, com o fito de regulamentar direitos e obrigações da classe.

O estatuto da advocacia ressalva que o advogado é indispensável à administração da justiça e que sua prestação de serviços, mesmo sendo privada, representa um serviço público dotado de função social e, portanto, no exercício profissional o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites da lei. Apesar de parecer chover no molhado – ao lermos o art. 133, da CRFB/88 e o art. 2º do estatuto -, a ressalva legal é importante para consolidar as prerrogativas e a importância da advocacia na sociedade.

José Roberto de Castro Nevez ensina sobre a função social e essencialidade da advocacia, em seu livro “Como os advogados salvaram o mundo”:

O advogado é o profissional cuja presença se reclama diante da incerteza da disputa. Procura-se também o advogado quando o interessado quer realizar determinado ato de forma correta, seguindo a lei. O auxílio consiste em assinar contratos, resolver disputas, consertar erros, promover registros, adquirir ou vender bens, doar, casar – tudo, enfim! – de forma juridicamente perfeita.

O advogado fala pela pessoa que o procura. A etimologia da palavra, de origem latina, é exatamente esta: ad vocare, isto é, “chamado para falar”. O advogado é aquele chamado a falar pelo seu assistido, a representá-lo (Neves, 2020, p. 26).

Dada a essencialidade da advocacia no mundo, precisamos continuar chovendo no molhado, para fazer valer os direitos e as prerrogativas da profissão, as quais têm sido violadas e, por vezes, estão sob ataques contumazes. Chover no molhado significa combatermos com o bom combate, democraticamente e no campo das ideias, como vem fazendo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao longo de quase um século.

A OAB Nacional, a propósito, conseguiu recentemente suspender a mudança prevista no § 3º do art. 11, da resolução 455/22 do CNJ, que alterava a forma de intimação processual ao priorizar as publicações no DJEN – Diário da Justiça Eletrônico Nacional em detrimento das notificações pelos sistemas eletrônicos dos tribunais1. Uma mudança que deixou a advocacia brasileira zonza a atônita, sem saber o que realmente valeria; sem saber como cada tribunal atuaria na prática; sem saber que tipo de publicação prevaleceria no dia a dia (PJE x DOE). Em suma, a advocacia ficou temerosa e insegura com a proposta de mudança do CNJ, mas a OAB não dorme e atuou prontamente, salvaguardando a classe e, em última ratio, a sociedade, ou seja, salvaguardando o próprio jurisdicionado.

Uma outra importante e recente vitória da OAB Nacional culminou na lei 15.109/25, a qual alterou o CPC, para dispensar o advogado do adiantamento de custas processuais em ações de cobrança e em execuções de honorários advocatícios.

Art. 82 Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título. (…)

§ 3º Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo. 

O § 3º, do art. 82 do CPC/15 responde à seguinte pergunta problema: além de não receber pelos seus serviços, o advogado ainda terá que antecipar pagamento de custos estatais, para ter o direito de cobrar sua verba alimentar?

Mas nem tudo são flores e a luta não pode parar. Mesmo diante da expressa dispensa no adiantamento das custas processuais, em 21/3/25, a juíza Camila Rodrigues Borges de Azevedo, fez um esforço hermenêutico e, em controle difuso de constitucionalidade, decidiu pela inconstitucionalidade da norma e determinou o recolhimento antecipado das custas na ação de cobrança de honorários 1028619-40.2025.8.26.0100, do TJ/SP:

Com efeito, as custas judiciais têm natureza de tributo, mais precisamente de taxa de serviço, nos termos do art. 145, II, da Constituição da República de 1988 (CR/88), conforme orientação jurisprudencial consolidada (por todos, cf. STF, ADI 3.694; STF, ADI 2.653; STJ, REsp 1.893.966/SP). Por isso, à luz do princípio da legalidade (CR/88, art. 150, I, c/c CTN, art. 97), a instituição da exigência de custas judiciais depende de previsão em lei a ser editada pelo ente federado tributante (com competência tributária: poder de instituir/criar tributo).

Ao dispensar os advogados de recolher as custas processuais relativas a processos de cobrança ou execução de honorários advocatícios, a lei positiva uma isenção tributária, é dizer, uma dispensa legal de pagamento de tributo, modalidade de exclusão tributária, nos termos do art. 175, I, do CTN.

Todavia, de acordo com o art. 151, III, da CR/88, é vedado à União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios” (isenções heterônomas). As normas de isenção tributária, portanto, devem ser editadas pelo ente federado com competência tributária para a instituição do tributo.

Consequentemente, as custas judiciais decorrentes do serviço prestado pela União (Justiça Federal, Justiça Eleitoral, Justiça Militar Federal) devem ser instituídas (e isentadas, se o caso) por lei Federal. De outro lado, as custas judiciais decorrentes do serviço prestado pelos Estados (respectivas Justiças Estaduais) devem ser instituídas (e isentadas, se o caso) por lei estadual. (…)

Ante o exposto, no derradeiro prazo de 15 dias, cumpra a autora o determinado às fls. 34, item 1, sob pena de indeferimento da inicial e extinção do feito. Saliente-se que o valor da causa pode ser fixado por estimativa, quando não é possível determinar a expressão econômica da demanda.

São Paulo, 21/03/25.

CAMILA RODRIGUES BORGES DE AZEVEDO

Juiz(a) de Direito

Diante de tal decisão, é preciso refletir: será que não seria mais producente dar uma interpretação gramatical ou lógica e citar a parte devedora, tentando conciliar os litigantes (incluindo a negociação das custas)?

O art. 90, § 2º, CPC/15, inclusive, já disciplina o rateio de custas: “Havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente”.

Mesmo não havendo transação, não seria mais hábil e célere impulsionar o feito, uma vez que a parte devedora pode simplesmente reconhecer a dívida e, desta feita, resolver a questão meritória? Neste ponto, o art. 90, § 4º do CPC/15 diz: “Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade”.

Em que pese as possibilidades supra, a juíza preferiu julgar pela inconstitucionalidade da norma e provocar um debate secundário ao objeto núcleo da lide, provocando possibilidades recursais e intervenção de terceiros (da OAB, por exemplo). Infelizmente, no caso concreto, os princípios da efetividade e da eficiência foram deixados em segundo plano, bem como foi relegada a prerrogativa legal e a hermenêutica lógica do texto legal.

É por estas e outras que a OAB não tira férias; ela é vigilante e atuante, tanto é que tão logo tomamos conhecimento de tal decisão, iniciamos o debate no âmbito do Conselho Federal, mesmo sendo uma noite de sexta-feira, 21/5/25. Este singelo escrito é prova disso.

Outro destaque do Conselho Federal é a aprovação da proposta de alteração da lei 4.591/1964, “para estabelecer a obrigatoriedade da representação por advogado em etapas fundamentais da incorporação imobiliária. A medida, que será encaminhada ao Legislativo, se aplica especialmente à elaboração e registro do memorial de incorporação, bem como ao procedimento de destituição do incorporador”2. A relatoria foi da amiga e conselheira Federal Hortência Monteiro, que também pertence à bancada da OAB/RN.

A garantia de que os honorários sucumbenciais seguirão os critérios do CPC/15 nas causas privadas foi outra conquista da OAB, em diversos âmbitos. Vejam que a história do chover no molhado é constantemente retomada. In casu, a OAB atuou em diversas frentes. Leia-se: junto ao Legislativo, com a parametrização dos honorários no CPC/15 e, mais recentemente junto ao Judiciário, tanto no plano da interpretação infraconstitucional do STJ, quanto no Supremo:

Atendendo ao pleito do CFOAB – Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o STF pautou uma questão de ordem no Tema 1.255 para definir, de modo incontroverso, os limites da discussão do Recurso Extraordinário às causas envolvendo a Fazenda Pública. No julgamento, finalizado na terça-feira (11/3), a Corte, por unanimidade, referendou a proposta do relator, estabelecendo que, para as causas envolvendo partes privadas, os critérios definidos pelo CPC e reafirmados no Tema 1.076 do STJ deverão ser aplicados, garantindo maior previsibilidade e segurança jurídica.3

A OAB não pode tirar férias. As lutas continuam, seja para incluir o homicídio qualificado contra advogado no CP (PL 212/24); seja para garantir a concessão imediata de medidas de proteção aos profissionais ameaçados ou vítimas de violência no exercício da advocacia (PL 5.109/23).

A proteção e a segurança da advocacia também estão entre as principais preocupações da entidade. Fruto dessa atuação foi a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da urgência do PL 212/24, de autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), que visa incluir o homicídio qualificado contra advogados no CP, além de estabelecer uma causa especial de aumento de pena para lesões corporais dolosas praticadas contra advogados em razão de sua atuação profissional. Na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o texto teve como relator o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO). O Projeto também será novamente incluída na pauta do plenário para análise do mérito.

Temos, ainda, o PL 5109/23, de autoria do deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), que altera o Estatuto da Advocacia e da OAB (lei 8.906/1994) para garantir a concessão imediata de medidas de proteção pessoal a advogados e advogadas ameaçados ou vítimas de violência no exercício da profissão. O texto foi aprovado pela CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara e agora aguarda o prazo para interposição de recurso ao plenário antes de seguir para a votação da redação final e ser encaminhada ao Senado Federal.4

O PL da Câmara 80, de 2018 altera a lei 8.906/1994, representa avanço no quesito cidadania (leia-se: maior segurança do constituído/ tutelado/ jurisdicionado), visando estabelecer a obrigatoriedade da participação do advogado na solução consensual de conflitos, tais como a conciliação e a mediação. O resultado da enquete denota que o tema tem força popular e que a população entende a essencialidade da função social da advocacia:

imageFonte: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134076

Chegando ao fim desse singelo escrito e novamente fazendo um recorte de Neves (2022) – que escreveu sobre a história da advocacia e sua contribuição para a humanidade -, destacamos que a advocacia é a profissão garantidora do bem-estar social nacional sistêmico:

Talvez, num mundo diferente, habitado apenas por seres perfeitos, bons, altruístas e pacíficos, os advogados fossem supérfluos. Mas não é esse o mundo em que vivemos. Sem advogados, o mundo seria pior.

Os advogados não são perfeitos. É claro. São seres humanos que têm na imperfeição uma das suas características marcantes e belas. Por outro lado, apenas enquanto humanos é que eles conseguem compreender a humanidade (Neves, 2020, p. 23).

Só sabe a essencialidade de um advogado, quando se precisa de um; só se sabe a importância da OAB, quando ela nos representa, com a capa de uma heroína, que salvaguarda a CF/88 e/ou como uma verdadeira mãe da advocacia e guardiã da sociedade; incansável e imparável, mesmo diante dos seus quase 95 anos de idade.

É com muito orgulho que finalizo este opinum com um sonoro viva à advocacia; e um reluzente viva à Ordem dos Advogados do Brasil.

_________

1 https://www.oab.org.br/noticia/62960/cnj-atende-pedido-da-oab-e-suspende-mudanca-no-sistema-de-intimacoes-processuais

2 https://www.oab.org.br/noticia/62966/pleno-propoe-mudancas-na-lei-de-incorporacao-imobiliaria-para-assegurar-representacao-por-advogado

3 https://www.oab.org.br/noticia/62949/mais-uma-vitoria-da-advocacia-stf-garante-que-causas-privadas-seguem-criterios-do-cpc-para-honorarios

4 https://www.oab.org.br/noticia/62723/maior-entidade-da-sociedade-civil-brasileira-oab-completa-94-anos-de-historia

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

Advogado e Conselheiro Federal da OAB; Doutorando em Direito; Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável; Especialista em Processo Civil.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *