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A chamada “Tese do Século”, consolidada no julgamento do Tema 69 da Repercussão Geral pelo STF (RE 574.706/PR), reconheceu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS. Posteriormente, nos embargos de declaração julgados em 13 de maio de 2021, o STF modulou os efeitos dessa decisão, estabelecendo que a exclusão do ICMS só poderia beneficiar contribuintes que ingressaram com ações até 15/03/2017.
Diante desse cenário, a Fazenda Nacional passou a ajuizar ações rescisórias para desconstituir decisões transitadas em julgado anteriores à fixação dos critérios de modulação, baseando-se nos Temas 1.245 do STJ e 1.338 do STF, que autorizam o uso da ação rescisória para adequação de julgados a precedentes supervenientes.
No entanto, essa aplicação automática dos referidos precedentes deve ser questionada, pois pode violar princípios constitucionais essenciais, como segurança jurídica, coisa julgada e proteção da confiança legítima. O presente artigo discute a possibilidade de superação desses temas, demonstrando a necessidade de um distinguishing nos casos concretos.
O Tema 1.245 do STJ firmou tese no sentido de que: “Nos termos do art. 535, § 8º, do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/05/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69 do STF – Repercussão Geral.”. Dessa forma, o STJ permitiu a propositura de ação rescisória para adequar decisões já transitadas em julgado às regras da modulação dos embargos de declaração do Tema 69. O fundamento dessa decisão foi a interpretação do art. 535, §§ 5º e 8º do CPC/2015, que autoriza a impugnação de sentenças que contrariem precedentes qualificados do STF.
Contudo, a aplicação desse entendimento não pode ser automática, já que a decisão rescindenda foi proferida antes da modulação, ou seja, não violava qualquer precedente vinculante existente à época.
Do mesmo modo a modulação de efeitos não pode servir para fragilizar a coisa julgada, pois, conforme jurisprudência consolidada, ela visa assegurar previsibilidade e proteção aos jurisdicionados.
A súmula 343 do STF ainda deve ser aplicada, pois a questão era controversa à época do trânsito em julgado da decisão rescindenda, impedindo a rescisão sob o fundamento de “violação manifesta de norma jurídica”.
Portanto, a aplicação do Tema 1.245 do STJ deve ser relativizada nos casos em que a modulação de efeitos ocorreu após o trânsito em julgado da decisão rescindenda, sob pena de se permitir a utilização da rescisória como mero mecanismo de ajuste jurisprudencial, o que afrontaria a própria lógica do sistema recursal.
Todavia, tais argumentos, isoladamente, não são acolhidos pelos tribunais regionais federais, demandando uma análise do recente Tema 1.338 do STF: “Cabe ação rescisória para adequação de julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 (Tema 69/RG).”.
A decisão partiu do entendimento de que a modulação dos efeitos integra o mérito da decisão do STF, possibilitando a revisão de sentenças anteriores por meio de ação rescisória. Em que pese tal decisão ser questionável sob diversos aspectos, fato é que tem força vinculante, competindo aos operadores do direito aplicá-los.
Para os advogados, resta então a difícil tarefa de evidenciar acerca do cabimento de aplicação da técnica de distinguishing, especialmente indicando a existência de inconstitucionalidade no art. 535 do CPC, que até o presente momento não foi analisado pelo STF (em que pese ser objeto da Ação Rescisória 2876).
Afinal, se o tema 1.338 do STF utilizou como argumentação a previsão contida no CPC que autoriza a arguição de ulterior decisão em sentido diverso do título judicial transitado em julgado que tenha sido favorável à Fazenda, especialmente em sede de cumprimento de sentença (hipótese do art. 535), certamente tal aspecto gera impacto direto no tema em discussão. Ou seja, o tema 1.338 reconheceu a viabilidade processual da ação rescisória, mas restaria ainda pendente de apreciação a inconstitucionalidade de tais prerrogativas da Fazenda em juízo.
O § 5º do art. 535 do CPC estabelece que, para fins de impugnação ao cumprimento de sentença, considera-se inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, ou fundado em interpretação tida pelo STF como incompatível com a Constituição Federal. Essa previsão, em conjunto com o § 8º do mesmo dispositivo, possibilita a revisão de decisões transitadas em julgado sem necessidade de ação rescisória, bastando para tanto a arguição de inexigibilidade do título.
Daí é que entendemos ser viável advogar a tese no sentido de existirem fundamentos sólidos para se questionar a constitucionalidade desses dispositivos, conforme já reconhecido em manifestações doutrinárias e jurisprudenciais, pois haveria sério risco de afronta ao princípio da segurança jurídica, pois os §§ 5º e 8º do art. 535 do CPC permitem uma revisão indefinida de decisões já estabilizadas pelo trânsito em julgado, ferindo o princípio da coisa julgada e a intangibilidade das decisões judiciais.
O próprio Supremo Tribunal Federal já manifestou preocupação com a inconstitucionalidade da reabertura do prazo da ação rescisória com base em decisões supervenientes de inconstitucionalidade, conforme destacado no julgamento da QOAR 2876-DF1, em que o ministro Gilmar Mendes reconheceu a inconstitucionalidade dos §§ 15 do art. 525 e 8º do art. 535 do CPC, justamente por violarem a segurança jurídica.
Ademais, o próprio TJ/SP, no julgamento do IRDR 0032791-61.2019.8.26.0000, consolidou o entendimento de que os artigos 525 e 535 do CPC somente se aplicam às decisões do STF, não sendo possível ampliar suas hipóteses de incidência para abarcar outras situações.
Tal entendimento corrobora a necessidade de interpretação restritiva desses dispositivos, evitando a relativização excessiva da coisa julgada e a consequente desestabilização das relações jurídicas já consolidadas?.
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STF retoma discussão sobre prazo para mover ação rescisória com base em suas decisões
Wesley Albuquerque
Advogado e sócio na Ribeiro & Albuquerque Advogados Associados. Direito Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Dir. Tributário pelo IBET-SP.