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A empresa 123 Milhas que possui uma posição de destaque nos segmentos de turismo e viagens, solicitou recuperação judicial devido à crise econômico-financeira que está enfrentando. Segundo a Empresa, a queda do mercado de turismo e viagens, a concorrência acirrada, a alta carga tributária e a falta de capital de giro foram alguns dos fatores que contribuíram para a situação atual das empresas.
O programa Promo123 principal fator para o pedido, oferecido pela empresa 123 Milhas, está sendo criticado por falta de transparência e prejuízos aos clientes. Conforme a descrição da empresa, o programa foi concebido para servir clientes com disponibilidade de horários e datas maleáveis para suas viagens. Isso envolvia a comercialização de passagens aéreas e pacotes de viagem nos quais as datas poderiam ser ajustadas, e a emissão dos bilhetes seria realizada após a aquisição pelo cliente, sem uma data específica previamente estabelecida.
No entanto, a noticiada postergação do adimplemento dos produtos adquiridos via programa Promo123 causou grande comoção, sendo publicadas inúmeras matérias jornalísticas sensacionalistas a respeito da situação econômica das Companhias, o que acarretou o rompimento de contratos e a corrida de entidades para ajuizarem ações judiciais com pedidos liminares de bloqueios de valores, que foram fatais para o desespero da Empresa.
Além disso, o modelo em comento permitia que a empresa escolhesse o melhor momento para a compra da passagem ou pacote anteriormente adquirido pelo cliente, com um preço mais vantajoso, o que pode ter gerado prejuízos aos clientes que não tiveram suas viagens realizadas ou que tiveram que arcar com custos adicionais.
Segundo o pedido de recuperação judicial1, atualmente apenas em Belo Horizonte são ajuizadas 4 ações por hora contra a Empresa. Porém a 123 Milha afirma que possui os meios necessários e o know-how para manter a atividade empresarial e obter lucros com sua atividade, mas precisa da recuperação judicial para reorganizar suas finanças e tentar se recuperar.
Observa-se que o pedido de recuperação foi uma jogada de extremo desespero, com um passivo estimado em mais de 2 bilhões de reais, a 123 Milhas apresentou apenas parte dos documentos que são necessários para o deferimento da Recuperação Judicial. E ainda requer que o seu pedido de tutela antecipada seja deferido e que o “stay period” seja antecipado para que no prazo de 180 dias, todos os processos em face da empresa e, consequentemente, os atos de constrição do seu patrimônio sejam congelados.
Em meio a essa situação delicada, surge a pergunta crucial: será que a 123 Milhas conseguirá se reerguer e superar essa crise ou estamos testemunhando o início de seu declínio irreversível? A solicitação de recuperação judicial, por si só, demonstra a boa-fé da empresa e tentativa de reorganizar suas finanças e encontrar uma saída para os problemas atuais. No entanto, é difícil ignorar os sinais de alerta presentes na situação.
A falta de transparência no programa Promo123, que parece ter gerado insatisfação entre os clientes, pode levantar dúvidas sobre a ética e a confiabilidade da empresa. Além disso, a postergação do adimplemento dos produtos adquiridos por meio desse programa, juntamente com as ações judiciais em andamento, prejudicou ainda mais a imagem da 123 Milhas e minou a confiança dos consumidores.
A crise econômico-financeira enfrentada pela empresa pode não ser apenas resultado das condições gerais do mercado. A falta de planejamento estratégico, a gestão inadequada dos recursos e o modelo de negócios arriscado também podem ter contribuído para a situação atual. Mesmo que a empresa afirme possuir os meios e o conhecimento necessário para se recuperar, a execução bem-sucedida desse plano é uma tarefa complexa que demandará não apenas esforços financeiros, mas também uma revisão profunda de suas práticas comerciais.
Uma abordagem interessante a ser considerada, dado o atual cenário, é a possibilidade de um recomeço rápido, uma alternativa conhecida no diploma americano como “Fresh Start”2. Nesse modelo, a empresa optaria por uma falência mais “ágil”, permitindo que ela possa emergir com um novo começo e um modelo de negócios repensado. Essa abordagem permitiria uma renovação mais dinâmica e eficiente, potencialmente reduzindo os custos e o tempo associados a um processo de recuperação judicial prolongado.
Ao explorar a opção de “Fresh Start” no diploma brasileiro que foi incorporada no artigo 158 e seguintes pela Lei 14.112/203, a empresa poderia buscar uma reestruturação baseada no pagamento efetivo das obrigações financeiras, ao mesmo tempo em que aproveita a oportunidade para avaliar profundamente suas operações e práticas.
Isso, poderia envolver uma redefinição de suas estratégias de mercado, um compromisso renovado com a transparência e a satisfação do cliente, bem como a criação de um plano sólido para garantir uma gestão financeira sustentável no futuro, dado que como afirmado na Recuperação Judicial a empresa passa por dificuldades financeiras desde sua fundação.
A 123 Milhas, no cenário atual, enfrenta uma batalha árdua para reconquistar a confiança do público, reestruturar suas operações e equilibrar suas finanças. A trajetória em direção à recuperação é incerta e envolve inúmeros fatores que vão além de um pedido de recuperação judicial. A empresa precisará não apenas resolver suas pendências legais e financeiras, mas também reinventar sua abordagem aos negócios, demonstrando transparência, responsabilidade e uma proposta de valor convincente para seus clientes.
E independentemente do caminho escolhido, o desejo de reerguer-se é evidente, mas a complexidade da situação demanda análises profundas e decisões ponderadas. A busca por uma nova chance, seja por meio de um processo de recuperação judicial ou de um “Fresh Start”, deve ser conduzida com foco na restauração da confiança do público, na revitalização do modelo de negócios e na construção de uma base sólida para o futuro.
Diante de todas essas incertezas, apenas o tempo dirá se a 123 Milhas conseguirá de fato se reerguer ou se a situação atual é um reflexo de uma alteração profunda do mercado e com desafios mais profundos e persistentes que podem eventualmente levar o formato de empresa que conhecemos hoje deixar de existir.
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1 – Processo de nº 5194147-26.2023.8.13.002
2 – MAY. Chapter 13 bankruptcy may help debtors obtain a fresh start | Stockton & Kandt. Stocktonlaw.com. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2023.
3 – Lei nº 11.101/05. Planalto.gov.br. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2023.
Heloisa Nogueira
Advogada formada pela PUC-Campinas, consultora empresarial em reestruturação, com especialização em Análise Econômica de direito Internacional pela Universidade de Augsburg – Alemanha, membro do grupo de estudos em Recuperação Judical da OAB/CAMPINAS.
Maria Eduarda Vidotti
Associada ao Escritório Nogueira e Chiteco Jr. Sociedade de Advogados, graduanda em direito pela PUC-CAMPINAS, integrante da Equipe de Recuperação Judicial, membro da Comissão da OAB Jovem Estadual de São Paulo no núcleo de Recuperação Judicial.