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No ordenamento jurídico brasileiro, há quatro espécies tipificadas de reestruturação societária, quais sejam: fusão, transformação, cisão e incorporação. Entretanto, o art. 50, da LREF, ao prever em seu inciso II que constituem meios de recuperação judicial as referidas espécies, não excluiu a possibilidade de utilização de reestruturação societária atípica, como é o caso do Drop Down.
A utilização do mecanismo do Drop Down por empresas em Recuperação Judicial, como meio de soerguimento, tem sido aceita pelos tribunais pátrios e tem se mostrado um meio eficaz para a superação da crise enfrentada pelas Recuperandas.
Deve-se sempre ter em mente o objetivo da recuperação judicial, estampado no art. 47 da LREF, de modo que toda modalidade que contribua para a manutenção da empresa, quando adequada ao caso, deve ser permitida.
Conforme já mencionado, na legislação brasileira, estão previstos 4 (quatro) tipos de reorganização societária: fusão, incorporação, transformação e cisão. A fusão ocorre por meio da união de duas ou mais empresas, as quais se extinguem para a formação de uma nova sociedade; a incorporação ocorre quando uma ou mais empresas são incorporadas por outra empresa, havendo a extinção das empresas incorporadas; a cisão, por sua vez, é a transferência integral ou parcial do patrimônio de uma ou mais empresas para outra, por meio de pagamento, acarretando a diminuição do capital social da empresa transferidora, ou até mesmo sua extinção, caso a cisão seja total; e, por fim, a transformação se dá quando uma empresa altera o seu tipo societário, independentemente de dissolução ou liquidação.
Cabe ressaltar que outras formas não previstas podem ser utilizadas pelas empresas para sua reorganização, o que não implica em dizer que, por não estarem expressamente na legislação, sejam ilegais.
Na Lei de Recuperação Judicial (LREF), o art. 50 traz, de forma exemplificativa, os meios de recuperação judicial que podem ser utilizados pelas empresas que se encontram nesta situação. Assim, quando há a previsão, no inciso II, das formas de reestruturação societária que podem ser utilizadas pelas devedoras, não há a exclusão de outras formas, sendo possível, portanto, a utilização da operação denominada Drop Down.
O Drop Down teve origem no ordenamento norte americano e é conceituado por Verçosa e Barros da seguinte forma:
“O drop down é realizado por meio de aumento de capital que uma sociedade faz em outra, conferindo a esta “bens” de natureza diversa, tais como estabelecimentos comerciais e industrias, carteira de clientes, “atividades”, contratos, atestados, tecnologia, acervo técnico, “direitos e obrigações” etc. Na relação de bens acima enumerados – que não esgota a “capacidade criadora” dos empresários – verifica-se a presença de elementos do ativo (inclusive intangíveis) e do passivo da sociedade conferente (…)” (VERÇOSA, Haroldo M. D.; BARROS, Zanon de Paula. A recepção do “drop down” no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 125, a. XLI, p. 41 – 47, jan/mar. 2002, p. 41)
Seguindo essa conceituação, por meio do Drop Down, a empresa conferente transfere ativos tangíveis e/ou intangíveis em troca de ações ou quotas do capital social da empresa receptora.
Já na definição proposta por Ricardo Tepedino (TEPEDINO, Ricardo. O Trespasse para a Subsidiária (drop down). In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coords.). Direito Societário e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 63), o ato societário seria um “trespasse para a subsidiária”, conclui que o legislador pretendeu fazer alusão a ele quando previu, no art. 50, II, da LREF, a constituição de subsidiária integral como meio de recuperação judicial da empresa.
O conceito de Ricardo Tepedino, ao optar por aproximar o Drop Down ao trespasse, ou seja, transferência de estabelecimento empresarial a uma sociedade subsidiária constituída por este fim, ocasiona uma limitação do instituto como previsto em outros ordenamentos.
Existem outras definições mais abrangentes, como a de Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, que compreende o Drop Down de forma que a sociedade subsidiária integral poderá integralizar seu capital social por meio do recebimento de qualquer modalidade de ativo da empresa conferente, o que pode incluir, ou não o estabelecimento comercial (CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de. Regime Jurídico das Reorganizações: a necessária distinção das reorganizações societárias, empresariais e associativas para proteção jurídica do investimento privado. Tese de doutorado. PUC-SP. São Paulo: 2015, p. 182).
Certo é que, por meio da operação de Drop Down, uma empresa A transfere ativos para uma empresa B e, em troca, A recebe de B ações ou quotas de sua sociedade. Logo, inexiste perda ou diminuição do patrimônio da empresa A, apenas a troca de patrimônios, preservando a manutenção do negócio.
Especificamente em empresas sob o regime da Recuperação Judicial, a aplicação deste instrumento jurídico tem sido amparada por meio de decisões judiciais, senão vejamos:
“ABUSIVIDADE DAS CLÁUSULAS CONTIDAS NO PLANO DE RECUPERAÇÃO. Deságio de 45%. Abusividade não configurada. Prazo de carência de 12 meses para o pagamento do débito em dez anos. Tempo para reorganização da atividade produtiva. Utilização de taxa referencial como índice de correção monetária e fixação de juros remuneratórios em 2% ao ano não caracterizada abusividade. Operação societária de drop-down e criação da PRJn Engenharia Ltda. como unidade produtiva isolada. Ausência de prejuízo ao desenvolvimento das atividades da recuperanda e aos credores, pois o resultado líquido apurado com a exploração das atividades e com a venda da unidade serão revertido ao pagamento dos créditos. Decisão mantida. Recurso improvido” (TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Ag.Inst. n. 2159288-57.2017.8.26.0000, rel. Des. Hamid Bdine, julg. 13/12/20217)
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL Homologação do plano ‘Drop Down’. Abusividade não verificada Criação de sociedade empresária subsidiária e transferência de ativos que buscam otimizar e viabilizar o soerguimento da empresa em crise Medida legítima prevista no art. 50, inciso II da lei 11.101/05 Precedentes Recurso improvido.” (TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Ag.Inst. n. 2290263-65.2020.8.26.0000, rel. Des. J. B. Franco de Godoi, julg. 28/10/2021)
Neste último acórdão citado, consta como argumento para permitir a operação do Drop Down pela empresa recuperanda o fato de que a criação de nova sociedade (subsidiária) com os bens e ativos da recuperanda e com o mesmo objeto visa dar continuidade à empresa, viabilizando a participação de licitações, contratos públicos e particulares, otimizará a execução do plano de recuperação.
Deste modo, o Drop Down é considerado um meio de alcançar o objetivo da recuperação judicial, trazido no art. 47 da LREF, ou seja, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Assim, em que pese o Drop Down não estar textualmente expresso na LREF como meio de recuperação judicial, as devedoras podem utilizá-lo para melhorar seu desempenho no mercado, incrementar sua atividade, como estratégia para aumento dos lucros e, consequentemente, dar azo ao cumprimento do plano de recuperação judicial, sendo uma das muitas saídas a serem analisadas para a superação da crise econômico-financeira e consecução dos objetivos previstos no art. 47 da LREF.
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BRASIL. Lei de recuperação judicial, extrajudicial e de falência do empresário e da sociedade empresária: Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Brasília: Presidência da República, 2005. Disponível em:
CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de. Regime Jurídico das Reorganizações: a necessária distinção das reorganizações societárias, empresariais e associativas para proteção jurídica do investimento privado. Tese de doutorado. PUC-SP. São Paulo: 2015, p. 182
CLARO, Carlos Roberto. Reestruturação judicial e a operação drop down. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7081, 20 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101197. Acesso em: 6 ago. 2023.
LAMÊGO, Júlia Belas. Análise da possibilidade jurídica da utilização do Drop Down por empresários brasileiros. Monografia de conclusão de curso. Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Direito. Salvador: 2018, p. 58 – 60.
TEPEDINO, Ricardo. O Trespasse para a Subsidiária (drop down). In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coords.). Direito Societário e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 63
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instumento nº 2159288-57.2017.8.26.0000, rel. Des. Hamid Bdine, julgamento em: 13/12/20217, data da publicação: 15/12/2017.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2290263-65.2020.8.26.0000, rel. Des. J. B. Franco de Godoi, julgamento em: 28/10/2021, data da publicação: 28/10/2021.
VERÇOSA, Haroldo M. D.; BARROS, Zanon de Paula. A recepção do “drop down” no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 125, a. XLI, p. 41 – 47, jan/mar. 2002, p. 41
Raquel Santos Batista Guimarães
Advogada do escritório Inocêncio de Paula Sociedade de Advogados e especialista em Recuperação Judicial e Falência, com ênfase em Administração Judicial.