Termo inicial do prazo decadencial da ação rescisória   Migalhas
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Termo inicial do prazo decadencial da ação rescisória – Migalhas

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A ação rescisória é um instrumento jurídico essencial no ordenamento processual brasileiro, permitindo que decisões judiciais transitadas em julgado sejam revisadas em casos excepcionais.

A ação rescisória, prevista nos arts. 966 a 975 do CPC, é uma ação autônoma de impugnação que visa desconstituir uma decisão judicial transitada em julgado. Este mecanismo processual está reservado para situações excepcionais, onde se verifica uma das hipóteses taxativamente elencadas no art.966 do CPC, tais como: Violação de literal disposição de lei; Erro de fato; Colusão entre as partes; Documento novo, cuja existência a parte ignorava ou de que não pôde fazer uso; Documento falso; Incompetência absoluta do juízo; Manifesta injustiça da decisão baseada em prova falsa ou insuficiente.

O prazo para o ajuizamento da ação rescisória é decadencial, ou seja, trata-se de um prazo fixo e peremptório. De acordo com o art. 975 do CPC, a ação rescisória deve ser proposta em até dois anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Este prazo visa assegurar a estabilidade das decisões judiciais e a segurança jurídica, evitando que litígios sejam perpetuados indefinidamente.

O trânsito em julgado ocorre quando não há mais possibilidade de interposição de recursos contra a decisão judicial, tornando-a definitiva. No contexto da ação rescisória, o termo inicial do prazo decadencial é precisamente este momento. No entanto, a determinação exata desse termo inicial pode variar conforme o tipo de decisão e a especificidade de cada caso.

A súmula 401 do STJ dispõe: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”

Essa súmula é de extrema importância, pois esclarece que o termo inicial do prazo decadencial se dá apenas quando não houver mais recursos cabíveis, incluindo embargos de declaração e recursos para tribunais superiores. Isso reforça a necessidade de uma análise minuciosa do trânsito em julgado, considerando todas as possibilidades recursais que possam influenciar na contagem do prazo.

Vide julgamentos do STJ assim ementados:

“O prazo decadencial para a propositura de ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida no último recurso interposto, ainda que dele não se tenha conhecido, salvo se identificada hipótese de flagrante intempestividade” (AgInt no AREsp 887.897/RJ, Min. RAUL ARAÚJO, 4ª T; J. 26/11/19)

“Em geral, o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo indica o termo inicial rescisório, ainda que se tenha negado seguimento ao recurso ou que não seja conhecido, conforme a súmula 401/STJ, exceto nas hipóteses de flagrante intempestividade, erro grosseiro e má-fé.” STJ | AgInt no AgInt no ARESP 2155627 | 1ª turma | min. Sergio Kukina | J. 28/8/23

Assim, ressalvadas as hipóteses de flagrante intempestividade, erro grosseiro ou má-fé, para o STJ, o termo inicial do prazo decadencial da ação rescisória é contado da última decisão proferida no processo judicial.

O STF, em diversos julgados, tem afirmado que o prazo para a ação rescisória deve ser contado a partir do trânsito em julgado da última decisão que tenha resolvido a causa, incluindo os embargos de declaração; mas considerando a teoria da formação gradual da coisa julgada.

Em um julgamento notório em 2015, o ministro Marco Aurélio de Mello destacou a teoria da formação gradual da coisa julgada por capítulos, afirmando que o trânsito em julgado ocorre de maneira fragmentada, conforme cada questão ou capítulo da decisão se torne irrecorrível.

Vide trecho da fundamentação desse julgamento:

“Quanto ao prazo decadencial, ocorrendo o trânsito em julgado de capítulo autônomo da decisão, tem início o biênio para propositura da respectiva ação rescisória […] O prazo para formalização da rescisória, em homenagem à natureza fundamental da coisa julgada, só pode iniciar-se de modo independente, relativo a cada decisão autônoma, a partir da preclusão maior progressiva. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, revelada a presença de capítulos diferentes e de recursos parciais, não há como fugir da possibilidade de contar-se o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado de cada um dos capítulos em que se dividiu a sentença, se nem todos foram uniformemente afetados pelos diversos recursos manejados” (STF | AI 654291 AgR-AgR-AgR-ED-ED-EDv-AgR | min. Marco Aurelio | Tribunal Pleno | J. em 18/12/15)

Essa teoria propõe que o trânsito em julgado não se dá de forma unitária, mas sim conforme cada parte da decisão se torne definitiva.

Portanto, em um processo com múltiplas decisões ou capítulos, o termo inicial do prazo decadencial pode variar conforme o trânsito em julgado de cada um desses capítulos. Essa interpretação visa garantir maior precisão e justiça na aplicação do prazo decadencial, evitando que partes de uma decisão se tornem imutáveis antes do tempo.

O STJ também tem contribuições significativas, destacando que, nos casos em que há múltiplas decisões em diferentes instâncias, o prazo decadencial é contado a partir do trânsito em julgado da última decisão de mérito, seja ela de qual instância for. Em situações onde há interposição de embargos de declaração, o termo inicial do prazo decadencial é o trânsito em julgado dos embargos, e não da decisão original, conforme o entendimento da súmula 401.

Há casos excepcionais. Suponha que uma parte tenha conseguido uma decisão favorável mediante a apresentação de documentos falsos. Se a parte prejudicada descobrir essa fraude após o trânsito em julgado da decisão, poderá pleitear a ação rescisória dentro do prazo decadencial de dois anos, contados a partir da descoberta da fraude, e não do trânsito em julgado da decisão original. Essa interpretação busca proteger a boa-fé e a justiça

 A descoberta de novas provas, que não puderam ser apresentadas anteriormente por motivos alheios à vontade da parte, também pode impactar o termo inicial do prazo decadencial. Nesses casos, a contagem do prazo pode ser considerada a partir do momento da descoberta da nova prova, desde que esta tenha o potencial de alterar o resultado da decisão judicial.

Imagine um litígio onde, após o trânsito em julgado, a parte vencida encontra um documento essencial que estava extraviado e que comprova a falsidade da principal prova usada pela parte vencedora. Nesse caso, a ação rescisória pode ser ajuizada dentro do prazo de dois anos a partir da descoberta do documento, conforme previsto no art. 966, inciso VII, do CPC.

A determinação do termo inicial do prazo decadencial da ação rescisória é uma questão complexa, que exige uma análise cuidadosa das circunstâncias de cada caso.

A súmula 401 do STJ e a teoria da formação gradual da coisa julgada por capítulos, conforme defendida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, são fundamentais para a compreensão e aplicação correta do prazo decadencial. Essas interpretações visam garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos das partes, evitando que decisões injustas permaneçam intocáveis.

Otavio Coelho

Otavio Coelho

Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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