CompartilharComentarSiga-nos no A A
Durante a marcha processual, não raro, se deparam as partes e o juízo cuja ação encontra-se em trâmite com a oposição de embargos declaratórios, recurso que encontra-se previsto no art. 1.022, do CPC, cabível em caso de haver, no pronunciamento judicial por eles embargado, vícios como obscuridade, contradição, omissão de ponto sobre o qual devia pronunciar-se o magistrado ou, ainda, erro material. Daí, falar-se-á em fundamentação vinculada como um de seus principais aspectos processuais.
Em nossa processualística, a análise meritória dos embargos de declaração depende, imprescindivelmente, da existência de algum dos vícios elencados pelo legislador. De modo que, a ocorrência de obscuridade demanda esclarecimento; contradição demanda a harmonização da decisão consigo mesma, jamais com as petições, com a legislação ou com a jurisprudência; omissão demanda o suprimento do ponto abordado pelas partes que, por lapso, escapou ao pronunciamento judicial embargado; por fim, a correção de erro material se limita a ponto redacionais equivocados, não ao mérito da decisão.
Visivelmente, os limites de admissibilidade dos declaratórios são estreitos e, em regra, a substância do pronunciamento embargado há de ser mantida, o que impõe ao julgamento dos declaratórios que não se proceda com um novo julgamento da causa, pois a tanto não se destina essa insurgência recursal.
Tem-se, então, que os embargos declaratórios constituem medida cuja finalidade é esclarecer o decisum, completá-lo ou aclará-lo, de modo a propiciar o aperfeiçoamento da decisão, sentença ou acórdão proferido. Em hipóteses excepcionais, é possível a atribuição de efeitos infringentes, quando a alteração da decisão embargada surja como consequência necessária à correção dos vícios que a maculem1.
Ocorre que, através de uma construção pretoriana, tem-se admitido a interposição de embargos de declaração fundados na indicação de vício de julgamento que corresponde à adoção premissa fática equivocada, vício denominado como erro de premissa fática, que se traduz na admissão de um fato inexistente ou, ao revés, a desconsideração de um fato existente2.
De fato, a aludida construção jurisprudencial merece prosperar e são plurais os motivos. Seja para prestar homenagens a princípios como da instrumentalidade das formas e da economia processual; seja para evitar a sobrecarga da máquina judiciária com a interposição de outros recursos como agravos de instrumentos e apelações, bem como o ajuizamento de ações rescisórias.
Sabidamente, a novel processualística civil tem repudiado o formalismo exacerbado, com o intuito de prestar justas homenagens à concretização da justiça e dos direitos fundamentais. Tratam-se de distintivos do neoprocessualismo a facilitação do acesso à prestação jurisdicional de qualidade e a primazia da efetividade e da instrumentalidade.
Não há, no entanto, que confundir-se essa linha de intelecção com o estímulo de exortar a interposição desenfreada deste instrumento recursal. Verdade seja, por diversas e diversas vezes são os declaratórios maculados, ora por inquietudes meramente protelatórias, ora por tentativas de reabrir discussões por meio de via transversa. O que se propõe aqui, é a utilização desta insurgência com desvelo, mormente por se defender seu acolhimento por hipótese de construção jurisprudencial, sem expressa previsão legal.
Superada essa brevíssima digressão, mister retornar a atenção à possibilidade de expansão das hipóteses de admissibilidade deste instrumento de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, destinado etiologicamente, como já registrado, a purificar os pronunciamentos judiciais das omissões, contradições, obscuridades ou dúvidas que o enodoam.
Para bem justificar a possibilidade de admissibilidade de embargos de declaração por erro de premissa fática, apego-me ao princípio da razoabilidade, cuja finalidade de maior destaque é tornar a imensa massa de normas jurídicas num todo coerente, assegurando, pois, a compreensão do sistema jurídico sob análise.
Nessa seara, o magistério de Weida Zancaner é digno de destaque, ao dispor que o “princípio da razoabilidade compreende, além da análise da coerência dos atos jurídicos, a verificação de se esses atos foram ou não editados com reverência a todos os princípios e normas componentes do sistema jurídico a que pertencem, isto é, se esses atos obedecem ao esquema de prioridades adotado pelo próprio sistema”3.
A valoração do princípio da razoabilidade ocorre por não parecer razoável que seja o erro de fato capaz de ensejar a desconstituição da coisa julgada por meio de uma ação rescisória, como previsto no art. 966, inciso VIII, do CPC, mas não seja idôneo a desafiar os embargos de declaração.
Convém aqui relembrar a expressão latina “a maiori, ad minus”, isto é, quem pode o mais, pode o menos.
Sem o intuito de tornar estes escritos repetitivos, há de se retornar ao menos uma vez à questão da razoabilidade e é o que se faz para consubstanciar a argumentação. Há de se insistir, não é razoável exigir que as partes, diante de inequívoco erro de fato, aguardem o trânsito em julgado do pronunciamento judicial para recorrerem ao instituto da ação rescisória. Entendimento diverso seria contrário, ainda, à economia processual e à alteração promovida na legislação processual.
Pois bem, o que seria então o erro de fato? Ora, nada mais é quando a decisão ou sentença proferida admita fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, dando causa, necessariamente, à conclusão que chegou o pronunciamento judicial. Dito de outra forma, há de se analisar a ocorrência de erro de fato quando possível presumir que, se houvesse atentado em determinada premissa fática, não teria o magistrado julgado da forma que julgou.
Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha destacam que “o juiz, no erro de fato, supõe ou imagina que um fato existiu, quando, na verdade, nunca ocorreu ou vice-versa. O juiz, no erro de fato, não se pronuncia sobre o fato; supõe ou imagina tenha existido o fato inexistente ou vice-versa”4.
À saída, há que se considerar que, estando diante de julgamento que parte de premissa fática flagrantemente dissociada dos autos, não há razões hábeis a impedir que o magistrado sane o equívoco perpetrado, imprimindo, inclusive, efeitos infringentes se for o caso. Trata-se da consagração dos princípios norteadores de nossa legislação processual, mormente aqueles que se referem à celeridade e economia processual.
Marcos Queiroz
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Alfredo Nasser, pós graduando em Direito Civil e Processo Civil. Assessor de Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.