O futuro da advocacia brasileira    Migalhas
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O futuro da advocacia brasileira – Migalhas

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A advocacia brasileira está em um momento de transformação profunda, impulsionada por uma recente pandemia, avanços tecnológicos, mudanças legislativas e a necessidade de maior eficiência e transparência.

Faço uma pequena reflexão sobre o futuro da advocacia no Brasil, examinando os desafios estruturais, as oportunidades emergentes e as implicações para os Advogados, o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.

A advocacia no Brasil tem uma história rica e complexa, que remonta ao período colonial. As primeiras faculdades de Direito, fundadas no início do século XIX, foram cruciais para a formação de uma elite jurídica que desempenhou papéis importantes na construção do Estado brasileiro.

A CF/88 foi um marco significativo, consolidando direitos fundamentais e fortalecendo o papel do advogado como essencial à administração da justiça.

A legislação brasileira tem passado por diversas reformas que impactaram diretamente a prática da advocacia:

  • CDC (lei 8.078/90): Fixando os direitos do consumidor, a Política Nacional de relações de consumo, a qualidade de produtos e serviços, da Prevenção e da reparação dos danos, a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, a responsabilidade por vício do produto e do serviço.
  • Lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e revogou a lei 7.244/84, que regulamentava os Juizados de Pequenas Causas.
  • CPC de 2015: Visou simplificar e agilizar os processos judiciais, introduzindo mecanismos como a tutela provisória e a mediação.
  • Lei de mediação (lei 13.140/15): Estimulou a resolução extrajudicial de conflitos, promovendo a mediação e a conciliação como alternativas ao litígio.
  • Lei de acesso à informação (lei 12.527/11): Aumentou a transparência e o acesso a informações públicas, impactando a prática jurídica e a accountability governamental.

O Judiciário brasileiro enfrenta uma sobrecarga crônica, com milhões de processos em tramitação. A consequência? A decantada e conhecida morosidade judicial é o resultado do problema que é persistente, que afeta a confiança da população no sistema de justiça. A falta de recursos humanos e tecnológicos adequados agrava a situação, tornando a resolução de litígios lenta e ineficiente, gerando muitas vezes a insegurança jurídica, elevando o denominado “custo Brasil”.

O Brasil possui um dos sistemas jurídicos mais complexos do mundo, com uma vasta quantidade de leis, decretos, portarias e regulamentos. A constante mudança legislativa exige que os advogados estejam em permanente atualização, o que pode ser um desafio, especialmente para escritórios menores e advogados autônomos.

Estamos vivendo um momento desta natureza, a alteração do CC brasileiro (lei 10.406/02), diante do projeto de alteração do CC, que está sendo elaborado por uma comissão de juristas, constituída pelo senador Rodrigo Pacheco, em 4 de setembro de 2023. Uma nova preocupação para a comunidade jurídica.

E mais duas outras: (i) a intervenção do CADE na Tabela de Honorários da OAB e (ii) a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que veiculou o relatório “Regulatory Reform in Brazil”, que na parte de serviços da economia brasileira, afeta a advocacia brasileira.

O número de advogados e sociedades de advogados no Brasil tem crescido exponencialmente, resultando em um mercado altamente competitivo. A saturação do mercado jurídico é visível, gerando problemas, profissionais sem colocação ou mal remunerados, torna a diferenciação um desafio, levando muitos advogados a buscar especializações ou nichos de mercado para se destacarem.

A tecnologia está transformando a prática jurídica de várias maneiras:

  • IA – Inteligência Artificial: Ferramentas de IA estão sendo utilizadas para análise de jurisprudência, elaboração de documentos e até mesmo para prever resultados de litígios.
  • Automação de Processos: Softwares de automação estão simplificando tarefas repetitivas, como a gestão de contratos e a análise de documentos, permitindo que os advogados se concentrem em atividades de maior valor agregado.
  • Blockchain: A tecnologia blockchain tem o potencial de revolucionar áreas como a autenticação de documentos, contratos inteligentes e a cadeia de custódia de provas.
  • Tribunal de Justiça de Minas Gerais compartilhou experiência sobre contratação de startups: “O presidente do TJMG, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, destacou o interesse do Judiciário mineiro em manter um canal aberto com as instituições brasileiras que atuam na área da inovação. “Acreditamos que essas parcerias são muito produtivas para que possamos colher frutos expressivos desse diálogo”.

A emergência de lawtechs e legaltechs está criando novos modelos de negócio no setor jurídico. Essas startups estão desenvolvendo soluções inovadoras para problemas antigos, como a gestão de processos, a análise de dados jurídicos e a comunicação com clientes. As plataformas de resolução de disputas online e marketplaces jurídicos são exemplos.

A crescente demanda por serviços de consultoria e prevenção de litígios está abrindo novas frentes de atuação para os advogados. Empresas estão cada vez mais buscando aconselhamento jurídico preventivo para evitar problemas legais futuros, o que cria oportunidades para advogados especializados em compliance, governança corporativa e gestão de riscos.

O Judiciário brasileiro está em um processo contínuo de modernização e digitalização. As principais iniciativas incluem:

  • PJe – Processo Judicial eletrônico: A expansão do PJe visa tornar os processos mais ágeis e acessíveis, reduzindo a dependência de documentos físicos e facilitando o acesso remoto.
  • IA – Inteligência Artificial: Ferramentas de IA estão sendo desenvolvidas para auxiliar na análise de jurisprudência, elaboração de peças processuais e até mesmo na colaboração na tomada de decisões judiciais. O “Victor”, do STF, que utiliza IA para triagem de recursos é um exemplo.
  • Justiça digital: A pandemia de COVID-19 acelerou a adoção de audiências e julgamentos virtuais, tendência que deve se consolidar no futuro. A justiça digital oferece maior flexibilidade e acessibilidade, mas também apresenta desafios em termos de segurança, privacidade e a necessidade de flexibilização para atendimento pessoal dos advogados, um direito do jurisdicionado.

O Poder Legislativo desempenha um papel crucial na definição do futuro da advocacia, por meio da criação e reforma de leis. As tendências incluem:

  • A tal sonhada, esperada e necessária reforma administrativa.
  • Reformas tributárias e trabalhistas: A contínua atualização do arcabouço jurídico para acompanhar as mudanças sociais e econômicas. Reformas tributárias e trabalhistas são frequentemente discutidas e têm implicações diretas para a prática jurídica.
  • Regulamentação de novas tecnologias: A criação de leis específicas para regular o uso de tecnologias emergentes, como inteligência artificial e blockchain, no âmbito jurídico. A LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados é um exemplo de legislação que impacta diretamente a prática jurídica.
  • Transparência e participação: O aumento da transparência e da participação popular no processo legislativo, impulsionado por plataformas digitais. A participação cidadã na elaboração de leis pode influenciar diretamente a prática da advocacia.

O Poder Executivo, por meio de suas políticas públicas e regulamentações, também influencia diretamente a prática da advocacia. As tendências incluem:

  • Políticas de acesso à justiça: Programas e iniciativas para ampliar o acesso à justiça, especialmente para populações vulneráveis. Exemplos incluem a Defensoria Pública e programas de assistência jurídica gratuita, e neste particular a Advocacia Pro Bono praticada por advogados e sociedades de advogados é sempre bem-vinda.
  • Incentivo à mediação e arbitragem: Promoção destes métodos de resolução de conflitos para auxiliar o Judiciário na prestação jurisdicional. A criação de câmaras de mediação e arbitragem e a capacitação de mediadores são exemplos de iniciativas nesse sentido.
  • Digitalização dos serviços públicos: A digitalização de serviços públicos e a integração de sistemas para facilitar o acesso a informações e documentos. Iniciativas como o Gov.br e o e-Social são exemplos de esforços para modernizar a administração pública. Os advogados do futuro precisarão desenvolver uma combinação de habilidades jurídicas e tecnológicas. As competências essenciais incluem:
  • Conhecimento Jurídico avançado: Aprofundamento em áreas específicas do direito, como compliance, direito digital e proteção de dados.
  • Habilidades tecnológicas: Familiaridade com ferramentas de IA, automação e análise de dados. A capacidade de utilizar essas tecnologias para melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos será crucial.
  • Gestão e liderança: Habilidades de gestão de projetos e liderança serão importantes para advogados que desejam assumir posições de destaque em escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos de empresas.
  • Ética e responsabilidade social: A postura ética e o compromisso com a justiça social serão diferenciais importantes em um mercado cada vez mais competitivo e exigente.

Os advogados precisarão adaptar seus modelos de negócio e estratégias de mercado para se manterem competitivos. As tendências incluem:

  • Especialização e nichos de mercado: A busca por especialização em áreas específicas do direito, como direito digital, proteção de dados e compliance, pode ser uma estratégia eficaz para se destacar no mercado.
  • Parcerias e colaborações: A formação de parcerias entre as espécies de sociedades de advogados, com lawtechs e outras empresas de tecnologia pode oferecer vantagens competitivas, permitindo a oferta de serviços inovadores e eficientes.
  • Marketing digital e presença online: A utilização de estratégias de marketing, inclusive o digital e a construção de uma presença online forte serão essenciais para atrair e reter clientes em um mercado cada vez mais digitalizado.

Concluindo, o futuro da advocacia brasileira será moldado por uma combinação de fatores tecnológicos, legislativos e sociais.

A capacidade de adaptação e inovação será crucial para os advogados que desejam se destacar em um mercado cada vez mais competitivo e dinâmico.

A modernização do Judiciário, as reformas legislativas e as políticas públicas voltadas para a eficiência e transparência serão determinantes para o desenvolvimento de uma advocacia mais acessível, eficiente e justa.

Os advogados do futuro precisarão não apenas de conhecimento jurídico, mas também de habilidades tecnológicas e de gestão, além de uma postura ética e comprometida com a justiça social.

A análise SWOT da advocacia brasileira poderá ser útil:

Forças (Strengths)

  • Tradição e respeito: A advocacia mantém sua posição respeitada, com raízes históricas profundas no Brasil.
  • Formação acadêmica sólida: Presença de faculdades de Direito renomadas e um sistema educacional em evolução.
  • Regulamentação profissional: Atuação da OAB na regulamentação e fiscalização da profissão.
  • Demanda constante: Complexidade do sistema jurídico brasileiro gera demanda contínua por serviços jurídicos.
  • Adaptabilidade: Capacidade de adaptação a mudanças legislativas e tecnológicas, como demonstrado durante a pandemia.
  • Fraquezas (Weaknesses)

  • Saturação do mercado: Crescimento exponencial no número de advogados, levando à alta competitividade.
  • Complexidade legislativa: Sistema jurídico brasileiro extremamente complexo, exigindo constante atualização.
  • Morosidade judicial: Sobrecarga crônica do Judiciário, afetando a eficiência e a confiança no sistema.
  • Desigualdade de oportunidades: Concentração de oportunidades em grandes centros e escritórios estabelecidos.
  • Resistência à mudança: Alguns profissionais ainda resistem à adoção de novas tecnologias e modelos de negócio.
  • Oportunidades (Opportunities)

  • Inovação tecnológica: Adoção de legal techs, IA, blockchain e automação para otimizar processos.
  • Especialização em novas áreas: Surgimento de campos como direito digital, proteção de dados e compliance.
  • Advocacia preventiva: Aumento da demanda por consultoria jurídica preventiva e gestão de riscos.
  • Métodos alternativos de resolução de conflitos: Crescimento da mediação e arbitragem.
  • Parcerias estratégicas: Colaborações entre advogados, sociedades de advogados e startups jurídicas.
  • Ameaças (Threats)

  • Automação de tarefas: Risco de substituição de algumas funções jurídicas por IA e automação.
  • Mudanças legislativas frequentes: Necessidade de atualização constante, podendo gerar insegurança jurídica.
  • Pressão por redução de custos: Desvalorização dos honorários devido à alta competitividade.
  • Desafios éticos: Novas tecnologias e modelos de negócio trazem questões éticas complexas.
  • Regulamentações externas: Interferências como a do CADE na tabela de honorários da OAB e recomendações da OCDE.
  • Considerações adicionais

  • Impacto da pandemia: Aceleração da digitalização e adoção de práticas remotas no Judiciário e na advocacia.
  • Reformas estruturais: Impactos de reformas administrativas, tributárias e trabalhistas na prática jurídica.
  • Habilidades multidisciplinares: Necessidade de desenvolver competências em tecnologia, gestão e liderança.
  • Acesso à justiça: Oportunidades e desafios relacionados à ampliação do acesso à justiça, incluindo a advocacia pro bono.
  • Marketing jurídico: Importância crescente do marketing digital e presença online para advogados e escritórios.
  • A advocacia brasileira está em um ponto de inflexão, e aqueles que souberem aproveitar as oportunidades, inclusive as disfarçadas, e enfrentar os desafios, estarão bem posicionados para liderar essa transformação.

    Stanley Martins Frasão

    Stanley Martins Frasão

    Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados

    Homero Costa Advogados Homero Costa Advogados

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