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Li com muita tristeza, o que me causou imensa perplexidade, um julgamento, do Pleno Virtual do STF, no agravo regimental em Recurso Extraordinário com agravo 1465012/RJ Sempre com todo o respeito: é, sim, uma decisão contra à Constituição, que, aliás, fez 36 anos.
Já disseram que o STF tem “o supremo privilégio de errar por último”. Ora, a Corte Constitucional tem que acertar por último! Tenho, sim, direito fundamental a uma resposta correta no Direito.
Cá pra nós: foi um “milagre” o recurso extraordinário chegar no Pleno do Supremo. A maioria dos recursos são exterminados pela jurisprudência defensiva dos tribunais, que copia e cola e sai “decidindo”. Isso ocorre com milhares de processos.
E a justiça?
Entendendo o imbróglio
O agravante, então oficial da Marinha, cumpriu prisão disciplinar em razão de faltas intercaladas. Vale ressaltar de que as faltas a bordo, não são tipificadas como crime militar, mas como contravenções disciplinares.
Os fatos datam de setembro de 2007. Em 1° de março de 2008 foi instaurado CJ – Conselho de Justificação, que é destinado a julgar a incapacidade do oficial das Forças Armadas para permanecer na ativa.
O processo disciplinar foi concluído, somente, em 03/3/2015, ou seja, fora do lapso temporal de 6 anos, em desconformidade com o art. 18 da lei 5.836/72 (lei dos conselhos de justificação).Vejamos:
Art. 18. Prescrevem em seis anos, computados na data em que foram praticados, os casos previstos nesta lei.”
Ou seja, prescrevem em seis anos os casos previstos nesta lei. O prazo é computado na data em que foram praticados, isto é, da conduta. É o direito da lei que diz isso.
Está tudo bem claro, não é?
Pela simples leitura do art. 18 da lei 5.836/72, nota-se de que não há causas de suspensão ou interrupção dos prazos prescricionais, entendendo serem ininterruptos desde a data em que foram praticados.
Alguma dúvida?
Admitir-se que o prazo prescricional deve ser levado a efeito tão somente para a instauração do CJ seria dizer algo de que a lei não dispõe.
Olha a “maldade jurídica”. Por exemplo: O oficial das Forças Armadas que cometeu uma contravenção disciplinar em 2024. O Conselho de Justificação foi aberto, em 2025, dentro do prazo de 6 anos.
A partir daí, em qualquer momento, a administração castrense, poderá punir o militar, ou seja, em 2031, 2035, 2040…, independente da sua inércia. Não há prescrição!
Misericórdia!
Ora, o servidor militar jamais poderá ficar à mercê da Administração Militar para apuração do cometimento de falta disciplinar, nem para o cumprimento da penalidade imposta.
Vamos ao ponto: O acórdão ofendeu, diretamente, à ordem constitucional, ao aviltar o direito fundamental à prescrição e à segurança jurídica; e, no caso concreto, podendo tornar-dessa maneira, uma simples contravenção disciplinar militar imprescritível, ao arrepio da Carta Magna.
Por sinal, veja o absurdo: um crime militar mais gravoso, por exemplo, a deserção é prescritível e a contravenção militar menos gravosa, fica imprescritível.
Pode isso, excelências! Pois é, não pode, mas aconteceu…
Sigo. O recurso foi concluso ao ministro relator. No mesmo dia, em um “feriadão”, foi feita uma decisão monocrática com o argumento:
“não é possível reexaminar os fatos e as provas dos autos”
“configura apenas ofensa indireta ou reflexa à CF/88”.
É sempre essa ladainha!
Não custa nada lembrar que, o direito de punir tem uma data certa de nascimento e uma data certa para o seu término, em homenagem ao princípio constitucional da segurança jurídica.
Foi interposto agravo interno. O curioso que, na árvore processual, com a juntada da petição apareceu em caixa alta: Entender.
Como assim? Entender o quê? O ministro relator não entendeu? Ou foi o assessor ou “robô magistrado” que não entenderam? Mas, o robô não é “inteligente”?
Não, mesmo! O robô é criatura. Não é criador. Do ponto de vista científico, a meu sentir, é incorreto falar em “inteligência artificial”. É um marketing. É vendido um software feito pelo humano. A inteligência é fruto de milhões de anos de evolução. Máquina não tem inteligência!
Sessão virtual
A sessão virtual foi designada. Tudo rápido. Em nome da “eficiência”. É como se fosse uma linha de montagem.
Tome-lhe votação por sessão virtual. Só os espíritos sabem o que está ocorrendo. E a sustentação oral presencial ou por videoconferência?
Essa sagrada prerrogativa da advocacia, para o STF quase não existe. São autorizadas “sustentações orais gravadas”. É rezar para ser observada.
Pior: no agravo interno não foi nem permitido enviar “sustentação oral” gravada. O sistema de informática do STF dizia que não é cabível neste tipo de recurso.
Esse é o mundo real, duro e cruel para os causídicos!
Mas, o advogado não é indispensável à justiça? Ao menos é o que diz o art. 133 da CF, certo?
Tudo isso, é uma forma, sim, de calar a voz da advocacia!
Porém, meu vizinho Tavinho acha que os ministros vão, atentamente, ver a “sustentação oral” gravada.
Além do que, mesmo quando há a sustentação oral, presencial ou por videoconferência, não há o direito sagrado de falar, após o voto do relator, o que ampliaria o debate, contribuindo para evitar erros de fato e de direito.
Contudo, será que os tribunais querem, efetivamente, o debate ou só fazerem estatística?
Voto equivocado do STF
À vista disso, sempre com todo o respeito, segue a minha crítica doutrinária ao STF. Aliás, a doutrina é para doutrinar. Apontar o certo e o errado. O que vale é o simbólico.
Vejamos fragmento do relatório:
“A parte agravante, além de reiterar os argumentos trazidos no recurso extraordinário, sustenta que “não se trata, portanto, de reexaminar as provas dos autos, como à exaustão falado, mas, sim, de conferir supremacia à Constituição, em nome da coerência e integralidade do ordenamento jurídico; sob pena de -absurdamente- se criar uma imprescritibilidade, no Processo Administrativo Castrense, ao arrepio, da lei maior.”
Ao menos, dessa vez, foi colocado no relatório um argumento do agravante. É os outros argumentos? Aliás, relator é para relatar, não é? Não vale só colocar a sua narrativa parcial. Ocorre, porém, que não foi feito o enfrentamento dos outros argumentos apresentados.
Por que será? O que, sim, gera nulidade! Por outras palavras, é o faz-de-conta: coloca algum argumento no relatório. Contudo, na decisão não analisa. Um professor de lógica vai dizer que não há o devido processo legal.
Pondera, equivocadamente, o ministro relator que:
“O agravo interno não deve ser provido. Nesta Corte, manteve-se a conclusão do Tribunal de Origem quanto à ausência de requisitos para admissão do recurso extraordinário. A petição de agravo não trouxe novos argumentos aptos a desconstituir a decisão agravada, razão pela qual deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos”.
O problema é que o STF não analisou todos os argumentos do agravante! Além do que, a conclusão do tribunal de origem que não admitiu o recurso extraordinário é a padrão. Vale para todos os processos.
Isto é fundamentar?! Não, mesmo! É o triste copiar e colar!
Uma pausa: o curioso é que no recurso especial, o TRF-2, às 23h4, com uma “decisão” de três linhas, o que é um vexame, não admitiu o recurso especial.
Incrível, não é?
Até o STJ, porém, viu que o tribunal de origem tinha errado feio. Foi julgado o mérito, apesar da decisão equivocada, pois o STJ acordou contra texto claro da lei 5836/72.
Continuamos. Alega o ministro relator que petição de agravo não trouxe novos argumentos aptos a desconstituir a decisão agravada. Como assim, ministro? Pois então. Estes argumentos não foram analisados no voto! Segue cada argumento não enfrentado:
“O acórdão ora atacado ofendeu, diretamente à Constituição, ao aviltar o Direito fundamental à prescrição e à segurança jurídica, no caso concreto, tornando-dessa maneira, uma simples contravenção disciplinar militar imprescritível, ao arrepio da lei maior”.
“Vale rememorar que foi- exaustivamente, feito o prequestionamento da prescrição em todas as instâncias. Cabe ressaltar que, como se sabe, a prescrição é matéria de ordem pública podendo ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição; do mesmo modo, deve ser suscitada de ofício quando o julgador verificar sua ocorrência.”
“O raciocínio constitucional é bem simples: Se o “tal prazo se refere à instauração do procedimento administrativo”, consoante acórdão combatido, em qualquer momento a Administração Castrense poderá punir o militar; ficando, no caso concreto, a contravenção disciplinar imprescritível, violando dessa forma, à ordem constitucional”.
“O Agravante sustentou, que a solução da esquizofrenia constitucional do acórdão, passa por uma interpretação conforme à Constituição sem redução de texto, excluindo da norma a interpretação, incompatível com a Constituição, vale dizer, “tal prazo se refere à instauração do procedimento administrativo”.
“E, excluindo de que “o prazo prescricional contido no dispositivo se conta somente até o momento em que é iniciado o procedimento disciplinar, pois, que lhe acarreta a inconstitucionalidade, por gerar imprescritibilidade da Contravenção Disciplinar Castrense, violando, dessa maneira, à ordem constitucional”.
“O absurdo: o crime militar, infração mais gravosa seria prescritível e a contravenção disciplinar imprescritível, em face o acórdão”.
Inacreditável: O voto do relator não levou em conta nada do que foi dito no recurso.
Para que então argumentar e recorrer?!
Por sinal, a votação, como falado, foi no “Plenário Virtual”, que a meu ver, não é plenário. Por quê? Porque não há debate. Muito menos a participação da advocacia. É um faz-de-conta!
Síndrome do acompanho o relator
Ocorreu a síndrome do “acompanho o relator” na votação do agravo interno em recurso extraordinário. É o juiz mudo! Fala, nada! Votar dá trabalho. Tem que fundamentar. É assim, porque o relator disse que é assim.
Por trás de cada processo virtual, existem pessoas de carne e osso. Não são algoritmos! Angustiadas com seus direitos escancaradamente violados!
Mais respeito com o direito das partes e às prerrogativas dos advogados!
Conclusão
Há uma obviedade tão óbvia quanto obviamente ignorada pelo acórdão que, decidiu de forma incompatível com a Constituição, fazendo, assim, uma exegese que, no caso concreto, torna o art. 18 da lei 5638/72, inconstitucional; pois, os fatos se tornariam imprescritíveis após a abertura do Conselho de Justificação.
Ou seja, bastando instaurar o Conselho de Justificação, dentro dos 6 anos, que em qualquer momento poderá punir o oficial das Forças Armadas.
Só me resta dizer: o STF equivocou-se! Uma imensa injustiça!
Renato Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras