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No âmbito do setor de transportes, as gerenciadoras de riscos desempenham um papel fundamental na proteção e mitigação de incidentes, sendo responsáveis por uma série de atividades que visam identificar, avaliar e controlar riscos que possam comprometer a integridade das operações de transporte.
A função de uma gerenciadora de riscos é multifacetada, abrangendo desde a análise detalhada de rotas e condições de transporte, até a implementação de medidas preventivas, como o monitoramento das cargas em tempo real. Com a avaliação dos potenciais riscos associados a cada operação, como roubos, acidentes, desastres naturais e outras ameaças, propõem estratégias eficazes para minimizar a exposição a esses riscos.
Contudo, a possibilidade de aplicabilidade do recente Estatuto da Segurança Privada às gerenciadoras de riscos que monitoram o transporte de cargas em geral, tem sido uma grande preocupação do ramo. Sendo assim, surge a necessidade de distinguir a operação do gerenciamento de riscos no transporte de numerários, que é exercido pelas empresas de segurança privada que atuam com o transporte de numerários, do gerenciamento de riscos de transportes em geral, que é exercido pelas gerenciadoras de riscos, empresas constituídas para esse devido fim.
Estas últimas, devido à natureza específica de suas operações e às peculiaridades distintas envolvidas, implicam a descaracterização da aplicabilidade do Estatuto da Segurança Privada, visto que o escopo do referido Estatuto, concebido para atividades de proteção patrimonial de valores monetários, não se alinha com as demandas e os desafios inerentes ao gerenciamento de riscos no transporte de cargas em geral. O intuito deste artigo é, portanto, evidenciar que a imposição desse marco regulatório sobre tais operações resultaria em uma inadequação jurídica, prejudicando a eficiência e a operacionalidade das gerenciadoras de riscos de cargas em geral.
O Estatuto da Segurança Privada, SCD 6/16, anteriormente PLS 135/10, surgiu em meados de 2010 como uma tentativa de estabelecer um piso para a categoria dos vigilantes. Ao longo do trâmite e devido a enorme repercussão de alguns acontecimentos envolvendo empresas de vigilância, o texto legal sofreu algumas mudanças para se adequar à realidade do Brasil, acompanhando as inovações tecnológicas que têm transformado esse setor, de modo a proteger e tutelar os direitos à segurança, evitar abusos de poder por parte desses profissionais e assegurar uma fiscalização mais rigorosa.
Durante a tramitação do respectivo PL, o texto legal foi se tornando o uma legislação complexa que aborda diversas matérias distintas, como a vigilância patrimonial, e até mesmo, a segurança exercida dentro das instituições financeiras, e, por fim, houve a inclusão da previsão do gerenciamento de riscos na atividade específica do transportes de numerários, valores e bens, exercido pelas empresa de segurança privada que atuam nesse ramo.
A norma trata de temas como atuação das empresas de segurança, regras para formação de profissionais de vigilância, aprovação e fiscalização pela Polícia Federal, capital mínimo das sociedades, segurança realizada no âmbito das instituições financeiras, requisitos para o exercício das profissões ligadas às empresas de segurança privada, uso de armas e outros equipamentos controlados e habilitação específica para tanto.
Nesse contexto, o Art. 5º estabelece os serviços que serão formalmente reconhecidos como atividades de segurança privada:
Art. 5º. Sem prejuízo das atribuições das Forças Armadas, dos órgãos de segurança pública e do sistema prisional, são considerados serviços de segurança privada, para os fins dessa Lei, nos termos de regulamento:
O gerenciamento de riscos em operações de transporte de numerários, bens ou valores, como previsto no Art. 5º, inciso X, do Estatuto da Segurança Privada, envolve um conjunto de medidas e procedimentos que visam minimizar os riscos associados ao transporte desses itens de alto valor. A responsabilidade das empresas de segurança privada que atuam nesse nicho é identificar, analisar e mitigar potenciais ameaças que possam comprometer a segurança das operações, como roubos, furtos ou outras formas de interferência criminosa especialmente nas operações e cargas oriundas de bancos e instituições financeiras, dado o alto risco de sinistralidade e a natureza crítica da carga que transportam.
Outrossim, em análise a totalidade do diploma legal e das justificativas para o enquadramento da atividade no conceito de segurança privada, denota-se que o intuito do legislador se relaciona ao fato de que esse modelo de negócios envolva apenas efetivamente o transporte de numerários, valores e bens. Esses últimos podem ser entendidos como itens de valor, diretamente relacionados à bens concedidos em garantia às instituições financeiras como joias ou outros bens que já dependam de transporte por intermédio de carros-fortes.
Apesar da clara intenção do legislador de proteger e regular a segurança privada, a inclusão ampla do termo “bens” no escopo do Art. 5º, inciso X, levanta preocupações sérias para as gerenciadoras de riscos especializadas no monitoramento de cargas em geral. A redação genérica da disposição pode levar a interpretações que extrapolam o escopo inicial pretendido pela legislação, abrangendo não apenas o transporte de numerários e valores, mas também qualquer tipo de mercadoria.
Essa interpretação expansiva cria uma insegurança jurídica significativa para o mercado. Se “bens” forem compreendidos de maneira abrangente, todas as operações de transporte de cargas, independentemente de seu valor ou natureza, poderiam ser indevidamente incluídas sob a regulamentação do Estatuto. Isso colocaria uma carga regulatória desnecessária sobre as gerenciadoras de riscos, que já operam sob normativas específicas do setor de transporte e seguros. Além disso, tal interpretação pode acarretar em um aumento substancial dos custos operacionais para essas empresas, que teriam que adaptar seus processos para cumprir requisitos que não são adequados ao tipo de risco que gerenciam.
É essencial, portanto, o estabelecimento do conceito de “bens” no contexto do Art. 5º, inciso X. Sem uma definição clara e restritiva, que limite a aplicação da norma aos bens relacionados a operações financeiras, como numerários, bens e valores transportados por instituições financeiras, bancárias ou correlatas, as gerenciadoras de riscos no transporte de cargas em geral poderão ser submetidas a uma regulação excessivamente onerosa, longe do seu escopo, o que pode prejudicar, inclusive, o consumidor final das mercadorias transportadas, encarecendo o custo da operação ou, até mesmo, inviabilizando-a.
Diante dessa situação, a validação dessa interpretação por meio de um ato formal do Poder Executivo é imprescindível, inclusive, é mister salientar que o texto legal confere amplos poderes para a regulamentação do assunto. Tal medida evitaria uma lacuna jurídica que, se não apreciada, poderia resultar em uma série de litígios e interpretações conflitantes, prejudicando tanto as gerenciadoras de riscos quanto o próprio setor de transporte. A regulamentação precisa garantiria que o Estatuto da Segurança Privada atinja seus objetivos sem causar impactos negativos inadvertidos em áreas que já possuem regulações adequadas e específicas.
Portanto, é urgente que o Poder Executivo, em conjunto com os principais players do setor, elabore uma Portaria que estabeleça de forma inequívoca quais tipos de bens estão sujeitos à regulação prevista no Estatuto, relacionados à atividade das empresas de segurança privada. Essa medida não apenas protegerá as operações de transporte de cargas em geral, mas também preservará a viabilidade econômica das gerenciadoras de riscos que atuam nesse mercado, assegurando que a legislação não se torne um obstáculo ao bom funcionamento do setor.
Por fim, a atuação dessas gerenciadoras de riscos é de extrema relevância para o mercado, uma vez que ao implementar estratégias eficazes de mitigação, não apenas reduzem a incidência de sinistros, mas também minimizam os custos relacionados a indenizações e reparações, contribuindo com um ambiente de maior previsibilidade e confiança, beneficiando tanto as transportadoras quanto as seguradoras, que passam a operar sob um manto de segurança e eficiência ampliada. Nesse sentido, é imperativo que a regulação do setor, ao invés de criar obstáculos, promova um ambiente normativo que favoreça a eficiência e segurança das operações, evitando a criação de incertezas jurídicas que possam comprometer a atuação dessas gerenciadoras e, por consequência, a estabilidade do mercado como um todo.
É importante destacar que a normativa encontra-se em fase final de tramitação, aguardando sanção presidencial, a qual está prevista para ocorrer até o dia 10/9/24.
Carolina Rosiak Lemes
Advogada, Especialista em Direito e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, Pós Graduanda em Segurança da Informação pela Uniritter, DPO pela ASSESPRO/RS.
Maria Eugênia Spenner
Advogada, Especialista em Gestão Jurídica pelo Grupo Verbo, Pós graduanda em Direito Empresarial pela PUC/RS, Data Protection Officer pela Assespro.