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Neste breve artigo faremos uma análise das possibilidades de crimes tributários envolvendo blockchain, exploraremos as tipologias de lavagem de dinheiro relacionadas a essa tecnologia emergente e discutiremos medidas preventivas que podem ser adotadas pelas autoridades e pelas instituições financeiras.
A evasão fiscal e a sonegação de impostos representam um dos principais riscos associados ao uso de criptoativos. Indivíduos e empresas podem utilizar criptomoedas para ocultar rendimentos, transferir ativos para jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis ou simplesmente não declarar ganhos de capital provenientes de negociações de criptoativos.
A falta de regulamentação clara em muitos países, aliada à dificuldade em rastrear transações que ocorrem em redes blockchain, facilita a não conformidade fiscal. No Brasil, a Instrução Normativa RFB 1.888/19 estabeleceu a obrigatoriedade de prestação de informações à Receita Federal sobre operações realizadas com criptoativos. Entretanto, a efetividade dessa normativa depende da colaboração das exchanges e da conscientização dos contribuintes.
A utilização de carteiras digitais não custodiadas (selfcustody wallets) e de exchanges descentralizadas dificulta o monitoramento, pois essas plataformas não exigem procedimentos de KYC – Conheça Seu Cliente.
A lavagem de dinheiro através de criptoativos tornou-se uma preocupação crescente para as autoridades. Criminosos podem converter fundos obtidos ilicitamente em criptomoedas, utilizando exchanges que não seguem rigorosos procedimentos de PLD – Prevenção à Lavagem de Dinheiro e CFT – Combate ao Financiamento do Terrorismo, para ocultar a origem ilícita do dinheiro.
A utilização de serviços que ofuscam transações, como mixers ou tumblers, bem como a adoção de criptomoedas com recursos de privacidade aprimorados (como Monero ou Zcash), dificulta a identificação das partes envolvidas e a rastreabilidade das transações. O processo típico de lavagem de dinheiro em criptoativos envolve três etapas: a) Colocação: Introdução dos fundos ilícitos no sistema financeiro, convertendo dinheiro em criptoativos; b) Estratificação: Complexificação das transações para dificultar o rastreamento, incluindo a utilização de múltiplas carteiras, exchanges e criptomoedas diferentes; c) Integração: Reintrodução dos fundos no sistema econômico formal, por meio da conversão dos criptoativos em moeda fiduciária ou aquisição de bens e serviços.
Os criptoativos podem ser empregados para o financiamento de atividades ilegais, incluindo tráfico de drogas, armas, terrorismo e outras formas de crime organizado. Ao evitar o sistema financeiro tradicional, que possui mecanismos estabelecidos de detecção e prevenção de atividades suspeitas, os criminosos podem transferir fundos internacionalmente com menos probabilidade de serem detectados.
As transações em blockchain podem ser realizadas diretamente entre partes, sem a necessidade de intermediários financeiros, complicando ainda mais os esforços de monitoramento.
A criação de esquemas fraudulentos, como ICOs – Ofertas Iniciais de Moedas fraudulentas, esquemas Ponzi ou pirâmides financeiras envolvendo criptoativos, representa outra forma de crime tributário. Os organizadores desses esquemas podem enganar investidores, desviar fundos e evitar o pagamento de impostos sobre os rendimentos obtidos ilegalmente. A falta de regulamentação específica para ICOs em muitas jurisdições permite que esses esquemas prosperem sem supervisão adequada.
O uso de contratos inteligentes (smart contracts) e criptoativos para simular transações comerciais internacionais fraudulentas permite a manipulação de valores declarados em importações e exportações. Empresas podem subfaturar ou superfaturar mercadorias, utilizando criptoativos como meio de pagamento ou como instrumento para transferir valores sem passar pelo sistema bancário tradicional. Isso resulta em evasão de impostos aduaneiros, lavagem de dinheiro e outras formas de fraude fiscal.
A evolução tecnológica proporcionada pelo blockchain e pelos criptoativos tem sido acompanhada por novas modalidades de crimes financeiros. As tipologias tradicionais de lavagem de dinheiro encontram novas formas de aplicação nesse contexto, exigindo uma compreensão aprofundada para o desenvolvimento de medidas preventivas eficazes. A seguir, detalhamos cada tipologia, sua aplicação no universo dos criptoativos e as estratégias de prevenção correspondentes.
Empresas de fachada ou fictícias são entidades legais estabelecidas sem a intenção de realizar atividades comerciais genuínas. Elas existem principalmente para ocultar a origem ilícita de fundos, permitindo que criminosos integrem dinheiro sujo ao sistema financeiro formal. Essas empresas podem apresentar estruturas corporativas complexas, incluindo múltiplos níveis de propriedade e jurisdições offshore, dificultando a identificação dos verdadeiros beneficiários finais (Ultimate Beneficial Owners – UBOs). Aplicação com Blockchain/Criptoativos: No âmbito dos criptoativos, criminosos podem criar startups ou projetos de blockchain fictícios que alegam desenvolver tecnologias inovadoras ou soluções disruptivas.
Esses projetos lançam ICOs – Ofertas Iniciais de Moedas ou IEOs – Ofertas Iniciais de Exchange para captar investimentos em criptoativos. Os fundos levantados podem ser originários de atividades ilícitas, como fraude, tráfico de drogas ou ataques cibernéticos, sendo então legitimados através da suposta operação da empresa. Exemplo Detalhado: Um grupo criminoso estabelece uma empresa que alega desenvolver uma plataforma blockchain para otimizar a logística no setor de transporte marítimo. Eles lançam um ICO, produzindo um whitepaper técnico e um site profissional para atrair investidores. Embora o projeto pareça legítimo, não há desenvolvimento real ou intenção de entregar o produto. Os criminosos arrecadam milhões em criptoativos, que são provenientes tanto de investidores legítimos quanto de fundos ilícitos que desejam lavar dinheiro. Após a captação, a empresa encerra suas atividades abruptamente, um esquema conhecido como “exit scam”.
Prevenção e medidas de mitigação:
Para mitigar os riscos de crimes tributários e de lavagem de dinheiro no universo dos criptoativos, é essencial a adoção de uma abordagem multifacetada que combine esforços de diferentes esferas: regulamentação, cooperação internacional, educação e inovação tecnológica.
1. Regulação estruturada e colaboração internacional:
Os governos e órgãos reguladores devem desenvolver e implementar regulamentações específicas para criptoativos, como a exigência de procedimentos de conheça seu cliente e PLD -Prevenção à Lavagem de Dinheiro. O Brasil, por exemplo, deu um passo importante com a Instrução Normativa RFB 1.888/19, que exige que as exchanges reportem transações com criptoativos à Receita Federal. Entretanto, a eficácia dessa regulamentação só será atingida com a aplicação adequada e a colaboração entre os setores público e privado. Além disso, a colaboração internacional é crucial, pois as transações em blockchain não respeitam fronteiras nacionais. Ações conjuntas entre diferentes nações e organizações, como o GAFI – Grupo de Ação Financeira Internacional, são indispensáveis para rastrear e reprimir crimes tributários e financeiros no âmbito global.
2. Monitoramento e supervisão das exchanges:
As exchanges de criptoativos, especialmente aquelas que operam de forma descentralizada, devem ser incentivadas a adotar medidas rigorosas de verificação de identidade, monitoramento de transações suspeitas e comunicação às autoridades competentes. O fortalecimento da cooperação entre essas plataformas e os reguladores é vital para evitar que criminosos se aproveitem das lacunas na legislação ou na supervisão.
3. Investimento em tecnologias de detecção:
A tecnologia, que permite o anonimato e a descentralização das transações, pode também ser utilizada como uma ferramenta de combate a crimes financeiros. Soluções baseadas em inteligência artificial e blockchain analytics estão sendo desenvolvidas para identificar padrões suspeitos, mapear transações complexas e rastrear atividades ilegais com mais eficácia. A adoção dessas tecnologias por instituições financeiras, exchanges e governos pode fortalecer a capacidade de detecção e prevenção de crimes tributários.
4. Educação e conscientização:
É fundamental promover a conscientização entre os contribuintes e as empresas sobre a importância de seguir as regulamentações fiscais e as possíveis consequências legais do descumprimento. Além disso, educar o público sobre como identificar esquemas fraudulentos, como ICOs fraudulentas e esquemas Ponzi, pode evitar que investidores sejam lesados e que fundos ilícitos sejam legitimados.
5. Transparência e boa governança corporativa:
As empresas que lidam com criptoativos devem adotar políticas de governança corporativa claras, promovendo a transparência e facilitando a auditoria de suas operações. Isso inclui divulgar adequadamente os beneficiários finais e os fluxos financeiros, bem como manter uma postura ética nas suas operações. A adoção de códigos de conduta e melhores práticas pode minimizar o risco de envolvimento em atividades ilícitas.
Conclusão:
À medida que a tecnologia blockchain avança e se integra cada vez mais ao sistema econômico global, as tipologias tradicionais de crimes financeiros também evoluem. Os criptoativos, por sua natureza descentralizada e pseudônima, apresentam desafios inéditos para as autoridades fiscais e reguladoras, que precisam adaptar suas estratégias de combate à evasão fiscal, à lavagem de dinheiro e a outros crimes tributários.
Para enfrentar esses desafios, uma abordagem conjunta é necessária, unindo inovação tecnológica, regulamentação eficiente e educação contínua para garantir que os criptoativos sejam utilizados de forma legítima. A implementação de medidas rigorosas de prevenção, supervisão e colaboração internacional pode mitigar os riscos, protegendo tanto o sistema financeiro quanto os investidores de boa-fé, ao mesmo tempo que previne a utilização dessas tecnologias para fins ilícitos.
Assim, ao adotar medidas proativas, os países podem não apenas se proteger contra as novas formas de crimes tributários, mas também promover a confiança e a segurança no uso de criptoativos, assegurando que a revolução digital no campo financeiro ocorra de forma transparente e dentro dos limites legais.
Gilmara Cristina Nagurnhak
Advogada, CEO na GN Advocacia & Assessoria Empresarial. Especialista em Direito Tributário pela PUCRS.