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Normas são fundamentais para garantir a estabilidade e a paz social. Elas conferem previsibilidade e segurança jurídica, predicados fundamentais para a redução dos custos de transação e indução de incentivos ao desenvolvimento econômico.
Leis são normas. Mas normas também são criadas pelo Judiciário quando o STF edita súmulas vinculantes, profere decisões em ações de controle concentrado de constitucionalidade e julga casos sob a sistemática da repercussão geral.
Sobre o tema envolvendo as novas dinâmicas de organização empresarial a partir de diferentes modelos de negócio (ou novas formas de divisão de trabalho), conhecido mais amplamente pelas modalidades de pejotização e terceirização, o STF tem vários precedentes vinculantes: ADPF 324, ADCs 26, 48 e 66, ADIs 3.961 e 5.625, e Temas 550 e 725 de repercussão geral.
Estes precedentes vinculantes, proferidos pelo STF, decorrem de amplo debate acerca da interpretação e aplicação de preceitos fundamentais previstos na CF/88, como a livre iniciativa, a livre concorrência, a valorização do trabalho e da dignidade humana, e a separação dos poderes. São, portanto, pronunciamentos judiciais de observância obrigatória que, como as leis, definem as normas diretivas da sociedade e geram legítimas expectativas para os agentes privados.
No entanto, parcela da JT – Justiça do Trabalho vem ignorando tais precedentes e anulando contratos civis-empresariais para reconhecer vínculo empregatício em determinados tipos de contratações sob a pretensa alegação de fraude ou à luz do chamado princípio da primazia da realidade. Como remédio para salvaguardar a segurança jurídica dessas relações, inúmeras RCLs – Reclamações Constitucionais vêm sendo direcionadas ao STF para aplicação dos precedentes vinculantes. Mais da metade das RCLs em curso no Supremo decorrem de decisões da Justiça trabalhista.
Neste ano, inclusive, foi ajuizada a ADPF 1.149 que busca a formação de precedente vinculante específico para o setor de franquias acerca da competência da Justiça Comum para analisar a validade do contrato de franquia a partir dos requisitos da lei própria. Esse setor já ajuizou mais de 50 RCLs contra decisões da JT que reconheceram indevidamente o vínculo de emprego com os franqueados, anulando contratos firmados em conformidade com lei própria.
A questão chama atenção porque o modelo de negócio de franquia, diferentemente de algumas contratações autônomas, possui lei própria e específica, cujo artigo inaugural define a natureza empresarial da relação (o dispositivo estabelece expressamente que não há vínculo empregatício entre franqueador e franqueado). Ou seja, o próprio legislador previu a ausência de vínculo empregatício antevendo que essas discussões poderiam acontecer.
Essa resistência da Justiça do Trabalho cria um efeito sistêmico perverso: sem a estabilidade jurisprudencial, “trabalhadores” se sentem no direito de ingressar na JT pleiteando o reconhecimento do vínculo trabalhista independentemente do modelo de negócio pactuado. Desta forma, perde o Judiciário com o incremento de custos; perdem os contratantes com custos adicionais para se defender, o que poderia ser revertido na criação de postos de trabalho; perde o país com a insegurança jurídica que afasta investimentos estrangeiros; e perdem os legítimos empregados hipossuficientes que buscam a proteção da JT, mas não recebem a prestação jurisdicional eficiente e em tempo adequado pela sobrecarga do Judiciário.
Só quem não perde são os autores das reclamações trabalhistas, que, na maioria das vezes, sequer pagam sucumbência na JT. Não há qualquer “desincentivo” para evitar a judicialização automática.
Na franquia, outros elementos afastam qualquer traço de vínculo trabalhista, destacando-se a hipersuficiência dos franqueados – verdadeiros empresários – que investem elevadas taxas no início da operação e recebem expressivos valores no curso da relação empresarial.
Portanto, sendo o contrato de franquia de natureza comercial/empresarial, a competência para analisar suposta ilegalidade ou fraude na contratação é da Justiça Comum. Aliás, este foi o entendimento externado pelo STF em caso relatado pelo ministro André Mendonça, cuja decisão se tornou definitiva em setembro (ARE 1.496.433). Significa dizer que a validade/higidez do contrato de franquia é questão prejudicial à análise de eventual relação de emprego.
A Justiça do Trabalho não é o juízo universal de qualquer relação de trabalho. Essa percepção equivocada burla o desenho constitucional (art. 114 da CF) e o entendimento do STF.
Não por outra razão que, em boa hora, foi ajuizada a aludida ADPF em nome do setor de franquias, para encerrar um cenário de insegurança e instabilidade, criado pela recalcitrância da JT em observar as decisões vinculantes do Supremo.
Por fim, não há que se falar em possível “esvaziamento” da Justiça do Trabalho: estudos empíricos (AED Consulting) juntados na ADPF indicam que os contratos empresariais representam parcela muito pequena do total de processos na JT (apenas 5%) – no caso de contratos de franquia o percentual é ainda menor (0,05%). Embora sejam números irrelevantes para a Justiça trabalhista, geram forte impacto no setor de franquias, já que o valor médio dos custos processuais por cada demanda é R$ 360 mil, montante que poderia ser aplicado em novos postos de trabalho, incentivando mais investimentos no setor e na economia do país.
Marcelo Mazzola
Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Advogado e sócio de Dannemann Siemsen Advogados.