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Com a recente eleição de Donald Trump, vislumbra-se uma potencial intensificação da política de sanções dos Estados Unidos, especialmente em relação a países classificados como adversários estratégicos, como China, Irã, Rússia e Venezuela. Em sua administração anterior, Trump adotou uma postura incisiva nas relações comerciais internacionais, utilizando sanções econômicas como um dos principais instrumentos de coerção política. É plausível que uma nova gestão Trump promova a ampliação das sanções primárias e secundárias, exacerbando os riscos para empresas estrangeiras – incluindo as brasileiras – que operam, direta ou indiretamente, em mercados sancionados.
As sanções econômicas consistem em medidas restritivas aplicadas sobre atividades comerciais e financeiras de países, setores, empresas ou indivíduos específicos. No Brasil, a lei 13.810/19 (lei de sanções internacionais) regulamenta a aplicação e fiscalização de sanções impostas pela ONU, com o objetivo de promover a paz, proteger os direitos humanos e combater o terrorismo. Contudo, as sanções adotadas unilateralmente pelos EUA usualmente extrapolam os limites das sanções internacionais estabelecidas pela ONU. O OFAC – Office of Foreign Assets Control administra essas sanções, que variam desde embargos completos até bloqueios específicos de ativos, afetando de maneira significativa a economia e as operações de empresas multinacionais.
Na prática, os EUA utilizam as sanções para impor sua agenda de política externa, alegando proteção da segurança nacional e pressionando governos considerados hostis. As sanções podem ser de natureza primária, afetando pessoas sujeitas à jurisdição americana, ou de natureza secundária, voltadas a empresas estrangeiras que, mesmo sem envolvimento direto com os EUA, interagem com partes sancionadas.
Impacto Indireto e Extraterritorialidade das Sanções
O alcance extraterritorial das sanções norte-americanas representa uma preocupação crescente para empresas internacionais. Esse efeito permite que autoridades dos EUA apliquem sanções contra empresas de outras nacionalidades que transacionem com entidades sancionadas ou utilizem produtos, tecnologia ou conteúdo de origem norte-americana, ainda que de forma indireta. Assim, uma empresa brasileira que opere em mercados como o iraniano pode estar sujeita a restrições rigorosas, mesmo sem qualquer operação direta nos EUA.
As sanções secundárias, portanto, impõem riscos elevados para empresas que atuam em setores sensíveis ou mantêm relações comerciais com parceiros em países sancionados. Sob uma eventual nova gestão Trump, é esperado que essas sanções se tornem ainda mais rígidas, com foco em setores estratégicos, como petróleo, tecnologia e mineração, ampliando os riscos para empresas brasileiras que operem nesses mercados.
Exemplos concretos ilustram esses riscos: empresas europeias e asiáticas têm enfrentado penalidades substanciais por manterem relações comerciais com países como Venezuela e Coreia do Norte. Instituições financeiras foram multadas por realizarem transações com bancos iranianos, ainda que de forma indireta, em multas que chegaram a US$ 8 bilhões. Esses casos evidenciam os riscos potenciais para empresas brasileiras, demonstrando que a falta de conformidade com as sanções pode resultar em consequências financeiras e reputacionais severas.
Mecanismos de aplicação indireta
O governo norte-americano se vale de uma série de mecanismos para garantir o cumprimento de suas sanções, tais como:
- Restrições a Transações em Dólar: Transações realizadas em dólares necessariamente passam pelo sistema financeiro dos EUA, sujeitando essas operações à jurisdição norte-americana.
- Ameaça de Exclusão do Sistema Financeiro Global: Empresas que violam sanções podem ser excluídas da rede bancária internacional, perdendo acesso ao financiamento e aos mercados globais.
- Monitoramento de Atividades e Componentes de Origem Norte-Americana: O OFAC e o BIS – Bureau of Industry and Security monitoram as operações de empresas estrangeiras, aplicando restrições a negócios que utilizem tecnologia ou componentes de origem americana.
Algumas empresas tentam contornar as sanções utilizando intermediários ou triangulando operações em diferentes jurisdições. Contudo, essas práticas são rigorosamente monitoradas pelo governo dos EUA, e a legislação prevê sanções tanto para tentativas de evasão quanto para violações efetivas. As penalidades incluem multas expressivas e até mesmo a responsabilização criminal de executivos.
Riscos para empresas brasileiras e impacto nas cadeias globais de suprimento
Para as empresas brasileiras, os riscos tangíveis incluem:
- Acesso ao mercado financeiro internacional: Relacionar-se com regimes sancionados pode resultar na exclusão da rede bancária global.
- Riscos de reputação e compliance: Empresas brasileiras podem sofrer impactos financeiros e reputacionais ao serem associadas a práticas que contrariem as sanções impostas.
- Desafios nas cadeias de suprimento: Em setores dependentes de importações, a ruptura de parcerias ou a perda de acesso a bens específicos pode prejudicar o fornecimento e elevar os custos operacionais.
Empresas exportadoras ou com operações em mercados de risco devem instituir um programa de compliance robusto. Algumas medidas recomendadas incluem:
- Programas de compliance: Estabelecimento de políticas internas para due diligence, auditoria e monitoramento contínuo de clientes e fornecedores.
- Controles internos estritos: Implementação de procedimentos específicos para movimentações financeiras e transações comerciais, garantindo que estejam cobertas por alguma exceção (waiver).
- Treinamento e monitoramento constante: Capacitação dos funcionários para identificar potenciais irregularidades e uso de sistemas de alerta.
- Revisão cuidadosa de fusões e parcerias: Ao adquirir empresas ou estabelecer parcerias, é crucial revisar os riscos de compliance, especialmente com operações em jurisdições de alto risco.
Para as empresas brasileiras, compreender o alcance extraterritorial das sanções norte-americanas e desenvolver mecanismos rigorosos de conformidade são ações indispensáveis para mitigar os riscos financeiros e de imagem. Em um contexto de possível intensificação das sanções, a conformidade com as normas internacionais não apenas protege a operação global das empresas, como também fortalece a resiliência e a sustentabilidade de suas atividades no longo prazo.
Welber Barral
Sócio de Barral Parente Pinheiro Advogados, com escritórios em São Paulo, Brasília e Buenos Aires.