Licitação e plano de saúde   Migalhas
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Licitação e plano de saúde – Migalhas

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O plano de saúde para servidores públicos é um contrato da administração e não um contrato administrativo. Ou seja, referido contrato coletivo de plano de saúde tem proximidade maior com um contrato firmado por uma empresa privada para seus empregados do que com um contrato administrativo de recapeamento asfáltico.

É, majoritariamente, um contrato privado tendo algumas peculiaridades por ter um ente público como uma das partes. Quais seriam as peculiaridades do contrato por ter o poder público como parte?

Modalidade licitatória

Sendo um contrato em que uma das partes é o Poder Público deverá, necessariamente, ser precedido de procedimento licitatório nos termos da lei Federal 14.133/21.

Poderíamos imaginar a contratação por credenciamento de todos os planos interessados e escolha pelo servidor público nos termos do art. 79, II. Essa hipótese de inexigibilidade em razão da “singularidade múltipla” já foi objeto de análise em texto específico de nossa autoria1.

Pensamos que o credenciamento teria melhor utilização noutras modalidades licitatórias, conforme já expusemos.

Em nosso modesto sentir, porém, o credenciamento indiretamente acabaria, na prática, por “forçar o preço para cima”. Ousamos afirmar isso porque inobstante se trate de um setor oligopolizado é sabido nos setores licitatórios que os valores num pregão com critério menor preço acaba  sendo “comprimido” em relação ao preço usual de mercado.

Além disso, o preço “de atacado” de aquisição de plano de saúde só se verifica na modalidade pregão. Na modalidade credenciamento o preço é fixo e previamente estipulado pela administração. Não tem o menor sentido licitatório fixar uniformemente valores baixos e reduzir o número de interessados. Seria um contrassenso à essência do credenciamento.

Não podemos esquecer, ainda, que o credenciamento, nessa hipótese, autorizaria o reequilíbrio econômico, conforme já destacamos2.

O credenciamento só seria viável economicamente se o preço do plano fosse irrelevante para os servidores ou se o universo de servidores fosse tão grande que os clientes em potencial se mantenham em número elevado para todas as operadoras. A perspectiva de “poucas vidas” acaba “espantando” operadoras se o valor não for o usual do mercado para planos individuais.

Recomendamos, em regra, o uso da modalidade pregão por menor preço. Requisitos de estrutura mínima de atendimento devem ser muito bem detalhados como critério de qualificação a ser demonstrada ou implementada pela operadora vencedora.

Regras aplicáveis também a Administração Pública

O primeiro ponto a ser observado é a inaplicabilidade do art. 13 da lei 9.656/98 aos planos de saúde firmados pela Administração Pública pois se trata de um plano coletivo e a jurisprudência é pacífica no sentido de que a renovação automática é aplicável apenas aos planos individuais que necessitam de maior proteção.

Os planos coletivos admitem rescisão (TJSP: apelação 1004160-80.2019.8.26.0650 e apelação 1037550-97.2019.8.26.0114) sendo que a ponderação deste direito da operadora deve observar alguns parâmetros.

Se o contrato tiver prazo certo (cinco ou dez anos, arts. 106 e 107 da lei 14.133/21) sequer será necessária a prévia notificação. No caso de renovações anuais do contrato a notificação deve observar prazo mínimo que costuma ser fixado em 60 dias conforme art. 1° da resolução do consu 19/99.

Outra ponderação que deve ser observada pela operadora é que deva oferecer planos individuais ainda que não tenham os mesmos valores (apelação 1037550-97.2019.8.26.0114- TJSP).

Outra ponderação a ser observada pela operadora do plano de saúde é a observância do tema 1082 do C. STJ. Assim:

“A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.”

Sinistralidade

A alteração da sinistralidade por sua simples alegação não é parâmetro para reequilíbrio econômico-financeiro do contrato pois é um índice interno da operadora que não é fixado por nenhum órgão oficial, apesar de ter limitações de sua utilização pela ANS. A alteração com base na sinistralidade equivale a cláusula potestativa sujeitando o negócio jurídico ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Assim, veda o CC:

“Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”

O “puro arbítrio” neste caso somente pode ser afastado se houver perícia de sinistralidade.

Assim, já decidiu a Egrégia Corte Bandeirante:

“Ementa: PLANO DE SAÚDE – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REAJUSTES CONTRATUAIS CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO – Pleito exordial que sustenta a abusividade dos reajustes em decorrência do aumento da sinistralidade, praticados em plano coletivo por adesão (ref. aos anos de 2012 a 2022) – Decreto de procedência – Inconformismo da operadora ré – Verificada ocorrência de cerceamento de defesa – Imprescindível a realização de prova pericial para comprovação do aumento da sinistralidade a justificar os reajustes aplicados, questionados pelos autores – Balanços trazidos pela operadora, insuficientes para comprovação da sinistralidade – Precedentes desta Câmara – Sentença anulada “ex officio” – Recurso provido para esta finalidade” ( apelação 1002759-47.2023.8.26.0281, Relator: Salles Rossi, Comarca de Itatiba, 8ª Câmara de Direito Privado, julgamento e publicação: 28/22/2.024 – grifos nossos).

Índice aplicável

O melhor índice de correção a ser utilizado num contrato é o índice que, efetivamente, melhor reflita os custos do serviço prestado.

Para os servidores usuários, em tese, o melhor índice aplicável seria o IPCA que reflete, de maneira aproximada e provável, os reajustes salariais.

Para a operadora, porém, talvez o melhor índice fosse o IGPM que reflete, indiretamente, variações do câmbio e custos de produtos importados.

Como se trata de um contrato de plano coletivo de plano de saúde em que as partes tem idêntica liberdade de pactuação qualquer índice pode ser livremente escolhido.

Opinamos pelo uso do índice da ANS que utiliza as despesas assistenciais e o IPCA na sua composição.

Acreditamos que, hoje, é o índice mais adequado como “meio termo” entre os índices disponíveis e que serve de parâmetro para os planos individuais.

Conclusão

Em síntese, o plano de saúde coletivo firmado pela Administração Pública guarda algumas peculiaridades tais como a exigência de procedimento licitatório sendo, porém, um contrato da Administração e não um contrato administrativo e, portanto, mantendo várias características dos contratos do direito privado.

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1 https://www.migalhas.com.br/depeso/350312/lei-de-licitacoes-e-o-credenciamento-como-singularidade-multipla

2 https://www.migalhas.com.br/depeso/406620/reequilibrio-contratual-no-credenciamento

Laércio José Loureiro dos Santos

Laércio José Loureiro dos Santos

Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, “Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias”, 3ª Ed. Dialética, 2.024, versão em português e inglês.

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