Alienação fiduciária por contrato particular sem escritura pública   Migalhas
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Alienação fiduciária por contrato particular sem escritura pública – Migalhas

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A alienação fiduciária é uma garantia contratual em que o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário) a propriedade resolúvel de um bem imóvel, mantendo a posse direta. Após a quitação do débito, a propriedade plena retorna ao devedor, caracterizando-se como um mecanismo de segurança para as partes envolvidas.

Esse instituto está regulado pela lei 9.514/97, que disciplina o SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário e prevê expressamente, em seu art. 38, a possibilidade de formalização da alienação fiduciária por meio de escritura pública ou contrato particular com efeito de escritura pública. A legislação busca simplificar os trâmites relacionados à contratação e registro dessa modalidade de garantia, contribuindo para maior eficiência nas operações imobiliárias.

Apesar da previsão legal cristalina, o CNJ, por meio de provimento editado em junho de 2024, limitou a utilização de contratos particulares com efeito de escritura pública para as alienações fiduciárias cujos fiduciários são apenas instituições financeiras ou entidades autorizadas a operar no SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário e no SFH – Sistema Financeiro da Habitação, assim como a cooperativas de crédito, companhias securitizadoras, agentes fiduciários sujeitos à regulamentação da CVM – Comissão de Valores Mobiliários ou do BACEN – Banco Central.

A restrição imposta pelo CNJ foi objeto de amplo debate, uma vez que estabelecia ônus desnecessário às incorporadoras imobiliárias e outras empresas do setor privado. A exigência de escritura pública para empresas que não pertencem ao sistema financeiro tradicional gerava custos adicionais e burocracias que contrastavam com o intuito da lei 9.514/97.

No entanto, em decisão proferida em 13/12/24, na ocasião do julgamento do mandado de segurança 39.930 no STF, o ministro Gilmar Mendes permitiu a contratação de alienação fiduciária de bem imóvel por meio de contrato particular, destarte, sem a obrigatoriedade da tradicional escritura pública. Trata-se de um marco importante para o mercado imobiliário e para o direito contratual no Brasil, trazendo segurança jurídica para os negócios e impactos significativos para a desburocratização e para a acessibilidade dos negócios jurídicos imobiliários.

No caso concreto analisado pelo STF, uma incorporadora imobiliária questionou a restrição imposta pelo CNJ, sob o argumento de que a lei 9.514/97 não estabelece distinção entre os agentes que podem utilizar o contrato particular como instrumento hábil para alienação fiduciária.

Ao julgar o caso, o ministro Gilmar Mendes acordou com os argumentos apresentados pela incorporadora, destacando que: (i) a legislação tem como objetivo principal a simplificação dos procedimentos contratuais e a redução de custos para os contratantes; e (ii) a alienação fiduciária, sendo uma ferramenta de fomento econômico, não deve ser limitada a determinados setores, sob pena de restringir o alcance e a finalidade normativos.

A decisão reafirma que a redação da lei 9.514/97 permite expressamente a formalização da alienação fiduciária por meio de contrato particular com efeito de escritura pública, não sendo legítimo impor restrições que não estão previstas no instituto legal.

Logo, tal posicionamento possui implicações amplas para o mercado imobiliário e o ambiente de negócios no Brasil, como:

  • dispensa da obrigatoriedade da escritura pública permite que as partes economizem com os custos de cartórios, como emolumentos, bem como reduz o tempo necessário para a formalização de contratos. Isso torna a alienação fiduciária uma opção mais acessível, especialmente para pequenas e médias empresas;
  • ampliar a base de agentes econômicos que podem utilizar o contrato particular com efeito de escritura pública, facilita o financiamento de empreendimentos e promove a movimentação do setor imobiliário;
  • decisão do STF consolida a interpretação de que a alienação fiduciária pode ser formalizada por contrato particular sem restrições indevidas, proporcionando maior segurança jurídica para os operadores do direito e agentes do mercado; e, por fim:
  • simplificação procedimental contribui para democratizar o acesso ao crédito imobiliário, uma vez que facilita a utilização de garantias reais em transações.

A decisão do STF destaca a importância de interpretar as normas legais consoante seus objetivos e seu impacto no ambiente econômico e social. A alienação fiduciária, como mecanismo de garantia, foi criada para oferecer celeridade e segurança às transações imobiliárias, e a ora decisão reforça essa premissa, desestimulando o formalismo excessivo.

Contudo, é necessário acompanhar a implementação prática da decisão para assegurar que os CRI – Cartórios de Registro de Imóveis sigam as diretrizes estabelecidas pelo STF, evitando resistências que possam comprometer os benefícios da medida.

A possibilidade de formalizar a alienação fiduciária por meio de contrato particular, sem a exigência da escritura pública, representa um avanço significativo para o mercado jurídico e econômico brasileiro. A flexibilização reduz custos, amplia o acesso ao crédito e fomenta o desenvolvimento do mercado imobiliário.

Dessa forma, a decisão do STF é um marco no sentido de reafirmar o compromisso do Poder Judiciário com a desburocratização, o respeito à legislação e a promoção de um ambiente de negócios mais eficiente e competitivo, sendo de suma importância, para a exata adequação e apoio preventivo, administrativo e judicial, uma assessoria jurídica especializada em relações contratuais.

Isabela Mendes Marqueis

Isabela Mendes Marqueis

Advogada de Kestener e Vieira Advogados, com atuação nas áreas de Direito Empresarial e Direito Contratual. https://www.linkedin.com/in/isabelamendesadv

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