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O PL complementar 108/24, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, regulamenta a EC 132/23 e é parte da reforma tributária, além de gerar discussões significativas, especialmente em relação às novas regras relacionadas à incidência do Imposto sobre ITCMD – Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos, já que as alterações propostas, trazidas no art. 160, § 5º, I, podem impactar diretamente a distribuição desproporcional de dividendos/lucros lastreados em liberalidade, a saber:
“Art. 160. O ITCMD incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos:
(.)
§5º. Consideram-se, ainda, como doações, para fins da incidência do ITCMD, em transmissões entre pessoas vinculadas:
I – os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados” (Grifos nossos)
É certo que a legislação não proíbe a distribuição desproporcional de dividendos/lucros, desde que atendidos certos e determinados requisitos (art. 1.007 do CC e § 2º do art. 294 da lei 6.404/76). Ademais, nem toda distribuição desproporcional de dividendos fará incidir o ITCMD, mas apenas aquelas feitas de forma graciosa e desprovida de justificativa negocial, ou seja, quando a verdadeira intenção das partes é a doação. Mas como será possível saber se a intenção é de doação ou de distribuição desproporcional justificada? A ata de aprovação de distribuição desproporcional terá que ter um motivo? E mesmo assim ter um risco se o fisco vai entender que o motivo/comprovação é plausível?
De fato, a ideia do art. 160, § 5º, I, do PLP 108/24 é garantir que toda distribuição desigual seja considerada doação, quando revestir-se de (i) liberalidade ou quando ausente (ii) justificativa negocial passível de comprovação, sendo que os termos destacados têm causado alvoroço no mundo jurídico, sobretudo por não se saber ao certo qual será a interpretação dada pelo Fisco a eles. Exemplificando, será tributada a totalidade da distribuição ou apenas a parcela que exceder a participação societária?
Outro ponto que vale ressaltar é que, nos termos do art. 538, do CC, “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. A distribuição desproporcional, por sua vez, é prevista legalmente, aprovada pelos acionistas/sócios e aceita como tal e não como doação.
Ainda, considerando o disposto no art. 110, do CTN, a legislação tributária não pode modificar definição, conceitos e formas de Direito Privado e a doação é um instituto do Direito Privado.
Desta forma, tributar a distribuição desproporcional como se fosse uma doação é ilegal, pois viola o art. 110, do CTN. E é também inconstitucional, uma vez que o termo doação, constante do inciso I, do art. 155, da CF/88, deve ser necessariamente interpretado de acordo com o já citado art. 538, do CC.
Samuel Souza Rodrigues
Advogado do escritório do Braga & Garbelotti – Consultores Jurídicos e Advogados