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A decisão proferida pela Justiça Federal do Distrito Federal, determinando a investigação de um soldado israelense por supostos crimes de guerra na Faixa de Gaza, é juridicamente temerária e revela indícios de motivações alheias à estrita legalidade. Trata-se de um movimento que parece buscar mais a satisfação de agendas políticas do que a observância dos preceitos do direito. Essa postura suscita dúvidas profundas quanto à jurisdição brasileira e à sua pretensa competência para julgar atos de estrangeiros em territórios além de suas fronteiras, especialmente em contextos de conflitos armados internacionais.
Cumpre observar que o ordenamento jurídico brasileiro não contempla, de forma clara e específica, a tipificação de crimes contra a humanidade ou de guerra. Embora o Brasil seja signatário de tratados internacionais, como o Estatuto de Roma, tais instrumentos não foram plenamente incorporados à legislação interna. Nesse cenário, a Justiça brasileira não pode, sob pena de flagrante violação ao princípio da legalidade, aplicar definições penais oriundas exclusivamente de tratados internacionais. A jurisprudência nacional tem reiterado que a persecução penal exige previsão legal expressa, sem a qual qualquer iniciativa nesse sentido se torna manifestamente nula.
Ademais, o militar em questão não foi condenado por tribunais internacionais competentes por quaisquer violações ao direito humanitário. A inexistência de tal condenação é um elemento de peso, pois impede que jurisdições nacionais se transformem em ferramentas de instrumentalização política ou de ingerência em conflitos externos. O fato de o soldado integrar as Forças Armadas de Israel e atuar em um teatro de guerra, por si só, não autoriza a instauração de investigações no Brasil.
Não menos preocupante é o risco de que tal medida inaugure um precedente perigoso. A pretensão de estender a jurisdição brasileira a atos de estrangeiros em outros territórios desvirtua os objetivos dos tratados internacionais e coloca o Brasil em uma posição vulnerável a críticas e retaliações no âmbito diplomático. Essa conduta compromete a neutralidade que deveria nortear o sistema judicial e afronta os princípios da soberania nacional e da não intervenção em assuntos internos de outras nações.
Ainda, é essencial destacar que a instauração de inquéritos exige elementos concretos que justifiquem a plausibilidade das ações investigadas. Neste caso, não se identificam indícios ou provas que embasem a investigação, o que reforça a percepção de que a decisão atende a interesses outros que não os do direito. Tal situação fragiliza o conceito de justiça e compromete a imparcialidade das instituições.
Por fim, não se pode ignorar o impacto negativo dessa aventura jurídica sobre a diplomacia brasileira, já abalada por crises recentes. Ao adotar uma postura que extrapola os limites da competência nacional, o Brasil se expõe ao constrangimento internacional, prejudicando relações bilaterais e ampliando o desgaste de sua política externa.
Em conclusão, a determinação de investigar um soldado estrangeiro por supostos crimes de guerra cometidos fora do Brasil configura uma decisão arbitrária, desprovida de fundamentação jurídica consistente e que coloca em xeque a própria legitimidade do sistema judicial brasileiro. A jurisdição nacional não deve ser instrumentalizada para finalidades alheias ao direito, sob pena de comprometer a soberania, a segurança jurídica e a credibilidade do país no cenário internacional.
Flavio Henrique Elwing Goldberg
Advogado e mestre em Direito.