Quando uma beca descansa   Migalhas
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Quando uma beca descansa – Migalhas

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Viagens são descobertas. São vislumbres que ganhamos pelo caminho, no olhar perdido que temos da estrada, do mar, do horizonte, das estrelas. Viagens nos fazem pensar e não apenas nos dão coisas. Nos transformam. Talvez por isso tantos clássicos, tantos romances, tantos mitos tratem das viagens de heróis; essas pessoas comuns que se aventuraram um dia.

Hoje pela manhã na viagem de volta para casa, na companhia de nosso mestre e guia Alberto Silva Franco e de meu irmão de tantas andanças, Rafael Lira, peguei-me olhando para a estrada com o olhar vazio e triste. Voltávamos da última despedida ao nosso querido amigo Paulo Sérgio de Oliveira.

Paulo Sérgio de Oliveira foi um grande ser-humano. Uma pessoa de genuíno brilho, estampado em seu sorriso frequente e entusiasmado. Encarou a vida como poucas pessoas, sabendo se reinventar em cada momento, em cada passo, em cada desafio. A ninguém deixou faltar uma palavra de encorajamento, uma graça de gentileza, um toque de bom-humor.

Foi um advogado dos maiores. Tribuno do Júri, falou em prol da dignidade humana, do direito de defesa, das garantias fundamentais da pessoa. Sempre se aprofundou nas ciências criminais e sempre fez questão de compartilhar seu conhecimento, em cortês diálogo, próprio dos grandes. 

Conhecemo-nos nas fileiras do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Eu ainda muito moço, impressionado e acanhado diante de tantas figuras enormes que eu já de muito admirava. Foi ele dos primeiros a pegar em nossas mãos. Após as reuniões semanais do Boletim, me convidou para ficar e assistir a uma reunião da diretoria do IBCCRIM. Para nós era algo de inimaginável estar sentado entre aquelas pessoas cuja luta precedia o ano de meu nascimento. Paulo sempre nos incentivou.

A vereda da vida nos aproximou, depois nos afastou, depois nos aproximou de novo. Sempre fisicamente. Nunca em afeto e admiração. Para além do júri e das ciências criminais, nos aproximava o amor pelas pedaladas e pelo Corinthians. Uma das reinvenções do Paulo foi sobre duas rodas, uma paixão que nutriu como marca de sua vida.

Preparado para sua última viagem, Paulo vestia sua beca. A beca surrada daqueles que dedicaram sua vida às causas de tantas pessoas e às causas de toda a humanidade: um mundo mais livre, fraterno, solidário, igualitário e feliz. A beca que, ali vestida, ultrapassava em muito a mera tradição das indumentárias: portava-se como um símbolo. O símbolo de uma luta que nasceu antes de nós e que continuará ali depois que nos formos.

Pois, quando uma beca descansa, ela repousa nas outras o peso de levarmos em frente a missão que ela simboliza. A missão que acaba em impressa em nossas almas, nossas memórias, na nossa história.

Meu olhar vazio e triste foi dissipado quando me dei conta de que a viagem do Paulo pela vida havia transformado todos que andavam ao seu lado. Havia nos deixado melhores, mais seguros, mais felizes. E se é natural que a saudade e a falta nos fartem nesse momento, também deve ser natural a certeza de que devemos ser gratos por termos o encontrado nessas veredas e de termos podido caminhar com ele.

Vá em paz, meu querido amigo.

Bruno Salles Ribeiro

Bruno Salles Ribeiro

Sócio do escritório Salles Ribeiro Advogados.

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