1ª seção do STJ não reconhece dúvida objetiva entre recursos    Migalhas
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1ª seção do STJ não reconhece dúvida objetiva entre recursos – Migalhas

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A 1ª seção do STJ, por maioria, no julgamento do AgInt no REsp 2.056.198-PR, sob relatoria do min. Gurgel de Faria, entendeu por inadmissível a interposição de recurso especial contra decisão que, embora fixe tese em incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, tenha origem em mandado de segurança denegado pelo Tribunal de origem. O acórdão foi veiculado em novembro de 2024, no Informativo de jurisprudência 832.

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de se aplicar o princípio da fungibilidade para conhecer de recurso especial interposto pela parte impetrante, com fundamento no art. 987, caput, do CPC, em face de acórdão proferido pelo TJ/PR em IRDR, no qual, após fixada a tese jurídica, denegou-se o subjacente mandado de segurança impetrado pelo Estado do Paraná, que afirmou que o acórdão recorrido não apenas denegou a segurança como também decidiu o incidente, pelo que seria cabível o recurso especial. Alternativamente, o agravante requereu fosse o apelo extremo convertido em ordinário.

Quando da prolação do acórdão, o relator manteve a decisão monocrática proferida anteriormente e negou provimento ao agravo interno ao fundamento de que o princípio da fungibilidade recursal não encontra guarida na situação sob exame. Consignou que a CF/88, hierarquicamente superior à legislação processual civil, prevê expressamente o recurso ordinário constitucional como a via adequada (art. 105, inciso II, b), concluindo por inviável, quando menos, a conversão do apelo extremo manejado em ordinário e conferir-lhe processamento.

Acompanharam o relator os ministros Afrânio Vilela e Francisco Falcão. Este asseverou que a hipótese dos autos é de tal modo peculiar a ponto de inviabilizar o acesso pela via especial já que, em se tratando de recurso originado de ação mandamental impetrada diretamente no Tribunal de origem, reconhecer a recorribilidade do acórdão vergastado pela via do recurso especial, por si só, caracterizaria erro grosseiro à medida que a CF/88, eliminando as chances de conhecimento do apelo com base no aludido art. 987, caput.

Por outro lado, o ministro Paulo Sérgio Domingues, em voto-vista, posicionou-se em sentido diverso, encontrando respaldo dos ministros Sérgio Kukina e Teodoro Silva Santos, que deram provimento ao agravo interno, com fundamento no princípio da fungibilidade entre os recursos. Ao inaugurar a divergência, muito embora reconheça que a jurisprudência sempre classificou erros que tais como inescusáveis, o ministro reputou a vexata quaestio como uma novidade no âmbito da Corte Cidadã, por duas razões. A uma, em razão do texto de o referido art. 987 definir o recurso cabível do julgamento do mérito do incidente; a duas, em razão do contexto em que essa previsão surge, dentro de um contexto de instauração de um sistema sólido, em maior ou menor grau, de precedentes instituído pela lei processual.

Calcado nessas premissas, a ratio decidendi teve por mote a preservação da uniformidade do tratamento dispensado a matérias controversas nacionalmente. Ademais, rememorou que o acórdão prolatado no IRDR detém, como regra, efeito suspensivo notadamente para que alcance repercussão jurídica, o que não seria alcançado mediante a interposição do recurso ordinário, que não vem munido de efeito suspensivo, diferentemente do recurso especial manejado em IRDR, conforme dispõe o §1º do art. 987.

Partindo de uma análise consequencialista do não aproveitamento do meio processual eleito pelo Estado do Paraná, se estaria diante de uma situação que teria o condão de gerar, em certa medida, um distúrbio na própria natureza do IRDR. Significa dizer que o acórdão que decidiu o incidente produziria efeitos de imediato, e, a superveniência de uma decisão modificativa do acórdão recorrido, em instância superior, ensejaria a substituição de uma decisão colegiada, de instância ordinária e com efeito vinculante, por um acórdão da instância superior sem efeito vinculativo.

E isso não é tudo. O caso dos autos se reveste ainda de maior complexidade se atentarmos para o fato de que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança, em segundo grau, recorrível (também) através do recurso ordinário. Essa especificidade, do ponto de vista do voto divergente, faria cair por terra o argumento de que a fungibilidade, nessas circunstâncias, colidiria com a previsão do art. 987. Ainda que se aventasse essa possibilidade, a disposição legal prevê apenas o recurso extraordinário e o recurso especial contra o julgamento do mérito do IRDR, aplicáveis às ações em geral, mas não ao mandado de segurança, restando apenas o manejo do recurso ordinário.

Dessa forma, diante de duas opções plausíveis à disposição do agravado, identificou o min. Paulo Sérgio Domingues uma hipótese de dúvida objetiva positiva. Ainda que não reputasse correta a interposição do recurso especial no caso dos autos, diante das circunstâncias que orbitam a irresignação do agravado, concluiu por receber o apelo como ordinário. Contudo, apesar do esforço argumentativo, ao final, a presidente, min(a). Regina Helena Costa, filiou-se ao entendimento do relator, restando vencidos os votos dissidentes.

Respeitável o posicionamento prevalente, reconhece-se também que os votos mais aderentes à flexibilização da via recursal adequada também obedecem a uma lógica valorativa, de estatura constitucional, que prima pela operacionalização da marcha processual a partir da instrumentalização das formas.

Muito embora o procedimento se caracterize, ao fim e ao cabo, como uma garantia individual, não deve ser concebido como um fim em si mesmo, senão uma forma de se chegar à concreção de um bem da vida (o direito material).

Ainda que a interpretação sistêmica do ordenamento demande a máxima aplicação e efetivação das normas constitucionais, como é a do art. 105, inciso II, alínea b, também é sabido que o equilíbrio entre forma e efetividade da tutela jurisdicional encontra amparo em princípios e normas fundamentais do processo consagrados pela constitucionalização da legislação processual civil, a exemplo da instrumentalidade efetiva e celeridade processual.

Arestos importantes já reforçaram a simplificação da interpretação alusiva à aplicação das disposições do CPC, viabilizar, tanto quanto possível, a decisão sobre o mérito das causas e reduzir, paulatinamente, a quantidade de demandas extintas sem resolução do mérito, bem como o não conhecimento de recursos por questões puramente formais e extremadas. Nesse sentido, destaca-se o recurso especial 975.807/RJ, sob relatoria da min(a). Nancy Andrighi, que bem esclarece ser fundamental que os advogados tenham condição de especializar-se não apenas no processo, mas nos diversos campos do direito material a que o processo serve, ao passo que é o direito material que os advogados têm de conhecer, em primeiro lugar, para viabilizar a melhor orientação de seus clientes, evitando ações desnecessárias e mesmo para, nos casos em que o processo for inevitável, promover a melhor defesa de mérito para os jurisdicionados.

A partir desse entendimento, exarado ainda em 2008, chancelou-se a possibilidade de, nas questões controvertidas, adotar-se, sempre que possível, a opção que aumente a viabilidade do processo e as chances de julgamento da causa, indispensável que seja o quanto antes alcançada, em homenagem à garantia de pleno acesso à Justiça prometida pela CF (art. 5º, inciso XXXV). Soma-se a tal garantia tantos outros princípios, igualmente constitucionais, que velam pela efetividade da prestação jurisdicional, combinada à duração razoável do processo e à celeridade procedimental com o fito de modernizar e desburocratizar o acesso a um pronunciamento judicial de qualidade. Essa discussão repercute, de igual modo, nos princípios informativos da Administração Pública (art. 37, caput), a exemplo da eficiência.

A legalidade também é privilegiada nesse sentido, mormente no que se refere à observância dos prazos, inclusive pelos órgãos judiciais, ainda que sejam classificados como impróprios, sem prejuízo de se prestigiar os princípios que orientam o Direito enquanto ciência, como são a proporcionalidade e a razoabilidade.

Essas noções sustentam, implicitamente, a fungibilidade dos meios em razão da existência de uma dúvida objetiva positiva acerca do recurso cabível. Não por outra razão, em seus votos, os ministros Paulo Sérgio Domingues e Sérgio Kukina reforçaram que conhecer do especial como se ordinário fosse, porquanto presentes os requisitos da dúvida objetiva (decorrente do próprio texto legal) e da ausência de erro grosseiro ou má fé, seria prestigiar a instrumentalidade das formas mediante aplicação do princípio da fungibilidade, muito embora soubessem que terminariam por vencidos.

Nesse cenário, o entendimento esposado pelos ministros nos parece mais consentâneo ao desiderato da legislação vigente, isso porque a dúvida objetiva positiva se perfaz quando o ordenamento oferece respostas à dúvida do operador, conforme antecipado adrede. Todavia, repise-se, é preciso que a dúvida se apresente aos aplicadores do direito de modo geral, dado ao seu caráter objetivo. Reveste-se assim de caráter dispositivo, já que se mostra comum a mais de um operador que se encontre na mesma situação. Significa dizer que, por mais que analisemos detidamente o caso concreto, não seria possível apontar com certeza o meio adequado.

Nesse passo, a fungibilidade já era presente desde o CPC de 1939 (decreto-lei 1.608, de 18/9/39), em que o art. 810 dispunha que, na ausência de erro grosseiro e má-fé, o recorrente poderia se valer da flexibilização da norma. O Código de 1973, de seu turno, não previa expressamente a fungibilidade dos recursos, o que nunca se converteu em empecilho para que se lançasse mão da instrumentalidade das formas, sobretudo no sistema recursal.

A jurisprudência, à época, admitia a fungibilidade quando ocorressem, entre outros requisitos, a dúvida objetiva (positiva ou negativa). Esse regime, construído na experiência do Código anterior, mantém-se válido e aplicável, mesmo sem previsão expressa, até porque o STJ já reconheceu, em uniformização de jurisprudência, a incidência do princípio da fungibilidade recursal face à dúvida objetiva, fundada em divergência doutrinária ou jurisprudencial acerca do recurso cabível (ilustrativamente, destacamos o recente AgInt no AREsp 1.709.041/RS, sob relatoria da min(a). Maria Isabel Gallotti, julgado em 2021).

A partir de então, as dúvidas objetivas positivas no âmbito recursal, análogas ao do agravo interno em apreço, não são novas. Passou-se, então, a ventilar a questão na Corte Superior, inicialmente. A primeira temática representativa dessa controvérsia deu-se a partir do questionamento sobre o cabimento da apelação ou do agravo de instrumento diante da dificuldade do operador em definir a natureza do provimento, se terminativo ou não, inclusive anteriormente à cristalização do Tema 998 do STJ.

Já nos procedimentos especiais, a dúvida objetiva positiva também remanesce, a exemplo do que se passa na Ação de Exigir Contas (art. 550 e seguintes, do CPC). Ainda que o §5º, do art. 550 faça o uso do vocábulo “decisão” como marco de encerramento da primeira fase do procedimento, prima facie, mostra-se discutível a via adequada para recorrer desse provimento.

Ainda que a jurisprudência do STJ já tenha firmado o entendimento no sentido de que o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas, isto é, se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação, tem-se que, quando houvesse dúvida objetiva acerca do cabimento do agravo de instrumento ou da apelação, consubstanciada em sólida divergência doutrinária e em reiterado dissídio jurisprudencial, será afastada a existência de erro grosseiro a fim de que se aplique o princípio da fungibilidade recursal (AgInt nos EDcl no REsp: 1831900-PR, sob relatoria da Min(a). Maria Isabel Gallotti, julgado em abril de 2020. Nesse mesmo sentido: REsp 1.680.168/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 9/4/19, DJe de 10/6/19).

Em continuidade, agora na esfera criminal, a dúvida entre agravo de instrumento, recurso em sentido estrito, apelação e habeas corpus para recorrer da decisão que concede, revisa ou substitui medidas protetivas no âmbito da lei 11.340/06 também suscita dúvida objetiva positiva.

No julgamento do AgRg no REsp 1704310-AM, julgado em 2018, o min. relator, Joel Ilan Paciornik, verificou que a hipótese de erro grosseiro in casu não se mostra factível, mas apenas um erro escusável, somando-se a isso a tempestividade na interposição da apelação e a inexistência de má-fé, requisitos preenchidos para a aplicação do princípio da fungibilidade. Nessa esteira, a Quinta turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao recurso da agravante para reconhecer a possibilidade de interposição do recurso de apelação no lugar do recurso em sentido estrito para recorrer da sentença que decretou a extinção da punibilidade do agravado pelo cometimento de violência doméstica.

Com isso em mente, por mais que a fungibilidade em função da dúvida objetiva positiva não tenha prevalecido no julgamento do AgInt no REsp 2.056.198-PR, à luz dos princípios orientadores da legislação processual, de matriz constitucional (explícitos ou implícitos), bem como da interpretação teleológica das normas fundamentais do processo civil previstas nos arts. 3º, 4º e 8º, o entendimento que se enveredou pela fungibilidade se mostra tão consentâneo à legislação constitucional e infraconstitucional quanto aquele exarado pelo voto vencedor.

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1 LAMY, Eduardo de Avelar. Aproveitamento de Meios no Processo Civil. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I – 65ª Edição 2024. 65. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.115. ISBN 9786559649389. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559649389/. Acesso em: 09 jan. 2025.

3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. III. 54ª edição. Grupo GEN, 2020.

Amanda Carolina da Silva Vinci

Amanda Carolina da Silva Vinci

Advogada. Mestranda (PUC-SP), pós-graduada pela FGV-SP (2024), bacharela pelo Mackenzie (2023). Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Processual Civil da OAB-SP, Associada ao IBDCivil .

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