O direito à alimentação diferenciada para crianças autistas na escola   Migalhas
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O direito à alimentação diferenciada para crianças autistas na escola – Migalhas

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1 Introdução

O TEA – Transtorno do Espectro Autista é um transtorno relacionado com a comunicação, tendo como uma das características atraso na fala. Além desses sintomas, muitas crianças podem apresentar seletividade alimentar, que é uma comorbidade associada ao transtorno do espectro autista.

A seletividade alimentar, que é caracterizada por preferências muito limitadas por determinados alimentos e relutância ou aversão ao experimentar novos alimentos ou texturas. Isso pode levar a uma dieta muito restritiva e desequilibrada, que pode afetar a saúde geral e o bem-estar de uma pessoa.

Trata-se de uma questão de relevância educacional, pois, inserir crianças com TEA na escola é um desafio importante. Assim, entender a seletividade alimentar nesse contexto é fundamental para garantir que essas crianças tenham acesso à alimentação saudável. Por isso, o presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão bibliográfica para explorar a seletividade alimentar no TEA e destacar a relevância da inclusão de crianças com seletividade alimentar no TEA no ambiente escolar, além de identificar estratégias de adaptação no ambiente escolar que possam otimizar o cuidado e o apoio a essas crianças.

2 Desafios enfrentados por pais e professores na adaptação escolar

De acordo com Vasconcelos (2022), o TEA pertence ao grupo dos transtornos do neurodesenvolvimento relacionado a um grupo de condições com início no período do desenvolvimento. As características do TEA incluem déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, aliado a padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

O avanço da neuropsicologia e psicologia cognitiva ao propor modelos cognitivos dos TEA, indica a existência de alterações cognitivas relacionadas ao funcionamento executivo. De modo global, as funções executivas possuem uma diversidade de habilidade cognitivas que está implicada na organização comportamental, principalmente em acontecimentos novos e difíceis que têm a necessidade de se acostumar com rapidez às mudanças do meio. Essas funções auxiliam o sujeito a estimular suas atitudes a uma intenção, com a maneira de se agir adequada e a pensar em formas para resolução de problemas, entre outras, portanto, são fundamentais à aprendizagem acadêmica (Laurent, 2021).

O TEA pertence ao grupo dos transtornos do neurodesenvolvimento, manifestando-se na criança antes mesmo dela ingressar na escola. Suas características são déficits no desenvolvimento que provocam danos no desempenho pessoal, social, acadêmico ou profissional. No caso do TEA, apenas é diagnosticado quando há déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, aliado a padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (Freitas, 2023).

Segundo Vasconcelos (2022), existe certo consenso entre os especialistas de que o autismo é decorrente de disfunções do SNC – sistema nervoso central. Tais desordens levam a um padrão do desenvolvimento da criança. Apesar dessas evidências de anormalidades no neurodesenvolvimento vinculadas ao autismo, por conta da complexidade do SNC e da grande variabilidade de manifestações sintomatológicas, a etiologia do autismo ainda é desconhecida. Relata-se que seja uma desordem heterogênea e multifatorial, influenciada por fatores ambientais, genéticos e neurológicos.

A importância hoje do estudo do espectro autista se dá pelo aumento considerável no número de casos descritos nos últimos anos, principalmente dentro da área pediátrica. Isto se deve a uma maior atenção ao problema e à ampliação dos critérios diagnósticos (Freitas, 2023).

As manifestações clínicas aparecem precocemente, muitas vezes evidenciadas antes dos dois anos de idade. Além disso, o quadro clínico da criança pode variar amplamente em termos de níveis de gravidade. Isto pode dificultar o diagnóstico correto e imediato, já que o diagnóstico do autismo infantil é baseado principalmente no quadro clínico do paciente, não havendo ainda um marcador biológico que o caracterize, sendo que o diagnóstico é estabelecido com base em uma lista de critérios comportamentais feitos pelo DSM V (Laurent, 2021).

A Intervenção nos TEA é um assunto extenso, complexo e que envolve vários fatores. Assim, não há respostas absolutamente prontas e corretas para todo e qualquer caso. Quando se diz que cada caso é único, ele deve ter suas particularidades respeitadas. As soluções, estratégias ou dicas práticas sobre como intervir com pessoas com TEA que serão aqui apresentadas devem obrigatoriamente levar em consideração uma série de aspectos (Freitas, 2023).

As particularidades comportamentais e a expressiva variabilidade de apresentações clínicas demonstradas por pessoas com TEA, aliadas à escassez de formação profissional eficaz e de recursos em saúde e educação para esta área no Brasil, são fatos que contribuem para o expressivo volume de dúvidas e desdobramentos que o tema Intervenção nos TEA traz à tona (Laurent, 2021).

Contudo, Vasconcelos (2022) afirma que há evidências científicas e experiências práticas que nos mostram possibilidades e resultados sobre como podemos proceder em intervenções educacionais e terapêuticas nos TEA. Quanto mais precocemente a criança com TEA for encaminhada e avaliada de forma adequada, melhores poderão ser suas oportunidades de intervenção e de desenvolvimento. A intervenção precoce é fator fundamental na evolução de crianças com TEA. Este fato está diretamente relacionado à neuroplasticidade ao longo da primeira infância. Portanto, quanto mais precoce a intervenção, melhores os resultados para a criança e para sua família.

A adaptação escolar de crianças com TEA é uma jornada complexa que envolve múltiplos desafios para pais e professores (Caparroz e Soldera, 2022). O processo começa frequentemente com o reconhecimento e aceitação do diagnóstico (De Moraes et al, 2022). Para muitos pais, aceitar que seu filho tem uma condição que pode afetar seu desenvolvimento acadêmico e social é emocionalmente desafiador (Hofzmann et al., 2019). A busca por escolas que ofereçam suporte adequado e a luta contra o estigma social associado ao TEA são realidades enfrentadas por muitas famílias (Pinho, 2023).

Ainda como afirma Pinho (2023), a família é parte fundamental do desenvolvimento de cada criança, sendo assim, faz parte dos processos do desenvolvimento da vida, e temos então, o entendimento que:

Com a evolução etária dos indivíduos, pode-se notar um decrescimento de anormalidades em regiões cerebrais que são responsáveis pela interpretação afetiva, de perspectiva social e comunicação, tais como a área de Broca na região frontal, nas regiões temporais, como a área de Wernicke, e dos lobos parietais, amígdala, região caudal e gânglio basal, além do cerebelo. Quanto às vias, observa-se alterações na via medial do prosencéfalo, no fascículo lenticular, na cápsula interna e no corpo caloso, envolvendo os neurotransmissores serotonina, GABA e fatores neutróficos, bem como receptores nicotínicos. Além disso, os astrócitos e as células microgliais e de Purkinje também aparecem como afetados e influenciadores para o desenvolvimento do TEA. (Caparroz e Soldera, 2022, p.4).

Professores, por outro lado, enfrentam o desafio de compreender a ampla variabilidade do TEA. Cada criança com autismo é única, e o que funciona para uma pode não ser eficaz para outra (Rodrigues e Assumpção, 2021). Há a necessidade de adaptação constante das estratégias pedagógicas para garantir que cada criança alcance seu potencial máximo (Caparroz e Soldera, 2022).

A comunicação é outro desafio significativo. Muitas crianças com TEA têm dificuldades de comunicação, seja verbal ou não verbal, tornando a interação e compreensão das instruções mais complexas. Os professores devem ser criativos e pacientes ao buscar maneiras de se comunicar e ao estabelecer um ambiente onde a criança se sinta segura para expressar suas necessidades e sentimentos (Fontana, Pereira, Rodrigues, 2020).

Para os pais, o envolvimento na vida escolar de seu filho é crucial. No entanto, muitos enfrentam a sensação de que estão sozinhos na defesa dos direitos e necessidades de seus filhos  (Pinho, 2023). Criar uma parceria eficaz com a escola e o corpo docente pode ser um processo delicado, mas é fundamental para o sucesso da criança (Hofzmann et al, 2019). A inclusão social no ambiente escolar é vital para o desenvolvimento holístico da criança com TEA. A interação com colegas neurotípicos é essencial, mas pode ser desafiadora. Professores e pais devem trabalhar juntos para promover a inclusão, garantindo que as crianças com TEA não sejam isoladas ou vítimas de bullying (Freitas, 2023).

Os aspectos sensoriais também não podem ser ignorados. Muitas crianças com TEA têm sensibilidades sensoriais que podem tornar o ambiente escolar, com seus sons, luzes e texturas, avassalador. Adaptações como salas tranquilas ou terapias de integração sensorial podem ser necessárias (Fontana, Pereira, Rodrigues, 2020). A falta de formação adequada para professores sobre o TEA pode levar a abordagens ineficazes e, em alguns casos, prejudiciais para a criança. É essencial que os educadores sejam equipados com o conhecimento e as ferramentas necessárias para apoiar eficazmente seus alunos com autismo (Caparroz e Soldera, 2022).

A adaptação escolar das crianças com TEA é uma tarefa multifacetada que exige colaboração, compreensão e dedicação tanto dos pais quanto dos professores. Ao enfrentar esses desafios de frente e trabalhar juntos, é possível criar um ambiente onde todas as crianças, independentemente de suas diferenças, possam florescer e alcançar seu pleno potencial (De Moraes et al, 2022).

Segundo Bastiteli (2024), investigações com exames de imagem cerebral realizadas em indivíduos autistas descobriram diferenças localizadas principalmente nos sulcos frontais e temporais. Tal estudo encontrou anormalidades da anatomia e do funcionamento do lobo temporal de indivíduos autistas. Essas alterações estão localizadas bilateralmente nos STS – sulcos temporais superiores. Os STS são regiões importantes para a percepção de estímulos sociais e demonstram hipoativação na percepção de face e cognição social (direção do olhar, expressões gestuais e faciais de emoção), e estão significativamente ligados com outras partes do “cérebro social”, tais como o giro fusiforme e a amígdala.

Segundo Rodrigues e Assumpção (2021), de acordo com a teoria da mente, a principal anormalidade do autismo é a falta de capacidade de construir elaborações sobre a mente alheia. E esse circuito neuronal especializado – os neurônios espelho, localizados no lobo frontal – que permite pensar sobre nós mesmos e sobre o outro e, desta forma, prever o comportamento de seus semelhantes (teoria da mente).

Para Freitas (2023), o entendimento de ações (essencial para a tomada de atitude em situações de perigo), a imitação (extremamente importante para os processos de aprendizagem) e a empatia (a tendência em sentir o mesmo que uma pessoa na mesma situação sente, a qual é fundamental na construção dos relacionamentos) são funções atribuídas aos neurônios-espelho e são exatamente essas funções que se encontram alteradas em pessoas autistas.

De acordo com Freitas (2023), um dos principais objetivos da avaliação neuropsicológica é analisar as funções executivas, ou seja, a capacidade de desenvolvimento e planejamento de estratégias para alcançar objetivos. Ela serve para avaliar lesões e disfunções cerebrais nos mais variados casos, assim auxilia na formulação de diagnóstico. Os resultados de uma avaliação neuropsicológica servem de subsídios para o delineamento de estratégia de intervenção, como a reabilitação neuropsicológica. Essa tem por objetivo trabalhar com aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais (prejudicados e preservados) associados aos quadros de lesões ou disfunções cerebrais, no intuito de melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida.

Segundo Bastiteli (2024), para realizar uma avaliação neuropsicológica, o avaliador pode-se valer de testes e de tarefas objetivas, questionários e escalas, como também entrevista clínica. Familiares e pessoas próximas ao examinado podem servir de fontes de informações muito importantes quanto a dificuldades enfrentadas pelo paciente no dia a dia. A neuropsicologia do TEA tem tomado força nas últimas décadas, por razão de fortes evidencias de prejuízos neuropsicológicos nessa condição, e também por se tratar de uma abordagem que propõe uma investigação de prejuízos cognitivos e também de competências do indivíduo (funções preservadas). A hipótese de comprometimento das funções executivas surgiu devido à constatação de semelhanças entre o comportamento de indivíduos com disfunção cortical pré-frontal e aqueles com TEA.

Através da neuropsicologia, é possibilitado saber quais as áreas cerebrais são responsáveis pelos componentes executivos (habilidades cognitivas necessárias para o controle e regulação de pensamentos, emoções e comportamentos), explicando-nos estratégias clínicas e educativas que têm por objetivo principal proporcionar ao sujeito com o TEA aprendizagens para o desenvolvimento da sua própria autonomia, algumas estratégias que possam contribuir para a aquisição e desenvolvimento de relações sociais, emocionais, comportamentais e comunicacionais, podendo ajudar na promoção de um desenvolvimento harmonioso e mais equilibrado destes sujeitos (Freitas, 2023).

A avaliação neuropsicológica auxilia na constatação e também serve para descartar a suspeita. Pois, uma vez que o diagnóstico de autismo tenha sido confirmado ou desconfirmado, os profissionais precisam determinar se algum encaminhamento ainda se faz necessário. Isso inclui encaminhamentos para diversos profissionais. Segundo Rodrigues e Assumpção (2021), como ciência, a neuropsicologia vem se destacando no que diz respeito ao TEA pelas evidências apresentadas tanto nos prejuízos cognitivos manifestados como no que diz respeito às competências e funções preservadas na criança com o transtorno. Através da avaliação neuropsicológica, pode-se perceber quais as funções e as disfunções desenvolvidas pelo indivíduo com autismo, permitindo uma intervenção e tratamento nos mais diversos contextos da criança.

Conforme Bastiteli (2024), para a construção e desenvolvimento das habilidades intelectuais, que são processos básicos, ou seja, para que elas surjam harmoniosamente, as baterias neuropsicológicas possibilitam uma avaliação tanto no que concerne ao desempenho cognitivo geral e global como também no que diz respeito à determinação das funções específicas da atenção, da linguagem, da memória e das funções executivas. Estas funções podem ser avaliadas segundo o modelo luriano, havendo a explorar funções através de tarefas específicas ou avaliadas através de testes, escalas e baterias de avaliação neuropsicológicas estruturadas.

Confira a íntegra do artigo.

Ricardo Nascimento Fernandes

Ricardo Nascimento Fernandes

Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.

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Thomaz Gouveia Leite Fernandes

Estagiário Horizon Hi Scholl – OCPS

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Camilla Santana Estil da Camara

Graduada em Biomedicina Unip – Univesidade Paulista

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