DIP Financing na recuperação judicial: Oportunidade ou risco?   Migalhas
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DIP Financing na recuperação judicial: Oportunidade ou risco? – Migalhas

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Resumo: O DIP Financing é uma inovação trazida pelo legislador em 2020, crucial para a reestruturação de empresas, mas que enfrenta desafios no Brasil devido às diferenças estruturais e jurídicas em relação ao modelo norte-americano, de onde foi inspirada.

Introdução

O DIP Financing (Debtor-in-Possession Financing) é um mecanismo que permite a empresas em recuperação judicial obterem financiamento prioritário para viabilizar sua reestruturação. Originário do Direito norte-americano, especialmente no contexto do Chapter 11 do Bankruptcy Code, sua aplicação no Brasil apresenta desafios decorrentes das distinções entre os sistemas jurídicos de Common Law e Civil Law, além de particularidades na legislação nacional.

Comparação entre as legislações: Estados Unidos e Brasil

Nos Estados Unidos, a ideia de se apoiar a recuperação de empresas nasceu no século XIX, no contexto da crise das ferrovias. As primeiras medidas foram criadas pelo próprio judiciário norte-americano, oriundas do modelo de Common Law adotado por lá. Na década de 1930, a recuperação virou objeto de lei nos EUA, sendo amplamente discutida e aperfeiçoada ao longo dos anos.

Nesse contexto, fica evidente a importância dada a fomentar a atividade empresarial nos EUA, ao passo que a evolução da lei falimentar norte-americana para o que conhecemos hoje é fruto de décadas de aprimoramento legislativo e pretoriano.

Atualmente, o financiamento DIP na lei norte-americana está previsto no Chapter 11 do Bankruptcy Code. A exemplo do Brasil, tanto a suspensão das ações e execuções quanto o financiamento DIP são fatores preponderantes para a decisão de pedir a recuperação judicial. A bem da verdade, a legislação norte-americana em muito se parece com a brasileira, por conta de ter servido de inspiração em nosso processo legiferante.

No Brasil, a lei 11.101/05 aborda o financiamento de empresas em recuperação judicial nos arts. 69-A a 69-F, introduzidos pela lei 14.112/20. Esses dispositivos preveem a possibilidade de o devedor em recuperação obter novos financiamentos, com garantias e privilégios específicos, desde que aprovados pelo juízo competente. Contudo, a aplicação prática desses artigos ainda é incipiente, gerando incertezas quanto à sua efetividade.

Leonardo Adriano Ribeiro Dias destaca que “não há dúvidas de que a história, a cultura e a experiência de cada país, bem como os problemas e limitações locais, devem ser observados na elaboração das leis, o que naturalmente dificulta a mera importação de determinados institutos de outros ordenamentos jurídicos” (DIAS, 2022, p. 112).

Desafios na Aplicação do DIP Financing no Brasil

Um dos principais desafios é a diferença na estruturação dos processos de recuperação. Nos Estados Unidos, é comum que o financiador DIP participe desde a fase preparatória da recuperação judicial, garantindo suporte financeiro desde o início. No Brasil, muitas empresas ingressam com o pedido de recuperação sem um planejamento financeiro robusto ou sem acordos prévios com potenciais financiadores, o que pode comprometer a eficácia do processo.

Noutro bordo, o DIP Financing, comum entre os acadêmicos e os operadores do Direito Falimentar, ainda não é um instituto bastante difundido entre os empresários brasileiros, o que gera inúmeras dúvidas sobre a sua aplicação.

Manoel Justino Bezerra Filho nos ajuda a entender de forma bastante objetiva do que se trata o referido financiamento, quando cita que o art. 69-A “prevê que o juiz da recuperação, depois de ouvido o Comitê de Credores (se existente), autorize contratos garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens ou direitos do ativo não circulante. Estes bens a serem dados em garantia podem ser da própria recuperanda ou de terceiros” (BEZERRA, 2023, p. 341).

Sem a intenção de esgotar os desafios na aplicação e os fatores de sucesso das operações envolvendo o DIP Financing, não podemos deixar de mencionar a eventual demora nas decisões relacionadas ao tema, que podem inviabilizar a continuidade dos financiamentos, pelo simples fato de os negócios financeiros terem um timing diferente daquele que é comum no judiciário brasileiro.

Considerações sobre o Judiciário brasileiro

Embora o sistema Judiciário brasileiro enfrente desafios relacionados à celeridade processual, é importante reconhecer os esforços contínuos para aprimorar a eficiência na tramitação de processos de recuperação judicial. Podemos citar como a principal medida a criação das varas especializadas em todo o país.

Não obstante, a colaboração entre magistrados, advogados e demais operadores do Direito têm sido fundamental para promover um ambiente mais favorável à aplicação de mecanismos como o DIP Financing.

A importância da assessoria jurídica especializada

Diante desse cenário, é crucial que empresários e financiadores busquem escritórios de advocacia especializados em reestruturação empresarial. Uma assessoria jurídica competente pode auxiliar na estruturação de operações de DIP Financing, garantindo segurança jurídica e aumentando as chances de sucesso na recuperação.

Sérgio Campinho enfatiza que “o instituto da recuperação judicial, nos moldes da lei 11.101/05, vem concebido com o objetivo de promover a viabilização da superação desse estado de crise, motivado por um interesse na preservação da empresa desenvolvida pelo devedor. Enfatiza a empresa como centro de equilíbrio econômico-social, pois é fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos” (CAMPINHO, 2023, p. 119/120).

Conclusão

O DIP Financing representa uma ferramenta valiosa para a recuperação judicial no Brasil. Apesar dos desafios decorrentes das diferenças entre os sistemas jurídicos e das particularidades do ordenamento brasileiro, sua implementação, quando bem estruturada e assessorada, pode trazer benefícios significativos para empresas em crise e financiadores. O fortalecimento desse mecanismo depende de uma compreensão aprofundada de suas nuances e de uma atuação conjunta entre os diversos atores do sistema jurídico e econômico.

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1 DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na recuperação judicial e na falência. – 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

2 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/05: Comentada artigo por artigo – 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

3 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Falência e Recuperação de Empresa. – 13. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2023.

Ricardo Viscardi Pires

Ricardo Viscardi Pires

Advogado especialista em reestruturação de empresas, autor e coautor de diversos artigos jurídicos, sócio do escritório Bismarchi Pires Sociedade de Advogados

Bismarchi Bismarchi | Pires Sociedade de Advogados

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