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A discussão acerca da possibilidade de indenização de honorários advocatícios contratuais em processos judiciais constitui tema recorrente no Direito brasileiro, com implicações diretas na teoria geral da responsabilidade civil e no exercício regular do direito de ação. O STJ, ao consolidar entendimento no sentido de que tais despesas não integram o âmbito indenizável por perdas e danos, estabeleceu parâmetros sólidos que demandam análise detida, sobretudo à luz dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02 e da jurisprudência recente.
Este artigo aborda a fundamentação jurídica que sustenta a tese da não indenização, examinando precedentes emblemáticos e confrontando-a com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88). A análise revela que o posicionamento do STJ não apenas harmoniza-se com o sistema de custas processuais e honorários sucumbenciais (art. 85, CPC/15), mas também preserva a essência do direito de acesso à justiça como carga inerente ao exercício da cidadania jurídica.
1. A distinção entre honorários contratuais e sucumbenciais: Bases legais e conceituais
A primeira premissa para compreender a jurisprudência do STJ reside na clara distinção entre honorários contratuais (pactuados entre cliente e advogado) e honorários sucumbenciais (fixados judicialmente como ônus da derrota, nos termos do art. 85, CPC). Enquanto estes últimos integram expressamente o cálculo das condenações em custas processuais (art. 84, CPC), os primeiros decorrem de relação de mandato extrajudicial, regulada pelo CC (art. 710, CC/02).
O art. 389 do CC/02, que define o dano indenizável como aquele “effetivum” e “certain”, isto é, certo e efetivamente experimentado, serve de alicerce para a exclusão dos honorários contratuais do âmbito reparatório. Como salientado no REsp 1.696.910/SP (relator ministro Herman Benjamin), “a contratação de advogado não configura um dano resultante de ilícito, mas sim o exercício regular do direito de ação”, afastando-se o nexo de causalidade entre a conduta do réu e o dispêndio realizado.
2. A jurisprudência do STJ
No julgamento do AgRg no AREsp 746.234/RS (relator ministro Herman Benjamin), o STJ estabeleceu marco doutrinário ao afirmar que “os honorários advocatícios contratuais não integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos”. A fundamentação assentou-se no triângulo dogmático da responsabilidade civil:
- Ilicitude: A contratação de advogado não decorre de ato ilícito, mas de faculdade processual (art. 133, CF/88);
- Nexo causal: O ônus financeiro advém do exercício regular de um direito, não havendo relação direta com eventual conduta danosa do réu;
- Dano: Ausência de caracterização como “dano autônomo”, nos termos do art. 404, CC/02, que exige prejuízo líquido e certo.
No REsp 1.696.910/SP, destacou-se que “os custos com advogado para ajuizar ação não constituem, por si só, ilícito indenizável”. O acórdão reforçou a premissa de que a simples iniciativa de demandar judicialmente, ainda que derrotada, não legitima a conversão dos honorários contratuais em rubrica indenizatória.
A contratação de advogado integra o ônus inerente ao exercício regular do direito de ação, não podendo ser transferida à parte contrária. Há necessidade de distinguir entre o direito de ação (garantia constitucional) e os custos inerentes a sua efetivação (suportados exclusivamente pelo constituinte).
3. Crítica à teoria do dano processual: A incompatibilidade com o sistema brasileiro
A doutrina que defende a indenização de honorários contratuais sustenta a teoria do “dano processual”, pela qual os gastos advocatícios integrariam o “prejuízo reflexo” decorrente da necessidade de litigar. Contudo, essa tese desconsidera a sistemática adotada pelo CPC, que já prevê a condenação em honorários sucumbenciais como compensação aos custos da parte vencedora (art. 85, §1º, CPC).
Ademais, como destacado em nota publicada pelo STJ (2023), “a exclusão de réu por ilegitimidade não gera direito ao reembolso de honorários contratuais”, pois a mera participação em demanda judicial configura exercício regular de direito, não passível de sanção indiretamente via indenização.1
4. Litigância de má-fé e a regra do art. 81 do CPC
Situação diversa é quando a parte for condenada à indenização por litigância de má-fé no processo. Nessa hipótese, o art. 81 do CPC prevê expressamente o dever indenizatório dos honorários advocatícios e despesas realizadas pela parte:
“Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.”
A litigância de má-fé é um dos comportamentos processuais que mais prejudicam a administração da justiça, pois implica na utilização do processo de maneira abusiva, com o intuito de obter vantagens indevidas, procrastinar o andamento processual ou causar prejuízos à parte contrária. A má-fé processual é caracterizada por atos que violam os deveres de lealdade e boa-fé, indispensáveis à condução de um processo justo e equitativo.
A parte que age de má-fé pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados à parte contrária. Tal responsabilização reforça o dever de lealdade processual e a importância de se conduzir o processo de forma ética e responsável. Aqui, nesse caso, há regra específica que enseja a responsabilidade civil, advinda do ilícito abuso de direito (de ação).
5. Conclusão: A harmonia entre direito de ação e responsabilidade civil
A posição do STJ revela-se afinada com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evitando que o direito de ação seja penalizado por meio de condenações indenizatórias transversais. Ao excluir os honorários contratuais do âmbito reparatório, preserva-se o equilíbrio entre as partes, sem obstaculizar o acesso ao Judiciário.
Os fundamentos são, em síntese, dois: a) que os honorários sucumbenciais já existem exatamente como indenização ao custo do advogado; b) o contrato celebrado entre advogado e seu cliente gera direitos e obrigações entre eles, e não a terceiros (como a outra parte no processo).
Os honorários contratuais avençados entre cliente e advogado não são indenizáveis, salvo quando houver a condenação por litigância de má-fé na forma do art. 81 do CPC.
Em regra, o reembolso de honorários constitui matéria de Direito Processual (sucumbência), não de responsabilidade civil. E a sucumbência é regulamentada pelo art. 85 do CPC, que não traz a condenação em honorários contratuais, mas apenas em honorários sucumbenciais.
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1 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/18082023-Reu-excluido-da-acao-por-ilegitimidade-nao-tem-direito-a-reembolso-de-honorarios-contratuais-.aspx
Otavio Ribeiro Coelho
Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.