Julgamento do REsp 2.072.206/SP e julgamento do Tema 1.210 do STJ   Migalhas
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Julgamento do REsp 2.072.206/SP e julgamento do Tema 1.210 do STJ – Migalhas

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Com a possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais após a improcedência do IDPJ, mostra-se premente o julgamento sobre encerramento irregular da empresa para garantir a segurança jurídica.

O julgamento do REsp 2.072.206/SP traz à tona importantes questões sobre a desconsideração da personalidade jurídica e os desafios inerentes à comprovação de fraudes e blindagens patrimoniais. A decisão do STJ, ao manter a condenação do requerente no pagamento de honorários sucumbenciais após a improcedência do incidente, reflete uma postura que busca coibir a utilização irresponsável de tais incidentes, promovendo uma maior diligência por parte das partes envolvidas.

No entanto, o julgado desconsidera a dificuldade na comprovação de fraudes e blindagens patrimoniais, especialmente para credores tecnicamente hipossuficientes.

A comprovação de fraudes e blindagens patrimoniais, que são frequentemente complexas e envolvem a análise de diversos elementos, especialmente hoje com a velocidade em que podemos realizar transações, abertura e fechamento de empresas, é um desafio significativo. 

Muitas vezes o credor se depara com a dificuldade de reunir provas robustas que demonstrem a intenção de fraudar, o que pode levar a julgamentos improcedentes. 

Não podemos deixar de considerar o ponderado voto divergente do ministro João Otavio de Noronha, no qual destacou que a fixação de honorários no IDPJ pode afetar a eficácia do instituto, principalmente em casos envolvendo credores com menor capacidade financeira.

Consequentemente, a exigência de um padrão probatório elevado pode, em última análise, dificultar o acesso à justiça, especialmente para credores que já se encontram em situações adversas.

Neste sentido, para garantir a segurança jurídica, mais importante do que entender pelo cabimento de honorários, mostra-se necessário definir questões de direito material na utilização do IDPJ, especialmente o Tema 1.210 do STJ, que aborda o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa que encerra suas atividades de forma irregular. 

Ao definir que a improcedência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica gera honorários sucumbenciais, estamos diante da manutenção da insegurança jurídica para o credor, que não pode avaliar riscos da utilização do instituto, especialmente quando ainda não temos definido se o encerramento irregular da empresa importa em abuso da personalidade jurídica.

Há que se considerar, ainda, a tendência do Judiciário em não permitir a busca de provas sem um fundamento mínimo que sustente a alegação de irregularidades ou fraudes. Nos deparamos com alguns julgados, por exemplo, que impedem a utilização de produção antecipada de provas para corroborar fraudes empresariais visando o ajuizamento do IDPJ1-2.

Nesta toada, obstar ao credor os meios de provar que devedores se utilizam de inúmeros meios para se eximir de pagamento de dívidas, certamente dá azo à cultura da transgressão e da impunidade, tão criticada pelo saudoso José Carlos Barbosa Moreira, há mais de 20 anos3.

Privar o credor de se utilizar da ampla persecução do crédito, diante de evidências ou indícios de fraudes praticadas pelos credores, deve ser considerado como afronta ao direito fundamental de acesso à justiça.

Sem que a doutrina e o Poder Judiciário enfrentem a questão sob a perspectiva constitucional do direito fundamental de acesso à justiça, continuaremos com milhares de processos em fase de execução, acumulados e sem solução.

A tarefa do Poder Judiciário, não obstante a definição sobre a distribuição dos honorários de sucumbência no instituto, também é a de enfrentar as questões de direito material sob a perspectiva constitucional do direito fundamental de acesso à justiça, permitindo a utilização do incidente de desconsideração de maneira ampla e afastando a excepcionalidade do instituto, mesmo porque durante o trâmite processual, muitas das vezes, somente o Poder Judiciário poderá obrigar o devedor e o suscitado a fornecerem informações que possam trazer as provas dos pressupostos de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

A não satisfação dos credores, pelo devedor, bem como o encerramento irregular da pessoa jurídica são, portanto, indícios de abuso da personalidade jurídica, a desaconselhar o indeferimento de plano do incidente, sem que se oportunize ao detentor do direito que apresente os argumentos e as evidências que considerar suficientes à demonstração das suas alegações.

No voto do ministro Vilas Bôas Cueva, por outro lado, restou consignado que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica possui natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido. 

Por conseguinte, resta claro que o incidente admite ampla produção probatória (art. 135 do CPC). Logo, é dever do magistrado permitir a produção de todas as provas em direito admissíveis, para a defesa dos interesses não somente dos suscitados, mas também do suscitante-credor, respeitando o devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da CRFB/88).

Em suma, o julgamento do REsp 2.072.206/SP reflete, por um lado, o equilíbrio entre a proteção dos credores e a preservação da eficiência e integridade do processo judicial, mas desconsidera a dificuldade na comprovação de fraudes. 

Esperamos, assim, que o Poder Judiciário resolva outras questões de mérito relacionadas ao IDPJ, para maior segurança jurídica na escolha do meio processual pelo credor, que busca, tão somente, satisfazer seu direito. 

E não podemos esquecer que a resistência do Judiciário ao amplo direito de esclarecer fraudes empresariais merece ser revista, na medida em que existem os meios processuais para permitir que o credor avalie se a opção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é viável e efetiva para recebimento de seu crédito, sem o risco de condenação em sucumbência.

__________

1 TJSP; Apelação Cível 1106366-37.2023.8.26.0100; Relator (a): Elói Estevão Troly; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 28ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2025; Data de Registro: 30/01/2025

2 e TJSP; Apelação Cível 1009907-93.2024.8.26.0566; Relator (a): Mendes Pereira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Carlos – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/01/2025; Data de Registro: 29/01/2025

3 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Juiz e a Cultura da Transgressão. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, p. 98-119, 2000.

Marcus Vinicius Moura de Oliveira

Marcus Vinicius Moura de Oliveira

Advogado, sócio da área de Recuperação de Crédito no Tortoro, Madureira e Ragazzi Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Mestre em Direito Constitucional pela ITE/Bauru. Membro da Comissão Especial de Direito Bancário da OAB/SP.

Tortoro, Madureira e Ragazzi Sociedade de Advogados Tortoro, Madureira e Ragazzi Sociedade de Advogados

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