Cobrança inteligente: como recuperar créditos sem perder clientes   Migalhas
Categories:

Cobrança inteligente: como recuperar créditos sem perder clientes – Migalhas

CompartilharComentarSiga-nos noGoogle News A A

Se tem uma coisa que mudou nos últimos anos, foi a forma como as empresas precisam lidar com seus clientes inadimplentes. As novas regulamentações trouxeram desafios, mas, mais do que isso, abriram portas para uma cobrança mais estratégica, humana e eficiente.

Em vez de simplesmente pressionar para receber um pagamento, o mercado entendeu que a melhor forma de recuperar um crédito é criando um relacionamento de confiança com o cliente. Afinal, um consumidor satisfeito com a maneira como foi tratado tem muito mais chances de continuar comprando, enquanto um que se sente coagido provavelmente nunca mais voltará.

Vamos falar sobre algumas mudanças e como elas podem transformar um simples processo de cobrança em uma oportunidade de fidelização e crescimento para o negócio.

LGPD: Privacidade e Transparência Como Diferencial na Cobrança

A LGPD (lei 13.709/2018) reformulou a maneira como as informações pessoais são utilizadas, tornando obrigatória a transparência na coleta e no tratamento de dados. Isso significa que qualquer contato para negociação de dívidas deve respeitar os princípios da finalidade e necessidade, garantindo que o cliente tenha ciência sobre como suas informações estão sendo empregadas.

Essa exigência, além de evitar penalizações, impacta diretamente a confiança do consumidor no processo de recuperação de crédito. Quando alguém percebe que seus dados estão protegidos e que há clareza na abordagem, a resistência ao diálogo diminui e a predisposição para a negociação aumenta.

O art. 42 da LGPD proíbe o uso excessivo de informações, o que obriga o credor a priorizar canais de comunicação mais eficazes e respeitosos, substituindo ligações repetitivas por estratégias que privilegiem a autonomia do consumidor. Ao permitir que o próprio devedor escolha a melhor forma e horário para negociar sua pendência, a cobrança deixa de ser encarada como um incômodo e passa a ser vista como uma solução viável e acessível.

Lei do Superendividamento: negociação sustentável e clientes ativos

A lei 14.181/21, que alterou o CDC – art. 104-A, trouxe um novo olhar sobre a negociação de dívidas. Seu propósito não é apenas evitar práticas abusivas, mas garantir que consumidores tenham condições reais de quitar seus débitos sem comprometer sua subsistência.

Para os credores, essa legislação não deve ser vista como um entrave, mas como um incentivo para criar abordagens que aumentem a taxa de recuperação sem afastar clientes. Em vez de forçar acordos inviáveis que resultam em novas inadimplências, a construção de soluções financeiras personalizadas faz com que o devedor se sinta respeitado e motivado a quitar o que deve.

Além disso, o art. 54 do CDC reforça a necessidade de clareza nas condições de renegociação. Quanto mais transparente for o processo, maior será a adesão dos consumidores às propostas de regularização. E quando a negociação é conduzida com sensibilidade e coerência, a relação se fortalece, reduzindo a reincidência do endividamento e transformando o devedor em um cliente potencial para futuras transações.

Código de Defesa do Consumidor: Da pressão para o diálogo

O Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990) sempre protegeu os cidadãos contra práticas abusivas, mas com a intensificação da fiscalização e a ampliação da interpretação da lei, tornou-se imprescindível que a cobrança seja conduzida dentro de parâmetros éticos e jurídicos bem definidos.

O art. 42 do CDC proíbe a exposição vexatória do devedor e qualquer tipo de abordagem que cause constrangimento. O que isso significa na prática? Que estratégias baseadas em pressão, ligações insistentes ou ameaças jurídicas perderam espaço para diálogos respeitosos, que promovem acordos vantajosos para ambos os lados.

Quando a cobrança deixa de ser um processo opressor e passa a ser uma ponte para a solução do problema, a dinâmica da relação muda completamente. Em vez de evitar o contato com o credor, o consumidor passa a enxergar o diálogo como um passo necessário para reorganizar sua vida financeira. E, ao perceber que há disposição para uma negociação justa, a resistência ao pagamento diminui, facilitando a recuperação do crédito de forma natural e eficiente.

O art. 71 do CDC, que criminaliza o assédio ao consumidor, reforça ainda mais a importância de abordagens respeitosas. O tom da comunicação pode determinar se um cliente se afastará definitivamente ou se verá na empresa um parceiro confiável para futuras transações.

Crédito consciente: A fidelização começa na concessão

Além das diretrizes voltadas à cobrança, a resolução CMN 4.963/21 trouxe regras mais rígidas para a concessão de crédito, estabelecendo que financiamentos devem ser concedidos apenas quando houver capacidade real de pagamento.

Essa mudança tem um impacto direto na relação entre credores e clientes, pois exige uma avaliação mais criteriosa do perfil financeiro do consumidor, reduzindo o risco de inadimplência e incentivando práticas mais responsáveis.

Mais do que recuperar valores, a nova abordagem estimula o mercado a atuar como parceiro do cliente, ajudando-o a manter um histórico financeiro positivo e garantindo que o acesso ao crédito seja sustentável. Em vez de apenas conceder financiamentos sem critério, torna-se essencial oferecer educação financeira, transparência nos contratos e suporte para que o consumidor compreenda suas obrigações e direitos.

Esse movimento favorece não apenas os consumidores, mas também os próprios credores, que passam a contar com clientes mais conscientes e preparados para honrar seus compromissos. Afinal, um cliente que confia na instituição e percebe que suas necessidades são levadas em consideração tem muito mais chances de permanecer fiel e recorrer à mesma empresa sempre que precisar de crédito novamente.

Cobrar é cuidar e fidelizar

O futuro da recuperação de crédito não está na insistência, mas na construção de relações de confiança e oportunidades reais de recomeço. As regulamentações citadas não são barreiras, mas guias para um mercado mais justo e sustentável, onde a cobrança deixa de ser um embate e se transforma em um processo estratégico de reconexão com o cliente.

Negociar dívidas não é apenas sobre recuperar valores, mas sobre reconstruir vínculos e abrir portas para um consumo consciente e contínuo. Como bem disse William Ury, um dos maiores especialistas em negociação do mundo: “O objetivo da negociação não é vencer, mas sim chegar a um acordo que fortaleça o relacionamento e gere valor para ambas as partes.”

Anderson Rodrigo Leite da Silva

Anderson Rodrigo Leite da Silva

Advogado na Martorelli Advogados, atuo na prevenção de litígios e recuperação de crédito. Expertise em estratégias jurídicas e inovação, curso pós-graduação em Direito Empresarial na PUC-RS.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *