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No âmbito do processo civil brasileiro, a fundamentação das decisões judiciais é um dos pilares essenciais para garantir a legitimidade do julgamento e permitir o controle jurisdicional das decisões.
O art. 489, § 1º, IV, do CPC/15 estabelece expressamente que não se considera fundamentada a decisão judicial que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.
Contudo, em diversos precedentes jurisprudenciais, observa-se uma tendência de relativização desse dispositivo, no sentido de que o magistrado não estaria obrigado a se manifestar sobre todas as alegações das partes, desde que os fundamentos utilizados na decisão sejam suficientes para embasá-la.
Essa interpretação, embora encontre respaldo na necessidade de evitar uma burocratização excessiva do processo, gera debates acerca da compatibilidade com o CPC e os princípios processuais fundamentais.
1. O princípio da fundamentação das decisões judiciais
A fundamentação das decisões é uma exigência constitucional prevista no art. 93, IX, da CF/88, garantindo que os jurisdicionados compreendam os motivos que levaram o juiz a decidir de determinada forma. Esse princípio visa:
- Assegurar a transparência do Poder Judiciário;
- Permitir o controle da decisão pelo Tribunal em eventual recurso;
- Garantir o respeito ao contraditório e à ampla defesa.
O CPC/15 reforçou essa exigência, estabelecendo critérios rigorosos para a fundamentação, especialmente no § 1º do art. 489.
2. A controvérsia jurisprudencial e o precedente
Apesar da clareza do dispositivo legal, a jurisprudência tem adotado uma visão mais flexível. Tribunais superiores têm entendido que o juiz não precisa abordar todas as alegações das partes, desde que os fundamentos utilizados na decisão sejam suficientes para justificar a conclusão adotada.
2.1. O entendimento dos Tribunais Superiores
O STJ e até mesmo o STF já se manifestaram em diversos casos no sentido de que não há nulidade da decisão pelo simples fato de o magistrado não ter enfrentado todos os argumentos, desde que aqueles abordados sejam suficientes para manter o julgado.
Esse entendimento se baseia em dois pontos principais:
Princípio da congruência – O juiz deve decidir a causa de acordo com o pedido e os fundamentos apresentados, mas não é obrigado a rebater cada argumento exposto pelas partes.
Teoria da causa decidida – Se a decisão possui fundamentação suficiente para manter a conclusão do magistrado, a ausência de manifestação sobre determinado argumento irrelevante ou repetitivo não acarreta nulidade.
Essa interpretação, por um lado, busca evitar decisões excessivamente prolixas e burocráticas, mas, por outro, gera críticas no sentido de que pode comprometer o dever de fundamentação imposto pelo CPC.
3. O conflito com o art. 489, § 1º, IV, do CPC
O art. 489, § 1º, IV, do CPC estabelece que a decisão que não enfrentar todos os argumentos relevantes não pode ser considerada fundamentada. Assim, o entendimento jurisprudencial que dispensa o magistrado de rebater todas as alegações contraria expressamente esse dispositivo.
3.1. Possíveis justificativas para a divergência
Essa aparente contradição pode ser explicada por algumas razões:
Interpretação teleológica do CPC – Os tribunais superiores entendem que a exigência de fundamentação deve ser aplicada com razoabilidade, evitando um excesso de formalismo que comprometa a celeridade do processo.
Diferenciação entre argumentos irrelevantes e essenciais – A jurisprudência diferencia argumentos que efetivamente podem mudar o resultado da decisão daqueles que são apenas periféricos ou repetitivos.
Princípio da eficiência processual – O excesso de fundamentação poderia gerar decisões demasiadamente longas e pouco objetivas, tornando o processo mais moroso.
4. Consequências práticas do precedente
A adoção dessa linha jurisprudencial pode trazer impactos práticos relevantes:
Redução de anulações de decisões por ausência de fundamentação – Evita que decisões sejam invalidadas com base em formalismos exagerados.
Possível comprometimento do contraditório e da ampla defesa – Se um argumento essencial não for analisado, a parte pode ser prejudicada.
Maior discricionariedade judicial – O juiz ganha mais liberdade para decidir quais argumentos merecem resposta específica, o que pode gerar insegurança jurídica.
5. Considerações finais
Embora o art. 489, § 1º, IV, do CPC imponha ao magistrado o dever de enfrentar todos os argumentos capazes de infirmar sua conclusão, a jurisprudência tem flexibilizado essa obrigação, entendendo que a decisão é válida desde que os fundamentos adotados sejam suficientes para embasá-la.
Essa interpretação pragmática visa garantir maior eficiência processual, mas levanta questionamentos sobre seu alinhamento com os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Assim, trata-se de um tema ainda em debate, que pode ser objeto de futuras revisões jurisprudenciais ou mesmo de ajustes legislativos para harmonizar a exigência de fundamentação com a celeridade processual.
Marcelo Alves Neves
Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado. Visite: www.man.adv.br | Tel./Wpp.: (16) 99169.4996