Grupo econômico de fato e recuperação judicial: A favor do devedor?   Migalhas
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Grupo econômico de fato e recuperação judicial: A favor do devedor? – Migalhas

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Em agosto de 2024, a 3ª turma do STJ determinou que uma sociedade integrante do Grupo Dolly que não fez pedido de recuperação judicial seja incluída no polo ativo do procedimento recuperacional, em razão de confusão patrimonial e de administração conjunta.1

Nesse contexto, foi mantida decisão do TJ/SP que determinou a inclusão da Ecoserv Ltda. na recuperação judicial do Grupo Dolly, conjuntamente com outras sociedades do grupo, a despeito de não ter esta sociedade pedido recuperação judicial. 

A ministra relatora Nancy Andrighi destacou que: (i) a formação de grupo econômico de fato entre a Ecoserv e as empresas que integram o Grupo Dolly ficou evidenciada na origem; (ii) a recuperação judicial não pode ser utilizada para favorecer interesses privados do devedor, em detrimento de toda a coletividade; e (iii) a jurisprudência do STJ reconhece ser possível a inclusão de litisconsorte necessário no polo ativo da ação, em situações excepcionais, sob pena de extinção do processo.

Nos termos do voto da ministra, portanto, a inclusão evitaria que atos dos dirigentes do Grupo Dolly, que decidiram por excluir esta sociedade do procedimento, impliquem violação aos direitos dos credores.

As decisões do Tribunal de São Paulo e do STJ buscam, portanto, coibir fraudes a credores, confusão e desvio patrimonial.

Medidas fraudulentas contra os credores, no contexto de grupos econômicos e processos concursais como a recuperação judicial, evidentemente, são indesejadas e não podem ser estimuladas. Neste aspecto, decisões como a do STJ podem ser importante mecanismo à disposição de credores prejudicados.

É bastante importante, entretanto, que se tenha rigor quanto aos efeitos das decisões proferidas em processos recuperacionais. Há uma extensa gama de direitos envolvidos em situações como esta – não apenas das devedoras em recuperação e dos seus credores, mas também de trabalhadores, acionistas e credores da sociedade incluída no procedimento, que também sofrerão todas as consequências do ingresso da devedora na recuperação.

A recuperação judicial é procedimento especial, com princípios e regramentos próprios. Além da superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, tem como objetivo compatibilizar interesses diversos, como previsto no art. 47 da lei 11.101/05, incluindo dos credores, trabalhadores e outros stakeholders.

O art. 122, IX, da lei 6.404/1976, por sua vez, estabelece a competência privativa da assembleia geral de acionistas para autorizar os administradores a confessarem a falência e a pedir a recuperação judicial.

A inclusão de sociedade que não tenha aprovado pedido de recuperação judicial, portanto, tem o condão de violar direitos de acionistas que não tenham contribuído para a confusão patrimonial, por exemplo.

O entendimento do STJ, ainda que busque evitar abuso de direito por sociedades, grupos econômicos e administradores para fraudar credores, deve ser ponderado com todos os interesses envolvidos.

Caso decisões incluindo outras sociedades no polo ativo da recuperação judicial se proliferem sem reflexão e avaliação de direitos de terceiros que podem ser afetados, pode-se criar insegurança jurídica mais grave do que os abusos combatidos.

Como ponderado pelo ministro Humberto Martins, vencido no julgamento, por entender que não caberia ao Judiciário obrigar uma empresa a ingressar em recuperação judicial, “para além da desconsideração da personalidade jurídica, é possível ainda aventar, minimamente, a convolação da recuperação em falência, ou mesmo a decretação direta da quebra das empresas ora recorrentes, após apuração (ainda que em incidente paralelo caso necessário) e demonstração do mecanismo de fraude operada contra credores (e contra o sistema recuperacional)”.

Ao avaliar a viabilidade de inclusão de sociedades no polo ativo de recuperações judiciais, é importante que os julgadores ajam com cautela, avaliando se, em contraposição aos interesses de credores prejudicados, pode haver direitos de acionistas que não tenham dado causa à confusão patrimonial, além de trabalhadores e credores desta sociedade (que concederam crédito a sociedade que não estava em situação recuperacional e, portanto, não poderiam estimar que se sujeitariam aos efeitos de uma recuperação).

Mais do que isso, pode ser importante avaliar se há alternativa que garantiria o direito de credores do grupo econômico e que, ao mesmo tempo, não viole direitos e interesses de terceiros não envolvidos na fraude.

Soluções como aquela dada pelo STJ na recuperação judicial do Grupo Dolly podem ser necessárias para resolver cenários confusão patrimonial e mitigar prejuízos para credores de boa-fé.

A busca de alternativas para garantir que a coletividade não seja lesada, entretanto, deve ser cautelosa e considerar também os direitos de eventuais terceiros que poderão ser prejudicados, sob pena de se criar insegurança jurídica maior do que aquela que se pretende eliminar.

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1 Recurso Especial nº 2.001.535/SP, julgado em 27.8.2024, pela Terceira Turma do STJ

Luis Fernando Hiar

Luis Fernando Hiar

Graduado na FDUSP e pós-graduado no Insper. Advogado de Solução de Conflitos de Lobo de Rizzo Advogados, com foco em disputas societárias, contratuais, bancárias, corporativas em geral e insolvência.

Lobo de Rizzo Lobo de Rizzo Maria Júlia Vicente Pereira

Maria Júlia Vicente Pereira

Pós-graduanda em Direito Processual Civil (Lato Sensu – Especialização) pela Universidade de São Paulo e pela Associação dos Advogados de São Paulo (USP/AASP). Graduada na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogada da área de Solução de Conflitos e Insolvência de Lobo De Rizzo Advogados.

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