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Eduardo Sasha, jogador do Santos (à época) obteve uma liminar que o liberou para assinar com o Atlético Mineiro. Ocorre que, torcedores do Santos descobriram fotos do juiz com a camisa do Atlético. Com a repercussão do caso nas redes sociais, o juiz proferiu a seguinte decisão:
“Neste ato, para que se preserve a legitimidade das decisões judiciais, bem como para que não pairem dúvidas quanto à lisura do presente processo, revogo a decisão ID 1c116b8 e me dou por suspeito por motivo de foro íntimo, na forma do art. 145, §1º do CPC.”
Se o juiz não tivesse reconhecido a suspeição, o tribunal poderia declará-la? Por outras palavras, as causas de suspeição do art. 145 do CPC são taxativas (numerus clausus) ou são exemplificativas (numerus apertus)?
A Corte Especial do STJ já declarou, em mais de uma oportunidade, que o rol do art. 145 do CPC é taxativo, não exemplificativo (v.g., ExSusp 216/DF; QO no MS 25474/DF).
É compreensível o zelo da Corte. Não se trata de autoproteção nem de espírito de corpo. Banalizar a suspeição (v.g., alegar que o juiz suspeito porque profere reiteradas decisões contrárias aos interesses da parte) é vulnerar o princípio do juiz natural.
No entanto, deixar de reconhecê-la em situações não imaginadas pelo legislador, especialmente quando se mostra manifesta, é jogar pelo ralo aquilo que o próprio juiz natural procurou assegurar: a imparcialidade do juiz.
Na era da internet, das redes sociais, da inteligência artificial, das pressões cada vez maiores dos grupos de interesses e dos vieses cognitivos inconscientes, é preciso ter um olhar mais atento às inúmeras circunstâncias que podem acarretar a quebra da imparcialidade do magistrado.
“A existência de elementos concretos aptos a incutir dúvida razoável acerca da imparcialidade do Magistrado é suficiente para a declaração de suspeição (…)” (REsp n. 1.921.761 / RS).
Por exemplo, manifestações públicas sobre as partes ou sobre os fatos de lides pendentes (prejulgamento) são motivos concretos para se desconfiar da imparcialidade do juiz e, consequentemente, da sua legitimidade para conduzir e julgar o processo.
A propósito, dizer que essa ou aquela conduta é vedada pela LOMAN (art. 36, III) é insuficiente para preservar o devido processo legal.
Juízes não são neutros, mas devem ser imparciais, inclusive aos olhos da sociedade. A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta.
Vale lembrar que as hipóteses legais de suspeição, diferentemente das causas de impedimento, se valem muitas vezes de conceitos jurídicos indeterminados, como amigo íntimo, inimigo ou interessado.
Isso acontece pela infinidade “de vínculos subjetivos com aptidão de corromper a imparcialidade” (RHC 37.813/SP).
Por isso mesmo, esses vínculos não se esgotam nos casos do art. 145, cuja interpretação deve levar em consideração o fim almejado pela norma, qual seja, o de assegurar que o processo seja conduzido e decidido por um terceiro imparcial.
A imparcialidade do julgador é condição indispensável à legítima confiança no sistema judicial. Quando a sociedade acredita que os juízes são imparciais, tende a confiar no Poder Judiciário, a aceitar suas decisões e a pautar suas condutas por essas decisões.
Não sei, nem procurei saber se o vínculo do juiz com o seu clube do coração seria motivo suficiente para torná-lo parcial (acredito que não), mas eu, por exemplo, não teria a mínima condição de julgar o América de Natal.
Rodrigo da Cunha Lima Freire
Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha