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A Corte Especial do STJ, nesta quinta-feira, 13, fixou tese permitindo que o juiz, constatando indícios de litigância abusiva, exija, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.
No julgamento, ficou definida a substituição do termo “litigância predatória” por “litigância abusiva”, em conformidade com a terminologia adotada pelo CNJ.
Entenda
O colegiado terminou o julgamento de caso submetido à Corte Especial desde 2023, quando a 2ª seção acolheu a afetação de um recurso especial sob o rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da controvérsia.
Apesar de não fazer parte da composição da Corte Especial, o ministro Moura Ribeiro, por ser o relator do processo afetado, também relatou o caso no colegiado.
Prevaleceu o seu voto, segundo o qual, nas sociedades de massa, em que a grande maioria da população integra processo de produção, distribuição e consumo de larga escala, é esperado o surgimento de demandas e lides também massificadas.
O ministro citou demandas de planos de saúde, energia elétrica, telefônica, previdenciárias e acidentárias.
“Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui inegavelmente manifestação legítima do direito de ação amparado constitucionalmente. Observa-se, no entanto, em várias regiões do país, verdadeira avalanche de processos infundados, marcados pelo exercício de uma advocacia censurável, dita agora predatória, que não encontra respaldo legítimo no direito de ação.”
Política pública
O relator ressaltou que esses feitos não apenas embaraçam o exercício de uma jurisdição efetiva, mas verdadeiramente criam sérios problemas de política pública, conforme identificado por órgãos de inteligência e audiências públicas.
Os casos de o juiz exigir apresentação de documentos para comprovar o interesse de agir ou a verossimilhança do direito alegado tem sido admitido pelo STJ e pelo STF em várias situações, destacou o ministro.
“Por isso, poderá o juiz, a fim de coibir o uso fraudulento do processo, exigir que o autor apresente extratos bancários, cópias do contrato, comprovante de residência, procuração atualizada e com poderes específicos, dentre outros documentos, a depender de cada caso concreto.”
S. Exa. ainda lembrou que a procuração outorgada para determinada causa, em regra, não subsiste para outras ações distintas e desvinculadas, porque uma vez executada o negócio, cessa o mandato para o qual foi outorgado (art. 682 do CC).
“Assim, caso o advogado apresente instrumento muito antigo, dando margem à crença de que não existe mais relação atual com o cliente, é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida com a juntada de novo instrumento.”
Inicialmente, Moura Ribeiro propôs a seguinte tese, posterioemente ajustada pelo colegiado:
“O juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância abusiva, pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, que a parte autora emende a inicial apresentando documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas.”
Corte Especial do STJ fixou tese que permite ao juiz exigir emenda em litigância abusiva.(Imagem: Gustavo Lima/STJ)
Situações excepcionais
Em voto-vista, o ministro Humberto Martins considerou que, diante da litigância predatória ou não, sempre competirá privativamente ao Conselho Federal da OAB apurar se os procuradores agiram ou não com má-fé ou se praticaram infrações, sendo que, em caso positivo, decidirá, no bojo do processo disciplinar, sobre a aplicação da sanção pertinente.
Além disso, para o ministro, os poderes outorgados ao procurador, no contrato de mandato, devem ser interpretados à luz da autonomia da vontade, a autodeterminação, não comportando revisão judicial como regra, bem como valendo para a prática de todos os atos, salvo, por exemplo, o negócio ilícito, ou que ofenda os bons costumes.
“Se as partes não estipularam no instrumento um prazo final para sua validade e eficácia, entender-se-á que o mandato era prazo indeterminado”, disse.
Ainda, para Humberto Martins, o poder geral de cautela do juiz e o poder discricionário de direção formal e material do processo poderão exigir a inovação da procuração somente em situações excepcionais e ainda assim com fundamentação idônea.
Diante disso, propôs a fixação da seguinte tese:
“O juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância abusiva, pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, que a parte autora emende a inicial apresentando documentos de identificação e/ou probatório previstos na lei processual, para lastrear minimamente as pretensões deduzidas, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.”
Ampliação de tese
Também em voto-vista, o ministro Luís Felipe Salomão propôs um complemento ao voto do relator. Ele justificou que, apesar da necessidade de coibir a litigância abusiva, o amplo acesso à Justiça deve ser preservado.
Segundo o ministro, a gestão processual deve buscar um equilíbrio entre a repressão a fraudes e a garantia do direito de petição, sem impor barreiras excessivas ao Judiciário.
“Temos que tomar cuidado para o remédio não matar o paciente”, advertiu Salomão, ressaltando que a simples quantidade de ações não deve ser critério para restringir o acesso ao Judiciário.
O ministro também propôs a substituição do termo “litigância predatória” por “litigância abusiva e fraudulenta”, em conformidade com a terminologia adotada pelo CNJ.
Além disso, sugeriu que, na fase de cumprimento de sentença, a exigência de procuração atualizada ou firma reconhecida deve ser a exceção, salvo previsão contrária no mandato.
Assim, sugeriu a seguinte tese:
“Em caso da constatação da existência de indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância, a razoabilidade do caso concreto, que a parte autora emende a petição inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação.
De outra parte, a evolução do processo, da fase de conhecimento para a fase de cumprimento de sentença, em regra, dispensa procuração atualizada ou reconhecimento de firma, salvo se houver previsão no mandato, em sentido contrário.”
- Leia o voto-vista do ministro Salomão.
Tese final
Após debates, todas as propostas de teses foram ajustadas, e acatadas pelo relator, que ajustou sua proposta, formando a seguinte redação final:
“Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial afim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.”
Os ministros João Otávio de Noronha, Isabel Gallotti, Raul Araújo e Ricardo Villas Bôas Cueva concordaram com a tese, mas ficaram vencidos quanto à retirada da frase “respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.
- Processo: REsp 2.021.665