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A advocacia brasileira perante os desafios do contencioso internacional

 

Horacio Bernardes Neto*

Leopoldo Ubiratan Carreiro Pagotto*

 

imagem30-11-2021-11-11-21Até os anos 80, o tema “contencioso internacional” remeteria, diretamente, aos artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil, dispositivos estes que tratam da competência internacional. Para outros, talvez o contencioso internacional remetesse às determinações sobre cartas rogatórias e eventuais deslocamentos para o exterior, visando orientar os oficiais de justiça estrangeiros sobre as formalidades requeridas pela citação brasileira. Contudo, a estanqueidade típica do sistema processual civil perdeu espaço e, durante os anos 90, estas idéias foram, lentamente, sendo superadas. Emblemática desta mudança de paradigma foi a promulgação da Lei no 9.307/96 (Lei da Arbitragem), do Decreto Legislativo no 90/95 (Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial) e do Decreto no 2.411/97 (Convenção Interamericana sobre Eficácia Territorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros). Paralelamente, o movimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de aceitar a nova roupagem dada ao instituto, ainda que por apertada maioria, muito contribuiu para a expansão do âmbito de atuação do que se poderia entender por um “contencioso internacional”.

 

Ocorre que estas transformações dos anos 90 não se restringiram apenas ao plano legal e jurisprudencial. A abertura econômica trouxe consigo novos desafios para os advogados, pois, ao longo deste processo, mudou, consideravelmente, o perfil do operador do direito, o qual teve que se adaptar rapidamente de uma situação estática para outra completamente dinâmica. Assim, se num primeiro momento da abertura houve um verdadeiro boom dos serviços jurídicos de consultoria, pode-se vislumbrar, neste momento, um aumento considerável da demanda por um tipo de contencioso diverso do que ocorre dentro das fronteiras nacionais. O contencioso internacional, nesta acepção, é muito mais amplo do que o simples litígio levado ao Judiciário com algum elemento de extraterritorialidade: abrange praticamente todos os meios alternativos de solução de controvérsias (mediação, negociação, arbitragem etc.), incluindo também uma ampla gama de atividades relacionadas à defesa de interesses perante organizações internacionais. Algumas vezes, pode mesmo este tipo de contencioso ocorrer no Brasil: imagine-se a hipótese, ainda que improvável, em que duas empresas de terceiros países escolham o Brasil como local da arbitragem. Porém o mais provável é que ocorra em outros países.

 

Se observado sob certo aspecto, o uso de meios alternativos de solução de controvérsia já é prática corrente entre os advogados brasileiros. De fato, quando há conflito de interesses, a negociação direta para se fechar os negócios é fato corriqueiro, seja para assuntos essencialmente nacionais, seja para os que envolvam algum elemento de extraterritorialidade. Do mesmo modo, a arbitragem e a mediação são bastante comuns atualmente e contribuem para soluções rápidas e ágeis quando os negócios assim demandam.

 

Talvez a maior novidade para os advogados brasileiros tenha sido, exatamente, o contato com alguns procedimentos perante organizações internacionais. Em realidade, a advocacia de outros países, notadamente a do Reino Unido e dos Estados Unidos, já estava bastante acostumada a este tipo de serviço jurídico. Nos primórdios da OMC, ficou famoso o caso em que um advogado de uma banca americana, munido de carta-procuração do primeiro ministro de um pequeno país, defendeu os interesses daquela nação, causando controvérsia – afinal, como se sabe, a possibilidade de se outorgar procuração para a defesa dos interesses de um país, em direito internacional público, não é admissível face à idéia de soberania nacional. Obviamente, estas bancas estão em grande simbiose com seus governos e, normalmente, contratam ex-funcionários do corpo diplomático para auxiliar nos casos.

 

Muito embora a representação de interesses diretamente numa organização internacional possa ser parte mais glamurosa deste contencioso, há muito trabalho logístico importante que pode e deve ser feito por advogados para auxiliar os seus clientes. Como as pessoas físicas e jurídicas não possuem capacidade de postular seus interesses diretamente nestas organizações internacionais, sendo necessária sempre a intermediação de algum país, a maior parte do trabalho do advogado consiste, nestas situações, na identificação de violações aos tratados da OMC e subseqüente apoio aos órgãos diplomáticos na formulação das estratégias. Note-se que o recente movimento de expansão das empresas brasileiras em direção ao exterior e o esforço exportador verificado nos últimos meses encontrarão, com grande probabilidade, obstáculos que podem ser removidos com a cooperação entre as bancas brasileiras e o Itamaraty, cooperação esta que já se iniciou a propósito. Deste modo, a atuação das bancas brasileiras deverá se focar, além das possibilidades de atuação direta na OMC, também no importante papel de apoio ao governo, pois a capilaridade da advocacia no meio empresarial permite a identificação fácil e rápida de problemas relacionados ao comércio exterior.

 

Portanto, os advogados brasileiros devem ter em mente que o novo campo de trabalho exigirá uma atuação profissional diferenciada capaz de atender às demandas dos clientes com transações internacionais. A mudança de padrão ocorrida, apesar de representar um desafio, não é, em absoluto, insuperável, pois os juristas brasileiros já demonstraram grande capacidade de adaptação em situações anteriores.

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*sócio e associado do escritório Xavier, Bernardes, Bragança, Sociedade de Advogados

 

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Atualizado em: 1/4/2003 11:49

Horacio Bernardes Neto

Horacio Bernardes Neto

Leopoldo Ubiratan Carreiro Pagotto

Leopoldo Ubiratan Carreiro Pagotto

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