O novo Código Civil e os juros de mora   Migalhas
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O novo Código Civil e os juros de mora

Mauro Caramico*

As novas disposições do Código Civil, acerca dos juros de mora, têm sido, paradoxalmente, o pesadelo dos bancos e dosimagem30-11-2021-11-11-54 tomadores; dos credores e dos devedores: os primeiros temem inserir, em seus contratos (e em seus balanços), cláusulas que prevejam a utilização dos novos critérios e, mais tarde, recebam a negativa, pelo Judiciário; os outros, temem que, doravante, passem a ser cobrados por critérios imprevisíveis, sem perdão.

O ponto central da celeuma é o novo artigo 406, que lê: “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

A parte final é a que causa incerteza: afinal, hoje, qual é a taxa de juros em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional?

Nos “Comentários” ao Novo Código, coordenados por Ricardo Fiúza, algumas luzes: “aqui, o novo Código inovou profundamente o direito anterior, ao substituir a taxa de juros fixa de 6% ao ano pela taxa que estiver sendo cobrada pela Fazenda Nacional pela mora nos pagamentos dos tributos federais.” A idéia, portanto, era inovar, substituindo uma taxa fixa, por uma taxa variável.

Não é, contudo, o que têm entendido alguns intérpretes: o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), no mês de setembro, do ano passado, por exemplo, firmou que “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês. A utilização da taxa do SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano.” (Enunciado nº 20).

Afinal, quais os juros aplicáveis 12% ao ano ou outra taxa, que cobre, ou venha a cobrar, a Fazenda Nacional ? É o que se busca resolver.

Diz o novo texto legal que os juros de mora serão equivalentes à “taxa que estiver sendo cobrada pela Fazenda Nacional pela mora nos pagamentos dos tributos federais”. A primeira pergunta, portanto, é esta – que taxa cobra a Fazenda Nacional?

As iniciais das execuções fiscais federais, assim como as certidões da dívida ativa que as instruem, são modelos pré-impressos, aos quais se acrescentam os dados específicos, eletronicamente. A Procuradoria da Fazenda Nacional de São Paulo, na inicial das execuções que ajuíza, pede, apenas, que a dívida seja “devidamente atualizada, acrescida de juros” etc..

E, na CDA, consta que a dívida está sujeita, até a data do seu pagamento, à atualização monetária e “aos juros de mora (Decreto-lei nº 2.323/87, art. 16, com as modificações do Decreto-lei nº 2.331/87, art. 6º; Lei nº 8.177/91, art. 9º; Lei nº 8.218/91, arts. 3o e 30; Lei nº 8.383/91, art. 54, parágrafos 1º e 2º; Lei nº 8.981/95, art. 84, I e parágrafo 8o (redação da MP 1110/95, art. 16 e reedições); Lei nº 9.065/95, art. 13 e MP 1.542/96, art. 26 e reedições”.

Na verdade, a Procuradoria historiou a composição dos juros, ao longo do tempo: a partir de 1987, cobrava-se “um por cento ao mês calendário ou fração” (artigo 16 do Decreto-lei nº 2.323/87, com a redação pelo Decreto-lei nº 2.331/87). A partir de fevereiro de 1991, segundo o disposto no artigo 9º, da Lei nº 8.177/91 (alterado pela Lei nº 8.218/91), exigiam-se juros de mora equivalentes à TRD acumulada (Taxa Referencial Diária, de triste lembrança). A partir de 1992, com a instituição da UFIR (Lei nº 8.383/91) os débitos para com a Fazenda Nacional voltaram a ser acrescidos de juros moratórios à razão de “um por cento, por mês-calendário ou fração”.

A partir de janeiro de 1995, já sob os auspícios do Plano Real, os juros passaram a ser calculados de acordo com a “taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Federal Interna”, com as ressalvas de que incidiram somente a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao do vencimento, e de que o percentual dos juros de mora relativo ao mês em que o pagamento fosse efetuado, seria de 1% (artigo 84, da Lei nº 8.981/95, com as alterações que lhe emprestou a Medida Provisória nº 1.110/95). E cumpria à Secretaria do Tesouro Nacional divulgar, mensalmente, a taxa fixada.

Pouco tempo depois, já a partir de 1º de abril de 1995, os juros passaram a ser equivalentes “à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente” (artigo 13, da Lei nº 9.065/95). A Medida Provisória nº 1.542/96 que, após algumas outras metamorfoses, transmudou-se na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, firmou, finalmente, que incidem, “a partir de 1o de janei-ro de 1997, juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic para títulos federais, acumulada mensalmente, até o último dia do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) no mês de pagamento.”

O que cobra a Fazenda, hoje, portanto, é a taxa do SELIC.

A segunda pergunta que se faz: o que é a taxa do SELIC, afinal?

Há um engano terminológico, inclusive na imprensa especializada: “SELIC” não é a taxa, é o sistema. Das operações realizadas dentro desse sistema, sai a taxa referencial do SELIC, que é, na verdade, a taxa média ponderada pelo volume das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e realizadas no âmbito do SELIC.

Ou, para simplificar ao máximo: a taxa do SELIC equivale a taxa de juros média que o Governo Federal paga, pelas suas dívidas. E por que aplicar-se-ia a taxa do SELIC, ao invés da taxa de1% ao mês, como sugere o CEJ/CJF? É a derradeira pergunta.

Reexaminemos as conclusões do CEJ/CJF:

a) o artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, diz que será de 1% ao mês, a taxa dos juros de mora, “se a lei não dispuser de modo diverso”. Mas, como se viu, legem habemus – e a lei dispõe de modo diverso. A Fazenda Nacional, afinal, não cobra, apenas, 1%, cobra a taxa do SELIC;

b) não parece que, para o devedor de boa-fé, seja necessário conhecer, de antemão, o exato percentual da taxa de juros de mora que pagará, se atrasar. Aquele que, por exemplo, aplica seu dinheiro em fundos (e na mais prosaica poupança, até) também não conhece que remuneração terá – e nem por isso, há insegurança, na contratação. Para a segurança do contrato, basta que saiba que o limite será a taxa do SELIC, cuja divulga-ção, certamente, será mais ampla, doravante;

c) a taxa do SELIC reflete juros. Não contém, na sua formulação, parcela de correção monetária, nem previsão de variação monetária. Por isso, se houver débito, deverá ser atualizado (segundo os índices pactuados) e, depois, acrescido dos juros de mora calculados de acordo com a variação da taxa do SELIC. É, aliás, o que faz a União: atualiza seus créditos de acordo com a variação da UFIR (artigo 61, da Lei nº 7.799/89, com a alteração da Lei nº 8.383/91) e, depois, acresce a taxa do SELIC;

d) não há incompatibilidade com o artigo 591, do novo Código, que trata de outra espécie de juros – os remuneratórios, contratualmente fixados. A limitação, neste caso, visa impedir a agiotagem, ao contrário da do artigo 406, do mesmo Diploma, que coíbe a mora e, ainda,

e) o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal, já se decidiu definitivamente, ainda depende de regulamentação ordinária. E naquele dispositivo, aliás, a referência que se faz é aos juros compensatórios, não aos de mora.

Poder-se-ia dizer, na outra mão, que à época da elaboração do Anteprojeto, em 1972, não se previa que a taxa de juros exigida pela Fazenda Nacional fosse variar tanto. Não é verdade: aliás, a intenção primeira do legislador era fixar os juros de mora de acordo com a “taxa bancária para os empréstimos ordinários”, do local do pagamento. Dada, contudo, a miríade de taxas que se cobram, prevaleceu a idéia de unificar o critério, estabelecendo a taxa exigida pela Fazenda Federal, como a mais consentânea.

De resto, não se pode perder de vista que a mora não é regra: é ilícito. E os juros de mora não servem, primariamente, para compensar prejuízos, mas para coibir o ilícito da mora.

Por isso, a taxa do SELIC, a partir de janeiro deste ano, passou a viger, em substituição aos prosaicos 6% ao ano, do antigo Código Civil – que, agora se percebe, talvez fossem uma das razões pelas quais a indústria da dívida, inclusive no Judiciário, cresceu tanto.

Manda a prudência que se ressalve: a conclusão, dada a novidade do tema, é sujeita aos sabores do porvir. E só será resolvida pelos pretores, na direção que aqui se apontou, se se ousar admitir que a lei, para este caso, mude o costume…

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*Escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos.

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Atualizado em: 1/4/2003 11:49

Mauro Caramico

Mauro Caramico

Advogado formado pela Faculdade de Direito da USP, em 1988 e licenciado em Letras, em 1987, pela FMU. Áreas de atuação: Direito Civil, especialmente Societário, Empresarial, Bancário e Ambiental.

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