Selo fiscal contra os fraudadores ?
Renato Poltronieri*
Diante dos noticiários sobre as parcerias entre os fiscos municipal, estadual e federal e a interconexão dos dados cadastrais dos contribuintes, particularmente das pessoas jurídicas, especial atenção à questão do combate à sonegação e fraude fiscal vem sendo dada pelo Estado de São Paulo, por meio da Coordenação de Administração Tributária da Secretaria Estadual de Fazenda.
Em que pese a dificuldade prática de se unificar, por exemplo, em um único número, os cadastros fiscais das esferas de tributação, especialmente pela existência de regras e peculiaridades distintas de concessão e manutenção dos cadastros fiscais, a integração dos governos por meio de suas administrações tributárias tem sido nos últimos cinco anos um fator de incremento no volume da arrecadação e um obstáculo maior contra os fraudadores.
Até o início da década de 90, a administração tributária no Estado de São Paulo, tomada como exemplo, era baseada no preenchimento de inúmeros formulários e protocolos dos mais variados. O excesso de papéis e a falta de informatização “punia” o contribuinte para recolher seu tributos e “beneficiava” o sonegador para fugir deles. Eram mais de 500 mil formulários a serem processados mensalmente, naquela época.
Nos últimos dez anos a transformação do modo de operação do fisco estadual proporcionou uma diminuição no número de formulários a serem impressos e protocolados pelo contribuinte, perfazendo uma “relação eletrônica” entre contribuinte e fisco, com uma fiscalização em condições de averiguar e confirmar informações cadastrais e informes de apuração e recolhimento com outros dados cadastrais do contribuinte, como os existentes nas fazendas municipal e federal, Vigilância Sanitária, CETESB etc.
Ao administrador tributário restou a tarefa de fiscalizar e aprovar as informações inseridas no sistema.
As portarias CAT (Coordenador da Administração Tributária de São Paulo) nº 92/98 e 38/00 implantaram esse sistema eletrônico de serviços fiscais, sob a denominação de Posto Fiscal Eletrônico (pfe).
A partir desse momento, o contribuinte, o contabilista, o agente fiscal e os demais órgãos públicos passaram a atuar perante a fazenda estadual mediante esse sistema eletrônico, agilizando a comunicação entre as partes, bem como interferindo naquela relação paradoxal de “dificultar” a vida do contribuinte pagador e “facilitar” a do contribuinte sonegador/fraudador.
Independentemente da existência de várias críticas ao funcionamento sistema eletrônico, ele possibilitou colocar os dados cadastrais e informações fiscais em permanente atualização pelo próprio contribuinte, ao mesmo tempo de seus acessos ao sistema para cumprir com suas obrigações tributárias, passando a ser o responsável pela inserção e manutenção regular de seus dados cadastrais.
Diante desta nova forma de controle fiscal, ainda persistem muitas dúvidas com relação à regularidade cadastral das empresas e aos documentos fiscais emitidos por elas, particularmente as Notas Fiscais, nas operações comerciais. Chegando em muitos casos aprovocar prejuízos para o contribuinte inadvertido.
O Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo (RICMS/SP), aprovado pelo Decreto estadual nº 45.490/00, considera documento fiscal hábil, para efeitos de lançamentos tributários fruto das transações comerciais, dentre outras exigências regulamentares, o que seja emitido por contribuinte em situação regular perante o Fisco (art. 59, §1º, item 3).
No próprio Regulamento do ICMS/SP encontra-se a definição de contribuinte em situação regular perante a administração tributária como sendo aquele que, à data da operação ou prestação, (i) esteja inscrito na repartição fiscal competente, (ii) se encontre em atividade no local indicado e (iii) possibilite a comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais indicados em seu cadastro (art. 59, §1º, item 4).
Como comprovar a regularidade cadastral das partes em uma operação comercial? Ainda que uma “consulta cadastral eletrônica” possa ser feita rapidamente pelas partes envolvidas, concluída a operação, o fisco poderá ainda considerar infração relativa ao crédito do imposto ou a saída de mercadoria, por exemplo, quando forem baseados emdocumento fiscal (Notas Ficais) considerado inábil.
Não há disposição expressa na legislação do Estado de São Paulo (Leis nºs 6.374/89 e 9.359/96, e Decreto nº 45.490/00), de como o contribuinte pode afastar uma eventual caracterização de infração com base em documento fiscal considerado inábil. Contudo, existem algumas decisões favoráveis aos contribuintes prejudicados por Notas Fiscais tidas como irregulares, desde que comprovem materialmente o ocorrido, cujos requisitos para essa comprovação da “verdade real” variam conforme o caso.
A situação pode parecer incongruente para o contribuinte regularmente cadastrado, mas o risco existe mesmo para as melhores organizações empresariais e controladores contábeis, e as penas são duras, podendo acarretar por exemplo multa de ofício, sem prejuízo do recolhimento do imposto, quando houver, com juros de mora desde o primeiro dia do mês subseqüente no qual o tributo se tornou devido, e da anulação da respectiva escrituração, quando o contribuinte autuado não conseguir comprovar a regularidade da operação.
Diante desse contexto de operações envolvendo notas fiscais consideradas “frias” ou “irregulares” pelo fisco, a Fazenda do Estado de São Paulo promete iniciar uma operação de combate à essa situação instituindo o “Selo fiscal” que acompanhará todas as notas fiscaispostas em circulação.
O “Selo fiscal”, que ainda não foi instituído legalmente pela administração tributária do Estado, promete-se, será feito em papel especial, com marca d’água, controle numérico e assinatura digital.
Instituído o sistema de “selos”, segundo o que se planeja para sua operação, o contribuinte encomendará os talonários diretamente para uma gráfica, previamente e devidamente registrada pelo fisco, que somente emitirá os talonários mediante uma autorização “on-line”, perfazendo, em princípio, uma conexão da numeração da Notas Fiscais impressas com a numeração dos “selos” recebidos para serem apostos nelas.
Segundo o pretendido pela administração tributária estadual, esse sistema possibilitará um controle instantâneo na fiscalização das Notas Fiscais. Além das demais exigências fiscais pertinentes à operação, por onde as Notas Fiscais passarem, as informações contidas nelas como a origem, o destino e a regularidade cadastral das partes poderão ser cruzadas e confirmadas.
A revisão do sistema tributário estadual, com as modificações apresentadas, pode ser considerada como uma transformação imprescindível na presença do atual nível de negócios existentes, porém será o “Selo fiscal” a alternativa que faltava para o fisco diminuir as fraudes fiscais e a sonegação do tributo?
Em tempos de “pfe” e operações “on-line”, a utilidade do “Selo fiscal” deverá ser materialmente comprovada para que não se torne mais uma obrigação ao contribuinte que, indistintamente, cumpre com a legislação.
___________________*Advogado do escritório Demarest e Almeida, especialista em Direito Público; Mestre em Direito Constitucional, Político e Econômico; Formado em História pela UNESP; Assessor especial da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina IV da OAB/SP, Professor Universitário e autor dos livros “Discricionariedade do atos administrativos e a ambigüidade da norma jurídica positiva”, e “Lições preliminares de lógica formal e jurídica”, ambos pela Editora Juarez de Oliveira.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49
Renato Poltronieri
Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados.