A pensão alimentícia no Direito brasileiro
Antônio Ivo Aidar*
Diz o artigo 396 do nosso Código Civil, serem os alimentos devidos entre os parentes, enquanto o artigo 399 do mesmo diploma legal, afirma que o parente quando precisar, poderá pleiteá-lo daquele com condições de prestá-los. Porém, o cônjuge não é parente, mas “afins”, soando-nos como segregativo o dispositivo retro narrado que não faz menção ao direito recíproco de pedir alimentos entre marido e mulher, ou companheira e companheira.
Por outro lado, foi o cônjuge contemplado com direito aos alimentos, de forma objetiva, no artigo 231, inciso III do Código Civil e no artigo 4º da Lei nº 5.478/68, sendo que, doutro modo, os companheiros receberam o primeiro aceno dos seus direitos à pensão alimentícia com a edição Lei nº 8.971/94, tendo a matéria se consolidado na promulgação da Lei nº 9.278/96.
Em nossa doutrina distinguem-se dos tipos de obrigação alimentar. A principal e mais aplicada é aquela em que são devidos os alimentos de natureza civil, e a outra onde a prestação de alimentos terá o caráter natural.
Adentrando na seara dos alimentos naturais, tem-se por definição serem os mesmos aqueles devidos entre os colaterais, mais precisamente entre tios e sobrinhos, com laços de parentesco até o quarto grau. Contudo, por possuírem menor incidência em nossos Tribunais, tratando-se de casos mais raros e específicos, declina-se de maiores comentários neste breve relato, o qual por excelência o enfoque dos alimentos civis, sua definição, especificação e diretrizes processuais práticas e legais.
Nesta esteira, entendem-se por direitos aos alimentos civis aqueles devidos entre ascendentes, descendentes e cônjuges, compreendendo-se na obrigação alimentar todas as necessidades que o(a)(s) alimentário(a)(s) tiver(em), tais como vestuário, lazer, despesas escolares, convênio médico, alimentação, medicamentos, etc. Para ser mais preciso, aplica-se no caso vertente o inserto no artigo 400 do Código Civil, que fala da obrigação do alimentante em proporcionar ao credor da pensão o mesmo padrão de vida que anteriormente possuía. Assim, havendo separação do casal, os filhos deverão ver fixada uma pensão que lhes proporcione o mesmo padrão de vida que seus genitores, ou pelo menos um deles, continuará a desfrutar.
Nunca será demais lembrar, estar estampado no corpo da Lei nº 6.515/77, mais precisamente em seu artigo 20, a obrigação comum do marido e da mulher em sustentar sua prole, sendo lógico que a colaboração para tal mantença deverá ser de acordo com as possibilidade de cada um dos genitores.
Embora a Lei nº 5.478/96 fale que os alimentos são devidos pelos pais aos filhos até que esses atinjam a maioridade, nossa jurisprudência e doutrina fincou uma posição que deleta tal entendimento. Hoje já se proporciona ao filho que cursa escola superior o direito de ser pensionado até que conclua o curso, ou, complete vinte e quatro anos de idade. Pessoalmente, sou da corrente favorável ao pensionamento dos filhos que cursem Pós-Graduação ou façam residência médica, até que estes completem pelo menos 27 (vinte e sete) anos de idade.
Neste tópico, saliente-se, por indispensável, que para os filhos portadores de deficiência e impossibilidade de exercerem atividade profissional, os alimentos de natureza civil serão devidos durante todo o lapso temporal em que a deficiência e/ou incapacidade perdurar.
Por sua vez, quanto aos alimentos devidos entre cônjuges e conviventes, cabe ressaltar que quando um deles não exerça atividade remunerada, ou sendo esta remuneração insuficiente para a manutenção do mesmo padrão de vida que tinha quando casado ou vivendo em união estável, deverá o hiposuficiente receber até que consiga se estabilizar no mercado de trabalho, uma pensão a ser paga pelo hiposuficiente que lhe proporcione um nível de vida semelhante àquele a ser desfrutado pelo ex-marido/mulher ou companheiro(a). Mais uma vez será imperioso que os olhos se voltem para o artigo 400 do Codex acima noticiado, tendo sempre como lastro na fixação dos valores o binômio possibilidade e necessidade.
Na avaliação da pensão devida à ex-mulher ou marido, ex-companheira ou companheiro, será levada em conta a idade dos mesmos, seu grau de instrução, suas possibilidades no mercado de trabalho e, até mesmo, se agiu com culpa na separação do casal. Inclusive, quando for elevada a idade do (a) alimetário(a), estando o mercado de trabalho a lhe fechar as portas, restando-lhe somente o socorro da economia informal, a pensão deverá sempre ser fixada de maneira e pelo tempo necessário a proporcionar o mesmo padrão de vida que levava quando da mantença do casamento ou da união estável.
Os alimentos também podem ser pleiteados pelos ascendentes, já extenuados pela longa marcha da vida, que estando em dificuldades poderão pleitear de um, ou de todos os seus filhos, uma pensão que lhes proporcione um padrão de vida parecido com aquele por eles, descendentes, cotidianamente usufruído. Nesse caso, o filho com maior poder aquisitivo deverá pagar um valor maior do que aquele pago por seus irmãos, com maiores dificuldades financeiras.
Na mesma esteira, caberá aos netos, após fixada a pensão devida pelos seus genitores, com trânsito em julgado, pleitear dos avós paternos e maternos que esses lhes complementem o pagamento da pensão, ficando certo que cada um dos ascendentes pagará ao seu descendente neto, um valor condizente com sua capacidade econômica. A pensão devida pelos avós aos netos tem caráter de alimentos suplementares e também são de natureza civil.
No que concerne ao quantum e modo de fixação dos alimentos, em se tratando de alimentante assalariado, a pensão será fixada com base em um percentual de seus ganhos, descontando-se diretamente em folha de pagamento. O percentual devido varia de caso a caso, não sendo regra a fixação no valor equivalente a 1/3 (um terço) dos ganhos do alimentante, como muitos pensam e fazem crer.
Quando o alimentante não for assalariado e sim um profissional liberal, suas posses serão aquilatadas pelos sinais exteriores de riqueza. Neste caso, para a fixação dos alimentos leva-se em conta a residência da família, os carros que possuem, os colégios onde os filhos estudam, as viagens de lazer, as roupas que compram, os restaurantes que freqüentam, entre tantas outras evidências que podem ser comprovados por meio de fotos, ofícios à DRF, às operadoras de cartões de créditos, DETRAN, entre outros.
Assim, será inadmissível ao devedor de alimentos que exerça profissão liberal e tinha um alto gasto mensal com a sua família, devidamente comprovado, pretender logo em seguida à separação, tentar fazer sua prole e cônjuge sobreviver com valores em patamares muito inferiores e não condizentes com a realidade fática. Efetivamente, é lógico que com a divisão da família todos sofrem uma queda no padrão de vida, porém, esta diminuição não pode e não deve atingir somente um dos pólos da relação.
No que tange à renúncia dos alimentos pelos cônjuges, embora a Súmula 379 do Supremo Tribunal Federal afirme serem os alimentos irrenunciáveis, não comungo com esse entendimento. Em minha opinião, havendo renúncia na separação ou divórcio do casal, a sentença que homologá-la somente perderá sua eficácia no caso de ser rescindida, por meio de ação própria, a qual deverá ser proposta no prazo máximo de dois anos contados da sentença que homologou a “desistência” dos alimentos.
Com efeito, se após a renúncia o cônjuge que tinha condições de prestar alimentos assume novos compromissos com base na desobrigação alimentar, é injusto que anos após seja surpreendido com uma fixação alimentar, colocando em cheque todo um projeto de vida traçado após o fim da união conjugal.
O direito de alimentos dos filhos, estes sim são irrenunciáveis, ficando despida de qualquer valor uma estipulação em contrária feita por seus genitores ou por eles próprios, quer em juízo ou fora deste.
Porém, quando na separação judicial, divórcio ou documento que coloque um ponto final na união estável, se estipule a desistência dos alimentos, e não renúncia, estes poderão ser novamente pleiteados, desde que se prove a necessidade de um e a possibilidade do outro.
No mais, cediço é que o direito aos alimentos não transita em julgado. Melhor dizendo, ele pode sempre ser revisto, nos exatos termos daquilo que vem encartado no artigo 401 do Código Civil e no artigo 15 da Lei nº 5.478/68.
Outrossim, para que se busque um acréscimo ou diminuição na pensão fixada, é necessário que se prove de forma efetiva uma melhora ou piora nas possibilidades do devedor da pensão alimentícia. No caso concreto, pode-se pleitear aumento da pensão à vista das diferentes necessidades do alimentários, levando-se em consideração ter sido ela fixada, por exemplo, quando os filhos ainda tinham pouca idade e faziam menos exigências. Afinal, tendo os anos passado, a prole passa a gerar um gasto muito superior. Assim, nessa hipótese, ainda que não tenha aumentado a fortuna do provedor, fazendo-se prova de suas possibilidades, o valor da pensão deverá ser revisto pela modificação das necessidades.
Outro assunto que merece destaque por ser atual, é aquele atinente ao grande contingente de ações revisionais de alimentos propostas nos últimos anos, por homens da classe média, com o objetivo de ver reduzido o valor da pensão alimentícia, considerando que esta casta social presencia desde o advento do Plano Real, um emergente achatamento de suas posses, com milhares de ex-executivos desempregados ou se acomodando no seio da economia informal.
Nesses casos, a prova que se faz das viagens e do padrão vivido até poucos anos passados, não deve servir de parâmetro para a negativa do pleito revisionista. Infelizmente a decadência das posses na classe média é um fato real e o Poder Judiciário não pode e não deve fazer “ouvido de mercador” para esta nova realidade.
Ainda que em breves pinceladas, buscamos postergar uma mínima noção dos casos onde são devidos alimentos de naturezas civil, isto é, de acordo com as necessidades de quem recebe e as possibilidades daquele que é o prestador. Entretanto, tudo dentro do direito de família é passível de ser apreciado em caráter isolado, ficando assentado que nesta rápida síntese da matéria procurei traduzir aquilo que ocorre dentro da regra geral. Assim, jamais seria insano de não avaliar que cada caso poderá merecer um desfecho diferente dos termos que vêm estampados na letra fria da lei.
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* sócio do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar – Advogados e Consultores Legais e conselheiro da OAB
** O presente artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49