A experiência européia na regulação do setor de telecomunicações   Migalhas
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A experiência européia na regulação do setor de telecomunicações

 

André Mota*

 

imagem02-12-2021-00-12-57O setor das telecomunicações brasileiro começa a revelar sinais de maturidade. Com níveis apreciáveis de competência na maioria dos segmentos do mercado, o setor encontra-se numa fase de consolidação, se integrando vertical e horizontalmente na cadeia de valor. Assiste-se ao lançamento de novos serviços e tecnologias que diluem cada vez mais as fronteiras entre as indústrias das telecomunicações, tecnologias de informação e mídia.

 

A presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já sublinhou a necessidade de adaptar o modelo regulatório ao novo ambiente tecnológico e de mercado. Operada a transição de um monopólio para um mercado competitivo e estendida a universalização dos serviços de telecomunicações básicos, o atual modelo regulatório começa a revelar-se esgotado.

 

Desregulamentar gradualmente serviços em que a competição é maior, tais como a telefonia móvel, torna-se um novo objetivo de política regulatória.

 

Na União Européia, a desregulamentação do setor já é uma realidade. Em resposta aos desenvolvimentos tecnológicos e de mercado verificados, entrou recentemente em vigor na União Européia um “revolucionário” quadro regulamentar para as comunicações eletrônicas (Pacote Telecom), consubstanciando uma virada conceitual profunda na regulação do setor que simplifica enormemente o acesso à atividade de oferta de redes e serviços de comunicações eletrônicas, cobre sobre o mesmo chapéu regulamentar virtualmente todos os serviços e redes de comunicações eletrônicas sujeitas à exploração comercial, reduz a regulamentação setorial e atualiza o conceito de serviço universal para incluir o acesso eficiente à internet.

 

Muito provavelmente, tais tendências regulatórias marcarão o debate sobre a reforma regulatória no Brasil. A sujeição de todos os serviços e redes de comunicações eletrônicas a um quadro regulamentar único para todas as redes e serviços de comunicações eletrônicas e recursos traduz a adoção plena do princípio da neutralidade tecnológica, corolário da forma como se antecipa que evolua o setor, numa convergência crescente de diferentes plataformas e serviços de comunicações. O objetivo é evitar que determinado tipo de rede de comunicações eletrônicas possa usufruir de vantagens competitivas sobre outros tipos de redes em função da carga regulatória aplicável, do que resultariam indesejáveis distorções no normal desenvolvimento do mercado.

 

Atenta à maior competição no setor, a União Européia adota uma “light hand approach” à regulamentação, atribuindo um papel preponderante ao livre jogo das forças de mercado como organizador do setor em detrimento da regulamentação setorial. Ou seja, verifica-se uma aproximação gradual aos princípios gerais do direito antitruste como reguladores primordiais do mercado.

 

Trata-se da substituição gradual de um modelo de intervenção regulatória pró-ativa ou pró-competitiva, visando a introdução da concorrência, por um modelo de intervenção reativo, visando evitar os abusos de poder e práticas anticoncorrenciais no mercado. Isso não significa que as obrigações regulamentares impostas aos operadores com posição dominante (na União Européia, poder de mercado significativo) em determinado mercado relevante desapareçam como fumaça com a entrada em vigor do Pacote Telecom. No entanto, as agências reguladoras são obrigadas a analisar os níveis de competência efetiva nos diferentes mercados relevantes e determinar a manutenção, alteração ou supressão das obrigações regulamentares existentes. Sempre quando um mercado se revele suficientemente competitivo, as obrigações regulamentares desnecessárias deverão ser suprimidas (“sunset clause”).

 

Sublinhe-se que a definição dos diferentes mercados relevantes e a análise da competência efetiva será feita de acordo com os princípios e métodos do direito antitruste comunitário, tendo a Comissão Européia publicado uma recomendação identificando diferentes mercados de atacado e varejo de serviços de telecomunicações eletrônicos, bem como linhas de orientação para a análise e avaliação do poder de mercado significativo que deverão ser levadas em conta pelas agências reguladoras. Note-se que esta transição gradual da regulamentação setorial para o direito antitruste sempre suporá uma forte cooperação entre as agências reguladoras setoriais e as autoridades antitruste, o que – tal como no Brasil – se antecipa à problemática. No entanto, o tratamento do setor das telecomunicações, como qualquer outra atividade econômica, é o objetivo deste quadro regulamentar que encerra no seu ventre o seu próprio fim. Serão no futuro as agências reguladoras meras secretarias de instrução das autoridades antitruste?

 

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* Advogado do escritório Veirano Advogados

 

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Atualizado em: 16/1/2004 08:21

André Mota

André Mota

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