A solução de litígios através da mediação   Migalhas
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A solução de litígios através da mediação

 

Mariza A. Marques de Sousa*

 

imagem02-12-2021-18-12-17A crise atual do Judiciário brasileiro, agravada com os amplos noticiários sobre a operação Anaconda, envolvendo negativamente magistrados, policiais, advogados e outras autoridades, nos faz refletir sobre a urgente necessidade de se incrementar o instituto da mediação, objetivando não só  a solução  pacífica de controvérsias nos moldes preconizados pela Constituição Federal, mas sobretudo, uma justiça que se apresente efetivamente mais justa e amplamente satisfatória, eis que ditada pelas próprias partes envolvidas no conflito.

 

A  mediação  desponta no cenário nacional como um meio rápido e eficaz da solução de litígios e  merece ser difundida, não só pelo seu tom pacificador, mas sobretudo porque conscientiza as pessoas sobre a  sua própria responsabilidade na administração e solução da relação conflituosa ao invés de submetê-la para a decisão de um terceiro, seja ele juiz ou árbitro.

 

A cultura adversarial arraigada em nossos costumes  nos conduz a buscar a proteção estatal para a defesa dos nossos direitos, a utilizar o órgão jurisdicional, muitas vezes até mesmo  de má-fé, ameaçadoramente, tão só para satisfação de vaidades. O resultado da incompetência dos litigantes em resolver seus próprios problemas, é assoberbar ainda mais um judiciário já atulhado de processos, com dezenas de milhares de recursos pendentes, com sentenças dadas “por atacado”, como noticia a imprensa. Sem dúvida, o excesso de demanda e os inevitáveis formalismos do processo, podem prejudicar a apreciação da verdade real que, embora colimada, nem sempre consegue ser exposta nos autos de forma clara e inequívoca para conduzir ao justo deslinde da causa. Cada conflito traz, em seu bojo, a própria história que, não  resolvida em sua origem (a verdade formal é que prevalece no processo) vai se perpetuar no tempo, gerando novos conflitos. A consequência óbvia é o transtorno permanente da sociedade,  pela falta de paz.

 

Ao delegar a solução de nossos conflitos para um terceiro, perdemos a chance de usar a arma mais  eficaz  que temos à  disposição para resolvê-los, ou seja, o nosso próprio poder de decisão. É exatamente este poder que, utilizado no procedimento de mediação, ensejará o equacionamento do litígio de uma forma mais humana, já que a  mediação  pressupõe a disposição de se abandonar a arena jurídica para adentrar num contexto cooperativo que poderá promover relações futuras mais produtivas e duradouras.

 

A experiência tem demonstrado que, quando as partes, com a ajuda do mediador, conseguem se mobilizar da sua intransigência inicial, afloram os seus legítimos interesses  que se encontram ocultados pelas suas posições.

 

Assim, longe do rigor das leis, do formalismo dos tribunais, das vicissitudes de um processo judicial, parece haver uma maior flexibilização do embate e o confronto cede lugar à cooperação na busca de uma solução para o caso.

 

Os conflitos são  inerentes à natureza humana. Mas, a proposta da mediação é propiciar às pessoas uma visão diferente do seu problema, ajudando-as a encontrar o caminho adequado para solucioná-lo com a diminuição do conflito emotivo e o encorajamento ao respeito mútuo. Buscam-se saídas possíveis que não são vislumbradas em um processo judicial,  até porque, neste, a prestação jurisdicional se exaure com uma sentença, que aplica a lei vigente e que, assim, de um lado, determina o culpado pela sua violação e, de outro lado, aponta o vencedor. Este binômio, vencedor/vencido, não existe em mediação, eis que as partes tendem a buscar soluções que lhe são satisfatórias e portanto, o acordo produzido através desse procedimento se torna operante e duradouro. A mediação é, sobretudo, um processo cooperativo, que diminui o conflito emotivo e os traumas ocasionados por um processo judicial. Explica-se: na mediação as pessoas entram voluntariamente com a disposição e o compromisso, até mesmo moral, de encontrar, para si próprias, soluções justas e que sejam de seu interesse, enquanto no processo judicial, nada lhes resta senão assistir passivamente o lento desenrolar do litígio, que deve ser submetido a ritos, prazos, perícias, provas, e a própria terminologia técnica dos processos, tantas vezes inacessível ao entendimento do leigo que, assim, fica totalmente a mercê de terceiros para entender a evolução de seu caso. Sem contar que os juizes, não obstante a boa vontade e até mesmo o dever de promover, antes de mais nada, a conciliação, nem sempre encontram tempo para isso, diante de suas pautas lotadas que não lhes permitem – nem é de seu mister   – exercer o trabalho minucioso de escuta, de investigação da origem do problema, de fomentar a inter-relação entre os litigantes objetivando a solidariedade de ambos na busca de soluções, que é a característica primordial  da mediação.

 

Pode parecer exagerada a apologia ao instituto da mediação, como se ele fosse a panacéia para os males do mundo. Embora tenha também a mediação os seus limites, a verdade é que, no mundo todo onde ela tem se sobressaído, como na Argentina, Chile, Canadá, Estados Unidos, sem falar, ainda, em países europeus, a experiência mostrou-a como altamente eficaz na solução de litígios e sugestiva de uma mudança de mentalidade e de comportamento considerada benéfica para as relações humanas.

 

O Brasil vem perseguindo essa ideologia e diversos movimentos se concentram para divulgar e implantar  a mediação no País. Nessa esteira, lembramos do Projeto de Lei sobre Mediação e Outros Meios de Pacificação elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e Escola Nacional de Magistratura que, em sua exposição de motivos esclarece a que vem, ou seja “institucionalizar a mediação extrajudicial voltada, ou trazida, ao processo civil, de modo a potencializar a possibilidade de resolução de controvérsias independentemente da intervenção do juiz estatal, o que tende a abrir mais espaço para a regularização dos serviços judiciários, com substancial diminuição do tempo de espera gerado pela sobrecarga de trabalho dos magistrados e, ao mesmo tempo, estimular a participação popular na administração da justiça e pacificar os litigantes”.

 

A pacificação dos litigantes é pois, a tônica que se busca através do instituto da mediação que vem encontrando excelente receptividade, inclusive nos próprios órgãos judiciais, haja vista o Plano  Piloto de Conciliação em Segundo Grau de Jurisdição, implantado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do Provimento n.º 783/2002 do Conselho Superior da Magistratura.

 

Certamente esse programa, que vem alcançando grande sucesso, objetiva minimizar os problemas decorrentes da superlotação de causas que envolvem o Judiciário atualmente, tornando-o mais ágil, mas, também, não se pode deixar de observar um importante detalhe inserido naquele Provimento, que revela uma preocupação muito maior do que simplesmente resolver o litígio. É que, ainda à mingua de lei que autorize a utilização da mediação, o Provimento trata da conciliação a que está autorizado o juiz a tentar a qualquer tempo (art. 125, IV do Código  de Processo Civil). Mas, sem dúvida, sua intenção foi valer-se da mediação, pois o objetivo final dessa conciliação como inserido em um de seus considerandos é “a pacificação das partes e não apenas a solução do litígio”. A intenção clara é de trabalhar o conflito, o que se consegue através da mediação, mobilizando as partes para descobrirem seus interesses e chegarem, pacificamente, à solução que entenderem mais adequada para estancar as suas controvérsias e preparar um futuro profícuo e livre de discórdia.

 

Vale mencionar que, muito provavelmente em razão do sucesso que o programa vem alcançando, o art. 9º desse Provimento 783/2002, foi alterado  pelo Provimento n.º 819, de 31.07.2003,  segundo o qual “nas apelações que derem entrada no Tribunal e não tiverem preferência na distribuição (§ 1.º do art. 405 do Regulamento Interno), o Vice-Presidente da respectiva seção proferirá despacho mandando intimar as partes para que se manifestem, no prazo comum de dez dias, se têm interesse na realização de audiência de tentativa de conciliação, que será designada de imediato, se houver assentimento de todos os interessados”.

 

Registre-se que, recentemente, através da Resolução n.º 03 de 17/12/2003, foi também criado o “‘Plano Piloto de Conciliação no Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo”.

 

A figura do mediador, então, torna-se de extrema importância, pois reveste-se de alguém que, a  par do pleno conhecimento das técnicas de mediação, tem que ter imparcialidade, credibilidade, discernimento, discrição, e sobretudo a capacidade de ouvir e captar na linguagem das partes, as suas reais intenções, os seus interesses, as suas motivações, de forma a transformar contextos, anular confrontos e promover entre os litigantes,  um  encontro onde se privilegiem a comunicação, a cooperação, o resgate da dignidade dos participantes, de forma que possam eles resolver o seu impasse e conviver após o conflito.

 

A diferença entre resolver um litígio no Judiciário e através da mediação está na própria essência dos institutos escolhidos: no judiciário predomina a postura adversarial  e, solicitado, o juiz deve proferir a sentença, de acordo com a ordem jurídica vigente. Haverá inocente e culpado. E, naturalmente, haverá as consequências materiais e morais advindas da imposição da sentença. Já, na mediação, não existe confronto e sim um procedimento  de  estrutura colaborativa com a produção de um acordo elaborado responsavelmente pelas próprias partes, tendo em vista  seus reais interesses  e tomando-se por base a melhor arma a seu dispor: o próprio poder de decisão.

 

É pois  com esta arma, que conseguiremos, através da mediação,  transmudar a cultura do litígio em cultura da pacificação, aspirada por todos para um mundo melhor.

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* Advogada

 

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Atualizado em: 29/1/2004 09:28

Mariza A. Marques de Sousa

Mariza A. Marques de Sousa

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