A lei estadual nº 11.243/02 e as alterações na lei de zoneamento industrial da região metropolitana de São Paulo
Werner Grau Neto
André Vivan de Souza*
I. – NOÇÕES GERAIS SOBRE O ZONEAMENTO INDUSTRIAL
1. – O zoneamento, em linhas gerais, consiste na definição territorial de áreas, seja no meio urbano ou fora deste, com destinação específica para determinado fim, nas quais há maior ou menor grau de restrição à interferência da atividade humana e ao uso da propriedade, com o objetivo de compatibilizar a conveniência social do desenvolvimento econômico com o mínimo de sacrifício ao meio ambiente e ao bem estar da sociedade.
2. – Em uma segunda análise, trata-se de um instrumento de ordenação, uso e ocupação do solo, que compreende em si três espécies distintas: o zoneamento ambiental, o zoneamento urbano e o zoneamento industrial.
3. – Dada sua especial relevância, o zoneamento, considerado em suas três espécies, foi elevado ao status de instrumento de consecução dos objetos da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, instituída pela Lei nº 6.938 de 31.8.1981, conforme estabelece o artigo 9º, II, da referida lei.
4. – A restrição da ocupação industrial na Região Metropolitana da Grande São Paulo, por conta de conceitos voltados à preservação do bem-estar social e da proteção ambiental, foi inicialmente disciplinada pela Lei Estadual nº 1.817 de 27.10.1978, em uma época crítica do desenvolvimento urbano desordenado, durante a qual se verificava altos índices de poluição atmosférica causada pelas industrias. Em seguida, porém com atraso, veio a Lei Federal nº 6.803 de 2.7.1980, a qual, em perfeita consonância com o tratamento dado à matéria pela lei paulista, instituiu as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nos centros densamente poluídos. Embora precedentes à PNMA e ao tratamento constitucional dado ao meio ambiente pela ordem jurídica em vigor a partir de 1988, tanto a lei federal como a lei paulista com estas se coadunam, fazendo do zoneamento industrial um mecanismo em harmonia com as demais disposições normativas atinentes à preservação do meio ambiente.
5. – No tocante precipuamente ao zoneamento industrial na Região Metropolitana de São Paulo, a Lei nº 1.817/78 estabeleceu critérios de classificação das zonas industriais e dos estabelecimentos e atividades destinadas a cada zona em função da “vocação ou especialização metropolitana” da atividade industrial. Para os fins dessa Lei, consideram-se de vocação metropolitana os estabelecimentos industriais que preencham ao menos uma das condições ali impostas. São elas: “I – necessidade de recursos humanos especializados; II – dependência do setor terciário metropolitano; III – dependência de alta tecnologia ou de insumos industriais de origem metropolitana, bem como de instalações de apoio produtoras de utilidades, existentes na Região Metropolitana; IV – absorção e transmissão de tecnologia; V – outras condições que vierem a ser determinadas pelo Conselho Deliberativo da Grande São Paulo – CODEGRAN, ouvido o Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande São Paulo – CONSULTI.”
6. – Apenas as empresas de vocação metropolitana, reza a lei, serão estimuladas a se instalarem na Região Metropolitana da Grande São Paulo. Para as indústrias que assim estiverem adequadas, foram criadas zonas de uso industrial, cada qual definida de acordo com a disponibilidade de infra-estrutura e características ambientais propícias à melhor absorção dos impactos decorrentes da atividade industrial e com vistas a compatibilizar tal atividade com o bem-estar da população. Tais zonas foram definidas como:
(i) zona de uso estritamente industrial – ZEI;
(ii) zonas de uso predominantemente industrial – ZUPI, subdividida em ZUPI-1 e ZUPI-2; e
(iii) zona de uso diversificado – ZUD
7. – Tal classificação não exclui e deve respeitar o zoneamento urbano e ambiental legalmente definidos, sob pena de não atingir a finalidade do zoneamento como um todo, que é a alocação ordenada das atividades e estabelecimentos para melhor conservação do meio ambiente e da qualidade de vida, sem desprezo ao desenvolvimento econômico.
8. – Visando agrupar os diversos tipos de atividades industriais de acordo com os respectivos graus de impacto para o meio ambiente, a citada Lei estipula ainda critérios de classificação dos estabelecimentos industriais (Quadro Anexo III) em razão da natureza das atividades a que se destinam, nos seguintes moldes:
“1. Ficarão enquadrados na categoria IN os estabelecimentos industriais nos quais houver processos de:
I – redução de minérios de ferro
II – beneficiamento e preparação de minerais não metálicos não associados em sua localização às jazidas minerais;
III – qualquer transformação primária em outros minerais metálicos não associados em sua localização às jazidas minerais excetuado o caso de metais preciosos.
2. Ficarão enquadrados na categoria IA os estabelecimentos industrias nos quais houver processo de regeneração de borracha.
3. Ficarão enquadrados na categoria IA os estabelecimentos industriais que liberarem ou utilizarem gases e/ou vapores que possam, mesmo acidentalmente, colocar em risco a saúde pública. O risco à saúde pública será verificado em função da toxidade da substância, da quantidade de gases e/ou vapores que possam ser liberados e da microlocalização do estabelecimento industrial.
4. Ficarão enquadrados na categoria IB/IC os estabelecimentos industrias nos quais houver processo de fundição de metais, ferrosos ou não ferrosos, sejam estes processos necessários ou não ao desempenho da atividade (caracterizada pelo gênero e subgênero do código da SFT) no qual está classificado o estabelecimento.
5. Poderão ser enquadrados na categoria ID, independentemente do gênero e subgênero do código da SRF que caracteriza seu tipo de atividade, os estabelecimentos industriais nos quais não seja processada qualquer operação de fabricação, mas apenas de montagem.”
9. – Sem embargo dessa classificação, o artigo 9 da mesma Lei esclarece que a classificação dos estabelecimentos em (i) IN e IA levam em conta apenas o tipo de atividade desempenhada, (ii) IB e IC distinguem-se entre si tão-somente em relação ao seu tamanho e (iii) ID leva em conta os critérios tipo de atividade e tamanho.
10. – Partindo desses critérios de classificação de zonas e estabelecimentos industriais, a Lei estabeleceu meios para (i) agrupar sob uma mesma infra-estrutura as atividades que possam requerer mais ou menos cautelas com a saúde pública e o meio ambiente, assim como (ii) para não prejudicar a qualidade de vida pela implantação de estabelecimentos industriais em meio a áreas sensíveis à poluição gerada.
11. – Pode-se criar a impressão de que a ordenação de atividades industriais por zonas daria ao empreendimento o direito de poluir mais ou o dever de poluir menos, respeitada a zona para qual aquela indústria foi enquadrada. Entretanto, o fato de se determinar a instalação de determinado estabelecimento em zona estritamente industrial, por exemplo, não significa que ali a indústria poderia poluir mais do que em outras zonas, porquanto, consoante as normas e princípios regentes do direito ambiental, as atividades de potencial degradação estão obrigadas à adoção e constante implementação de novos métodos de combate à poluição, sempre de modo a adequar a atividade poluidora aos parâmetros de qualidade ambiental1, sem prejuízo é claro do fato de que, ainda que adequadas à zona em que implantadas, devem as atividades potencialmente degradadoras atender ainda aos comandos legais de licenciamento ambiental e de controle de emissões poluentes.
II. – O QUE MUDOU COM A LEI Nº 11.243/02
12. – Não se pode perder de vista o contexto histórico em que entrou a vigor a Lei Estadual nº 1.817/78. Elaborada em época de preocupantes índices de poluição nos centros urbanos do Estado de São Paulo, a Lei Estadual, em seus artigos 15 e 19 impediu a instalação de indústrias classificadas como IN (basicamente associada à transformação de minerais – vide item 8 acima), cujo potencial de degradação seria em tese o maior entre todas as outras atividades, e restringiu a ampliação/alteração dos respectivos estabelecimentos e processos produtivos das indústrias instaladas antes da Lei em função da assertiva legal de que tais atividades não atenderiam à “vocação metropolitana”.
13. – Com o passar do tempo, a relativa eficácia do zoneamento industrial e as inovações tecnológicas na área de combate à degradação ambiental encorajaram o legislador estadual a alterar tal regra, permitindo a instalação de novas indústrias classificadas como IN na Região Metropolitana da Grande São Paulo, bem como a realização de alterações para incluir mecanismos preventivos indispensáveis, tais como o licenciamento ambiental. Além disso, houve ainda a parcial reorganização de atividades industriais nas respectivas zonas.
Confira-se:
COMO ERA ANTES
AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS
art. 15 Fica proibida na Região Metropolitana da Grande São Paulo, a implantação, a alteração do processo produtivo e a ampliação da área construído dos estabelecimentos industriais que, por serem incompatíveis com o interesse metropolitano, estão classificados na categoria IN, no Quadro III, anexo.
art. 15 Na implantação, alteração de processo produtivo e ampliação de área construída de estabelecimentos industrias com atividades classificadas como IN e IA na Região Metropolitana da Grande São Paulo, deverão ser adotados sistemas de controle de poluição baseados na melhor tecnologia prática disponível, de modo a garantir adequado gerenciamento ambiental das fontes estacionárias e preservação da qualidade do meio ambiente.
§ 1º – A alteração do processo produtivo desses estabelecimentos, regularmente implantados à data da publicação desta Lei, somente será permitida quando acarretar a redução de sua incompatibilidade com o interesse metropolitano e dependerá de autorização especial da Secretaria dos Negócios da Fazenda, concedida sem prejuízo da observância da legislação federal e estadual de controle da poluição do meio ambiente.
§ 1º – A adoção da tecnologia preconizada neste artigo será exigida no processo de licenciamento pelo órgão ambiental competente.
§ 2º – A ampliação da área construída desses mesmos estabelecimentos, regularmente implantados à data da publicação desta Lei, será autorizada quando, sem ela, a alteração do processo produtivo, permitida nos termos do parágrafo anterior, for inexeqüível.
§ 2º – O órgão estadual competente poderá exigir, para os fins deste artigo, que o empreendedor apresente plano de controle que contemple avaliação ambiental de suas fontes estacionárias e dos seus sistemas de controle de poluição implantados, de forma a comprovar sua eficiência.
§ 3º No processo de licenciamento das atividades referidas no caput deste artigo, os empreendedores deverão comprovar, mediante o estudo de impacto ambiental exigido, a compensação das emissões de poluentes, resguardados os padrões de qualidade ambiental, considerando-se as empresas inseridas na mesma zona industrial onde se localiza o empreendimento, ou zona industrial contígua, ou ainda, em zona industrial próxima, a critério da Secretaria do Meio Ambiente.
§ 4º O licenciamento de novos estabelecimentos industriais e a ampliação dos existentes dependerão de alterações das condições do licenciamento dos estabelecimentos industriais que se comprometerem a reduzir suas emissões de poluentes.
§ 5º Serão levados em consideração, para efeito do disposto nos parágrafos anteriores, os planos e programas voluntários de gestão implantados pelo empreendedor, a partir de 1997, visando a melhoria contínua e o aprimoramento do desempenho ambiental, nos termos do § 3º do artigo 12 da Resolução 237, de 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
§ 6º Em qualquer das hipóteses previstas neste artigo e seus parágrafos será exigido o respectivo licenciamento, cujos estudos deverão contemplar, em capítulo próprio, o atendimento das condições estabelecidas na lei, resguardados os padrões de qualidade ambiental.
art. 19 Os estabelecimentos industriais, conforme as categorias em que se enquadrarem, de acordo com os critérios previstos no artigo 9º desta Lei e Quadros I e II, anexos, somente poderão localizar-se:
art. 19 Os estabelecimentos industriais, conforme as categorias em que se enquadrarem, de acordo com os critérios previstos no artigo 9º desta Lei e Quadros I e II, anexos, somente poderão localizar-se:
I – os enquadrados na categoria ID: fora de zona de uso industrial, em ZUD, em ZUPI-2, em ZUPI-1 ou em ZEI;
I – os enquadrados na categoria ID, fora de zona de uso industrial, em ZUD, em ZUPI-1, em ZUPI-2 ou em ZEI;
II – os enquadrados na categoria IC: em ZUPI-2, em ZUPI-1 ou em ZEI;
II – os enquadrados na categoria IC, em ZUPI-1, em ZUPI-2 ou em ZEI;
III – os enquadrados na categoria IB: em ZUPI-1 ou em ZEI.
III – os enquadrados na categoria IB, IA e IN, em ZUPI-1 ou em ZEI.
III. – CONCLUSÃO
14. – As alterações introduzidas pela Lei Estadual nº 11.243/02 são menos restritivas quanto à instalação de novas industriais, especialmente aquelas cujo potencial de degradação ambiental é maior.
15. – Todavia, em que pese a menor restrição às indústrias cuja atividade envolve essencialmente a transformação de minerais, o que poderia significar o aumento do risco de degradação ambiental, a nova Lei incorpora aspectos mais modernos e eficazes para a prevenção do dano ambiental, tais como o licenciamento obrigatório para instalação ou ampliação dos estabelecimentos industriais condicionada ao compromisso de redução de emissões, a obrigatoriedade da adoção da melhor tecnologia disponível a critério do órgão fiscalizador, aplicação de planos de controle e avaliação ambiental, medidas compensatórias das emissões de poluentes, entre outros.
16. – Esse foi o meio encontrado pelo Estado de São Paulo para conciliar o desenvolvimento econômico da Região Metropolitana pela criação de espaços destinados ao segmento industrial com potencial de degradação reputado mais significativo, sem, no entanto, elevar a poluição a níveis intoleráveis. Tal medida encontra-se mais adequada à linha de ação do desenvolvimento econômico e social sustentável traçada pela Constituição Federal e legislação ambiental, pois, sob a égide do princípio da prevenção, permite o desenvolvimento industrial de ramos potencialmente poluidores, porém dotados de tecnologia e recursos suficientes para assegurar o respeito aos parâmetros de qualidade ambiental, prestigiando ainda a ratio legis segundo a qual cabe ao órgão licenciador e fiscalizador integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, nos limites do exercício do poder discricionário que lhe confere a lei, estabelecer as exigências segundo as quais se concederá o licenciamento ambiental.
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1 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 10ª edição, Malheiros, pág. 189.___________________
* sócio e assistente de PINHEIRO NETO ADVOGADOS, integrantes da Área Contenciosa.
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49
Werner Grau Neto
Advogado e sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados
André Vivan de Souza
Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.