Acórdão   Migalhas
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Acórdão – Migalhas

Acórdão   imagem05-12-2021-23-12-27Regime de bens – Mutabilidade     Veja abaixo o acórdão do TJ/RS sobre a mutabilidade do regime de bens do casamento, que tem suscitado tanta polêmica na comunidade jurídica brasileira. No acórdão, que provavelmente é o primeiro precedente nacional acerca do tema, o ilustre desembargador Luiz Felipe Brasil Santos cita artigo de sua autoria veiculado no informativo Migalhas (Clique aqui).

 

PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA LAVRAR ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO ANTENUPCIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ALTERAÇÃO DE REGIME. DESNECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA. 1. Não tendo havido pacto antenupcial, o regime de bens do casamento é o da comunhão parcial sendo nula a convenção acerca do regime de bens, quando não constante de escritura pública, e constitui mero erro material na certidão de casamento a referência ao regime da comunhão universal. Inteligência do art. 1.640 NCCB. 2. A pretensão deduzida pelos recorrentes que pretendem adotar o regime da comunhão universal de bens é possível juridicamente, consoante estabelece o art. 1.639, §2º, do Novo Código Civil e as razões postas pelas partes são bastante ponderáveis, constituindo o pedido motivado de que trata a lei e que foi formulado pelo casal. Assim, cabe ao julgador a quo apreciar o mérito do pedido e, sendo deferida a alteração de regime, desnecessário será lavrar escritura pública, sendo bastante a expedição do competente mandado judicial. O pacto antenupcial é ato notarial; a alteração do regime matrimonial é ato judicial. 3. A alteração do regime de bens pode ser promovida a qualquer tempo, de regra com efeito ex tunc, ressalvados direitos de terceiros. Inteligência do artigo 2.039, do NCCB. 4. É possível alterar regime de bens de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002. Recurso provido.

 

 

Apelação Cível

Sétima Câmara Cível

Nº 70 006 423 891

Farroupilha

I. M. e I. M. M.

apelantes

Ministério Público

apelado

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos os autos.

 

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, prover o recurso.

 

Custas, na forma da lei.

 

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores José Carlos Teixeira Giorgis, Presidente, e Luiz Felipe Brasil Santos.

 

Porto Alegre, 13 de agosto de 2003.

 

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,

RELATOR.

 

RELATÓRIO

 

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – RELATOR – Trata-se da irresignação de ISALINO M. e IZABEL M. M. com a sentença que julgou extinto, sem julgamento do mérito, o pedido de alvará onde buscam autorização para que seja lavrada escritura pública de pacto antenupcial.

 

Sustentam os recorrentes que casaram em 14 de julho de 1979 e que optaram pelo regime da comunhão universal de bens, o que veio atestado pela certidão de casamento, embora não tenham celebrado o pacto antenupcial. Ou seja, a vontade das partes não foi atendida pela injustificável omissão do Sr. Oficial do Registro Civil, pois os serviços notariais e de registro são realizados no mesmo cartório. Pedem a reforma da sentença.

 

Lançou parecer o Dr. Promotor de Justiça acenando para a correção do decisum. E, com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer pugnando pelo provimento do recurso.

 

É o relatório.

 

VOTO

 

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – RELATOR – Estou acolhendo a pretensão recursal.

 

Todas as questões referentes ao casamento e, em especial, as referentes ao regime de bens no matrimônio, são de ordem pública e regidas por disposições de relativa rigidez.

 

O art. 230 do Código Civil de 1916 dizia, efetivamente, que o regime de bens é imutável e irrevogável, enquanto o art. 258 estabelecia que “não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”, sendo que o art. 256, inc. I, dispunha, taxativamente, ser nula a convenção acerca do regime de bens, quando não constasse de escritura pública.

 

O Novo Código Civil, por sua vez, também dispõe no art. 1.640 que “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”.

 

Sendo assim, mesmo que se possa admitir que a intenção dos apelantes fosse mesmo a de casar pelo regime da comunhão universal, ainda assim essa manifestação de vontade é absolutamente ineficaz, pois não houve pacto antenupcial formalizado. Nem mesmo o fato de ter constado na certidão de casamento que o regime de bens era o da comunhão universal pode conduzir a solução diversa, porquanto é nula a convenção quando não é feita mediante escritura pública.

 

Dessa forma, como não houve pacto antenupcial formalizado no momento próprio, o regime de bens do casamento dos apelantes era mesmo o da comunhão parcial, que é o regime legal, que vige no silêncio dos nubentes, como se de uma convenção tácita se tratasse ou, ainda, que vige de forma supletiva da vontade.

 

No entanto, sob a égide da legislação civil revogada, a situação posta nos autos não poderia ter outra solução senão a apontada pela sentença, pois o regime de bens era imutável e irrevogável (art. 231, CCB) e, portanto, não poderia ser alterado pela pretendida escritura pública.

 

É flagrante, pois que existe erro material na certidão de casamento dos apelantes já que, onde consta regime da comunhão universal, deveria constar regime da comunhão parcial. Ou seja, a despeito do que consta na certidão de casamento, a relação patrimonial do casal não é regida pelas disposições próprias do regime da comunhão universal.

 

No entanto, sob o influxo das novas disposições que cuidam do direito matrimonial, penso que outra deve ser a solução jurídica para a pretensão dos recorrentes, como bem aponta o lúcido parecer de lavra da culta Procuradora de Justiça Ângela Célia Paim Garrido, que peço vênia para adotar como razão de decidir, transcrevendo-o em parte:

 

“É viável a concessão do pedido dos recorrentes.

 

“O artigo 1.640 do Código Civil é expresso ao estabelecer que, em inexistindo convenção dos nubentes quanto aos bens, vigorará o regime da comunhão parcial.

 

“A adoção de regime de bens diverso do legal, a partir da vigência da Lei nº 6.515/77, pressupõe a elaboração de pacto antenupcial, através de escritura pública, conforme estabelece o artigo 1.640, parágrafo único, do Código Civil.

 

…………………………………………………………………………..

 

“(…) a inovação trazida pelo novo Código Civil, no parágrafo 2º do artigo 1.639, não mais prevê a imutabilidade do regime de bens:

 

“É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

 

“Nesse passo, argumenta-se que, tendo em vista a inovação legislativa, no sentido de facultar aos cônjuges a alteração do regime de bens após a celebração do matrimônio, não há razão para impedir que os recorrentes lavrem o pacto antenupcial que tem por objetivo sanar erro do oficial do Registro Civil. Ainda mais quando ficou bastante claro que o regime de bens escolhido pelos cônjuges foi o da comunhão universal de bens, expresso na certidão de casamento, sendo que a escritura somente não foi lavrada por erro do registrador.

 

“Trata a questão apenas da adequação da forma, vez que a vontade dos nubentes era de adotarem o regime de comunhão universal de bens, faltando o pacto antenupcial por falha do registro.

 

“Ao cabo, destaca-se que tal posicionamento encontra acolhida na jurisprudência:

 

“CASAMENTO CELEBRADO SOB O REGIME DA COMUNHÃO. AUSÊNCIA DE PACTO. RETIFICAÇÃO. Se os recorrentes optaram pelo regime da comunhão universal de bens (registrado na certidão de casamento como da comunhão), e somente não elaboraram o pacto antenupcial porque o oficial do registro desconhecia a Lei nº 6.515 e imaginava que ainda vigorava o regime da comunhão universal, evidente o erro de fato a justificar a retificação, para que seja averbado no assento de casamento o regime da comunhão universal de bens. Apelação provida para julgar procedente o pedido. (Apelação Cível nº70003109451, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rela. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 18/10/2001).”

 

“Ante o exposto, o Ministério Público opina pelo conhecimento e provimento do recurso.”

 

Como se infere do bem lançado parecer ministerial, a pretensão deduzida pelos recorrentes é possível juridicamente, consoante estabelece o art. 1.639, §2º, do Novo Código Civil e, mais do que isso, as razões postas pelas partes são bastante ponderáveis, estando o pedido formulado pelo casal suficientemente motivado e, além disso ficam ressalvados os direitos de terceiros.

 

Aliás, não é demais lembrar que o gênio de ORLANDO GOMES há muito já havia percebido a necessidade de se flexibilizar a norma legal e já explicava na sua obra de Direito de Família, que a imutabilidade do regime constituía uma segurança para os cônjuges e para terceiros, mas admitia que pudesse sobrevir alteração através de decisão judicial, em virtude de pedido fundamentado do casal, desde que não houvesse intuito de lesar terceiros, cujos direitos ficariam ressalvados… Argumentava, pois, o preclaro civilista: “que mal há na decisão de os cônjuges casados pelo regime da separação de bens o substituírem pelo da comunhão?”

 

Como se vê, o Novo Código Civil acolheu as lições do ilustre civilista. E mais: o caso concreto é assemelhado ao apontado na referência doutrinária, ou seja, cuida-se de alteração do regime de comunhão parcial para o de comunhão universal. E, de qualquer sorte, ficam ressalvados direitos de terceiros.

 

Em razão disso, tendo sido extinto o processo sem julgamento de mérito, estou desconstituindo a sentença para que o ilustre julgador a quo examine o mérito da pretensão deduzida, que tem suporte no art. 1.639, §2º, do Novo Código Civil.

 

Observo, ainda, que, sendo deferida a alteração de regime, desnecessário será lavrar escritura pública, sendo bastante a expedição do competente mandado judicial. É que o pacto antenupcial é ato notarial, enquanto a alteração do regime matrimonial é ato judicial.

 

ISTO POSTO, dou provimento ao recurso

 

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS -De acordo.

 

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Estou acompanhando o em. Relator. Entretanto, em face da relevância do tema abordado neste feito, gostaria de reportar-me aqui ao que já deixei consignado em singelo artigo publicado no SITE https://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=2295, oportunidade em que assim me manifestei:

 

“Os regimes matrimoniais de bens em nosso país eram até há pouco marcados pela característica da irrevogabilidade, consagrada no artigo 230 do Código Civil de 1916, segundo a qual, uma vez celebrado o casamento sob a égide de determinado regime, impossível seria sua posterior alteração, ressalvada a excepcionalíssima hipótese do artigo 7o, § 5o, da Lei de Introdução ao Código Civil, que contempla a situação do estrangeiro que venha a se naturalizar brasileiro.

 

No plano doutrinário, estavam divididos os entendimentos acerca da conveniência ou não de consagrar a mutabilidade como característica desse sistema, polarizando-se no debate ilustres autores (a favor: Orlando Gomes e Carvalho Santos; contra: Silvio Rodrigues e Caio Mário da Silva Pereira), fugindo ao objeto deste trabalho alinhar os ponderáveis argumentos favoráveis e contrários a cada tese.

 

Inovando profundamente na matéria, o Código Civil de 2002 subverte o sistema anterior, e passa a admitir a alteração do regime de bens no curso do casamento, nas condições postas pelo artigo 1.639, § 2o. Sinale-se que, desta forma, o ordenamento jurídico nacional, na linha das legislações mais recentes, faz com que a autonomia de vontade dos cônjuges, no que diz com o ajuste dos efeitos patrimoniais do casamento, amplie-se consideravelmente, não se manifestando apenas no momento anterior ao matrimônio, através da pactuação do regime de bens que adotarão ao casar – momento em que, pelo consagrado princípio da livre estipulação (art. 1.639, “caput”), poderão escolher (salvante as hipóteses em que é obrigatório o regime da separação de bens – art. 1.641, CC) o regime de bens que melhor lhes aprouver – como podendo vir a modificar, ante circunstâncias que a extraordinária dinâmica da vida venha a lhes apresentar, a escolha feita naquele momento precedente.

 

Entretanto, para que se viabilize tal modificação, diversos requisitos estão postos na lei.

 

Primeiro, o pedido deve ser formalizado em juízo, cautela que se mostra adequada, ante a relevância da medida, uma vez que visa resguardar tanto os interesses dos próprios cônjuges como de terceiros, evitando, quanto possível, possíveis abusos que, de outra forma, teriam melhor chance de prosperar. Nessa perspectiva, de todo recomendável que seja realizada audiência para fins de ratificação do pedido, ocasião em que o magistrado terá a oportunidade de, em contato direto com as partes, melhor aferir as verdadeiras razões do pedido, esclarecendo o casal sobre as conseqüências de sua nova opção.

 

No que diz com a intervenção do Ministério Público – embora admita controvertido o tema – considero-a necessária, ante o disposto nos artigos 1.105 e 82, II, do CPC, considerando que se trata de causa atinente ao casamento, não obstante de conteúdo meramente patrimonial. Ocorre que os dispositivos em foco não operam tal distinção, determinando que a intervenção se dê em atenção à natureza do instituto.

 

Deferida a alteração por sentença, isso basta para todos os fins, não sendo necessário lavrar escritura pública posterior, o que se caracterizaria como absurda superfetação, tendo em vista que a petição onde for postulada a modificação do regime de bens deverá conter todas as cláusulas do novo ajuste patrimonial, não sendo demais lembrar que o processo judicial, em sentido amplo, constitui um escrito público.

 

Além da averbação no assento de casamento, a modificação, para que produza efeitos com relação a terceiros, deverá ser levada a registro no Ofício de Imóveis do domicílio dos cônjuges, conforme determina o artigo 1.657 do novo Código, somente passando a produzir tais efeitos a partir da data desse assento. Na hipótese de já ter ocorrido o registro de um pacto antenupcial no álbum imobiliário – o que, segundo remansosa doutrina, deve ocorrer no primeiro domicílio conjugal -, e se encontre o casal agora em outro domicílio, impositivo novo registro, agora no domicílio atual, além de averbar-se no registro original a alteração levada a efeito, como também na matrícula de cada imóvel de titularidade do casal.

 

O Código não explicita se os efeitos da alteração serão “ex tunc” ou “ex nunc” entre os cônjuges (porque com relação a terceiros que já sejam portadores de direitos perante o casal, é certo que serão sempre “ex-nunc”, uma vez que se encontram ressalvados os direitos destes). No particular, considero que se houver opção por qualquer dos regimes que o código regula, a retroatividade é decorrência lógica, pois, p. ex., se o novo regime for o da comunhão universal, ela só será UNIVERSAL se implicar comunicação de todos os bens. Impossível seria pensar em comunhão universal que implicasse comunicação apenas dos bens adquiridos a partir da modificação. Do mesmo modo, se o novo regime for o separação absoluta, necessariamente será retroativa a mudança, ou a separação não será absoluta! E mais: se o escolhido agora for o da separação absoluta, imperiosa será a partilha dos bens adquiridos até então, a ser realizada de forma concomitante à mudança de regime (repito: sem eficácia essa partilha com relação a terceiros). Assim, por igual quanto ao regime de comunhão parcial e, até, de participação final nos aqüestos. Entretanto, face ao princípio da livre estipulação (art. 1.639, “caput”), sendo possível estipular regime não regrado no código, a mudança poderá, a critério dos cônjuges, operar-se a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória, caso em que teríamos a criação de um regime não regrado no CC.

 

Como segundo requisito, dispõe a norma que o pedido deverá ser formulado por ambos os cônjuges. Assim, inadmissível postulação unilateral, que, se formulada, deverá ser de pronto rejeitada, por carência de ação. Sinale-se que não é cabível pedido de suprimento judicial de consentimento para a alteração de que se trata.

 

A motivação e sua prova constituem a terceira condição do pleito, cabendo à jurisprudência, na análise dos casos concretos, fixar as hipóteses em que se permitirá a modificação pretendida. Penso, no entanto, que não deva ser por demais rígida a exigência quanto aos motivos que sirvam para justificar o pedido, caso contrário ficará esvaziada a própria finalidade da norma.

 

Não há que ter receio quanto a possíveis prejuízos que venham a ser causados a terceiros que já sejam detentores de direitos com relação ao casal, ou a qualquer dos cônjuges, uma vez que estão expressamente ressalvados os respectivos direitos. Logo, nenhuma eficácia terá contra eles a alteração produzida. Neste contexto, parece-me sem razão – por desnecessária a providência – o enunciado aprovado ao ensejo da Jornada sobre o novo Código Civil, levada a efeito no Superior Tribunal de Justiça de 11 a 13 de junho de 2002, no sentido de que a autorização judicial para alteração do regime de bens deva ser precedida de comprovação acerca da inexistência de dívida de qualquer natureza, inclusive junto aos entes públicos, exigindo-se ampla publicidade.

 

Não será possível a modificação do regime de bens daqueles casais que celebraram o matrimônio nas circunstâncias do artigo 1.641, incisos I, II e III, estando sujeitos, assim, ao regime obrigatório da separação de bens, salvante a hipótese de terem obtido a não aplicação das causas suspensivas, conforme previsão do parágrafo único do artigo 1.523, caso em que não se submeterão obrigatoriamente a esse regime, podendo, portanto, vir a alterar aquele que houverem escolhido. Interessante hipótese, no entanto, ocorrerá quando o casamento for celebrado com infração a causa suspensiva (art. 1.523) sem que tenha sido obtido beneplácito judicial (portanto, com adoção obrigatória do regime da separação de bens), vindo, mais tarde, ao longo do casamento, a desaparecer a causa suspensiva (v.g., um divorciado que não realizara a partilha e que venha depois a completá-la). Nesse caso, tenho que nenhuma razão haverá que impeça a mudança do regime de bens, uma vez desaparecido, por circunstância superveniente, qualquer potencial prejuízo a terceiro, o que é a justificativa que impõe aquele regime.

 

Por fim, parece estar desenhando-se na doutrina o entendimento de que o artigo 2.039 impede a incidência da nova regra com relação aos matrimônios celebrados anteriormente à nova codificação. Nesse sentido é a opinião de Maria Helena Diniz (in “Comentários ao Código Civil”, ed. Saraiva, vol. 22, 2003) e Leônidas Filipone Farrula Junior (in “O Novo Código Civil – Do Direito de Família”, coord. de Heloisa Maria Daltro Leite, Freitas Bastos Editora, 2002).

 

Penso, no entanto, que esse dispositivo, constante nas Disposições Finais e Transitórias, não tem o significado que lhe está sendo emprestado. Ao dispor que “o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior (…) é o por ele estabelecido”, claramente objetiva a regra resguardar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Isso porque ocorreram diversas modificações nas regras próprias de cada um dos regimes de bens normatizados no Código de 2002 em relação aos mesmos regimes no Código de 1916. Exemplificativamente: 1) no regime da separação de bens, não há mais necessidade de autorização do cônjuge para a prática dos atos elencados no artigo 1.647; 2) no regime da comunhão universal, não estão mais excluídos da comunhão os bens antes relacionados nos incisos IV, V, VI, X e XII do artigo 263 do CC/16; 3) no regime da comunhão parcial, não mais se excluem os bens relacionados no inciso III do artigo 269 do CC/16, mas passam a não mais comunicar os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (inc. VI do art. 1.659), expressamente excluídos antes pelo inciso VI do art. 271, sob a denominação de “frutos civis do trabalho, ou indústria de cada cônjuge, ou de ambos”.Como se percebe, alterações houve na estruturação interna de cada um dos regimes de bens e, não fosse a regra do artigo 2.039, a incidência das novas regras sobre os casamentos anteriormente realizados caracterizaria ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, uma vez que operaria alteração “ex lege”, independentemente da vontade das partes, no regime antes escolhido, expressa ou tacitamente, pelo casal. Frise-se que, em decorrência, os casamentos pré-existentes ao novo Código, regem-se pelas normas do respectivo regime de bens conforme regrado na lei vigente à época da celebração – ou seja, o Código Civil de 1916 – não sendo, dessa forma, alcançados pelas alterações trazidas na nova codificação.

 

Em conclusão, pode-se afirmar que a possibilidade de alteração do regime de bens no curso do casamento merece ser vista com otimismo, na medida em que permite maior flexibilidade ao casal quanto aos ajustes matrimoniais de bens, mas, de outro lado, exige redobrada cautela do Estado-Juiz no exame de cada caso, a fim de não consagrar lesão à parte hipossuficiente.”

 

Tenho que, na hipótese dos autos, não se trata de conceder autorização para lavratura agora de uma escritura de pacto antenupcial, pois não se pode cogitar de pacto antenupcial lavrado anos após a celebração do casamento.

 

É o caso, sim, de autorizar a mudança do regime de bens, o que, ressalvados direitos de terceiros: (a) pode ser efetuado a qualquer tempo, com efeitos retroativos à data da celebração do casamento, ressalvados direitos de terceiros; (b) pode ocorrer inclusive com relação a casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002; (c) independe, quanto à forma, da lavratura de escritura pública, bastando que, uma vez deferida pelo magistrado, seja expedido mandado ao registro civil; (d) para que obtenha eficácia “ex nunc” com relação a terceiros, indispensável seu registro no ofício imobiliário do domicílio dos cônjuges, o que deverá ocorrer igualmente por mandado judicial.

 

Com tais observações, estou acompanhando o em. Relator.

 

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS – PRESIDENTE – Apelação Cível nº 70 006 423 891, de Farroupilha.

 

“PROVERAM. UNÂNIME.”

 

JUIZ A QUO: Dr. Geraldo Anastácio Brandeburski Júnior.

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Por: Redação do Migalhas

Atualizado em: 12/9/2003 13:23

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