Aprovação por decurso de prazo no CADE   Projeto de Lei nº 6.955/02   Migalhas
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Aprovação por decurso de prazo no CADE – Projeto de Lei nº 6.955/02 – Migalhas

Aprovação por decurso de prazo no CADE Projeto de Lei nº 6.955/02

Camila Ieracitano M. Maia*imagem05-12-2021-06-12-30A lei brasileira de defesa da concorrência (Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 — “Lei de Defesa da Concorrência”), estabelece que qualquer ato que possa limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens e serviços, deverá ser submetido ao exame e aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Trata-se da regra geral para o controle de estruturas (atos de concentração), prevista no caput do artigo 54 da Lei nº 8.884/94.De acordo com a Lei de Defesa da Concorrência, uma operação pode ser submetida à apreciação do CADE por duas formas: (i) previamente à “realização” da operação; ou (ii) a posteriori, no prazo máximo de 15 dias úteis, entendido o termo “realização” como o momento em que a transação passa a produzir efeitos no mercado relevante considerado.Diferentemente de muitas legislações estrangeiras, a lei brasileira não vincula os efeitos do contrato à aprovação da operação pelas autoridades antitruste. E nem poderia ser diferente, pois mesmo operações simples podem levar muitos meses para obter a aprovação final. A estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que requer a análise sucessiva da operação pela Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda (SEAE/MF), Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça (SDE/MJ), da Procuradora Geral do CADE, do Ministério Público Federal e por fim do CADE, é baseada em critérios amplos para submissão, o que torna inviável que a operação dependa de aprovação para produzir efeitos.Justamente a fim de evitar os longos períodos de espera pela aprovação dos atos de concentração, a Lei de Defesa da Concorrência estabeleceu prazos para que a SEAE, a SDE e principalmente o CADE analisem a operação:

§ 6º – Após receber o parecer técnico da SEAE, que será emitido em até trinta dias, a SDE manifestar-se-á em igual prazo e, em seguida, encaminhará o processo, devidamente instruído, ao Plenário do CADE, que deliberará no prazo de sessenta dias. (Alterado pela Lei nº 9.021/2000)

Para que o prazo de análise tenha efetividade, a Lei de Defesa da Concorrência vinculou a possibilidade de apreciação da operação à observância do prazo de 60 dias concedido ao CADE:

§ 7º – A eficácia dos atos de que trata este artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo CADE no prazo estabelecido no parágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados. (Alterado pela Lei nº 9.021/1995)

A fim de que o CADE possa julgar os atos de concentração com todos os elementos que entender necessário, o § 8o do art. 54 da Lei de Defesa da Concorrência prevê que os prazos “ficarão suspensos enquanto não forem apresentados esclarecimentos e documentos imprescindíveis à análise do processo, solicitados pelo CADE, SDE ou SEAE”.Desde que a Lei de Defesa da Concorrência passou a vigorar, poucos foram os casos aprovados por decurso de prazo1. Um dos fatores que influenciam tal reduzido número está relacionado ao fato de a aprovação por decurso de prazo valer somente para a análise da operação pelo CADE, e não para os demais órgãos. Os prazos de trinta dias concedidos pela Lei à SDE e à SEAE se tornaram impróprios, ou seja, somente para fins internos e cujo descumprimento não provoca qualquer conseqüência.Apesar de ter seus efeitos limitados ao CADE, o disposto no art. 54, § 6o e § 7o vem sendo aplicado de forma efetiva. Recentemente, o CADE proferiu acórdão no ato de concentração nº 08012.002482/2002-85 que pode ser considerado um exemplo desse rigor: não obstante tenha sido aplicada a multa por intempestividade, a operação foi aprovada por decurso de prazo, pois, entre a entrada do processo ato no CADE e o julgamento verificou-se um período muito superior ao 60 dias (o julgamento ocorreu quase um ano depois)2.Os argumentos contrários à aprovação por decurso de prazo foram amplamente refutados tanto pelo Conselheiro Relator Luis Alberto Esteves Scaloppe quanto pelo voto de vista do Conselheiro Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer. De acordo com o voto de vista, o advento do tempo implicou a aprovação da operação, pois o “§ 7o. do art. 54 da Lei 8.884/94 encerra condição resolutiva para eficácia dos atos de concentração“. Assim, ao se verificar tal condição, “retroage a aprovação do ato à data de sua realização, eivando de nulidade quaisquer atos restritivos praticados após transcorrido o prazo“.O voto de vista discorre ainda sobre a absoluta impossibilidade de revisão da decisão que reconhece a aprovação por decurso de prazo. Citando FÁBIO ULHÔA COELHO, o voto de vista defende que “a aprovação por decurso do prazo não pode ser objeto de revisão, porque isso levaria à ineficácia da parte final parte final da norma contida no art. 54, § 7o. Ou seja, admitir a possibilidade de revisão de ato aprovado por decurso de prazo é o mesmo que não admitir essa modalidade específica de aprovação, contrariando frontalmente o previsto naquele dispositivo da lei antitruste3”.Tomando-se em consideração tanto o voto do Conselheiro Relator quanto o voto de vista, pode-se acreditar que a tendência do CADE atualmente é a de acolher de forma precisa as disposições do art. 54, § 6o e § 7o da Lei de Defesa da Concorrência. No entanto, para que se torne realmente efetivo, o decurso de prazo deveria ser de pronto reconhecido, ou seja, de forma automática, limitando em muito as possíveis discussões por ocasião do julgamento.Curiosamente, entretanto, projeto de lei que tramita atualmente no Congresso Federal ameaça eliminar da Lei de Defesa da Concorrência justamente o dispositivo que assegura a aprovação por decurso de prazo. Conforme matéria veiculada na Agência de Notícias da Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou, em 5/5/2004, o Projeto de Lei nº 6.955/02 (“Projeto de Lei”)4, que propõe a seguinte redação para os parágrafos 7o e 8o do art. 54 da Lei de Defesa da Concorrência:

“§ 7º A eficácia dos atos de que trata este artigo é condicionada à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização.§ 8º Os prazos estabelecidos nos §§ 6º e 7º poderão ser prorrogados, justificadamente, por igual período, uma única vez, e ficarão suspensos enquanto não forem apresentados esclarecimentos e documentos imprescindíveis à análise do processo, solicitados pelo CADE, SDE ou SPE.”

De acordo com o autor do projeto, Senador Pedro Simon, “é grande o número de fusões e incorporações de empresas na atualidade, tornando-se necessário ampliar o prazo de que dispõem os órgãos governamentais para apreciar tais atos e eliminar a possibilidade de aprovação dos mesmos por decurso de prazo.”5 Conforme argumenta o Deputado Marcos Cintra, “mais do que celeridade, o que se exige em tais casos são a profundidade da análise e a imparcialidade do julgamento, condições imprescindíveis ao exame de procedimentos de tal forma importantes e intrincados“6.Ressalte-se que, a fim de permitir um maior prazo para análise, o Projeto de Lei complementa a redação do § 8o do art. 54 da Lei de Defesa da Concorrência, que passa a determinar que os prazos estabelecidos para o CADE, SEAE e SDE, além de ficarem suspensos enquanto não forem apresentados esclarecimentos ou documentos imprescindíveis, poderão ser prorrogados por uma única vez, por igual período, desde que justificadamente.A eficácia do § 7o e § 8o, de acordo com a redação constante do Projeto de Lei, é duvidosa. Em primeiro lugar, porque a suspensão do prazo enquanto não forem apresentados documentos ou informações solicitadas pelos órgãos de defesa da concorrência já consta da atual Lei de Defesa da Concorrência, sendo instrumento suficiente para que o CADE possa julgar com o processo devidamente instruído. Pode-se vislumbrar que a prorrogação do prazo por mais 60 dias trará poucas alterações.De qualquer forma, ao suprimir a aprovação de atos de concentração por decurso de prazo prevista no § 7 do art. 54, o Projeto de Lei torna também o prazo concedido ao CADE impróprio, ou seja, apenas para fins internos. Não haveria qualquer conseqüência prática caso o CADE excedesse os 120 dias concedidos pela redação do Projeto de Lei, como já ocorre também com os prazos concedidos à SEAE e à SDE.Na realidade, a única conseqüência de tal Projeto de Lei seria permitir que se prorroguem os já longos períodos de espera pela aprovação dos órgãos de defesa da concorrência. Em que pese, conforme declaração do Deputado Marcos Cintra, deva ser assegurada a “profundidade da análise e a imparcialidade do julgamento“, a expressiva maioria dos atos de concentração submetidos ao CADE diz respeito a operações com pouco ou nenhum efeito sobre a concorrência no País, que merecem julgamento célere.Em relação às raras operações com efetivas conseqüências sobre a concorrência, o CADE tem à disposição instrumento mais que suficiente para que possa analisar o processo com todos os dados que desejar, que é a suspensão do prazo prevista no § 8o do art. 54 da Lei de Defesa da Concorrência. A prorrogação do prazo torna o processo mais inseguro e oneroso para as empresas e contraria a acertada tendência que vem sendo adotada pelos órgãos de defesa da concorrência de acelerar o processo de aprovação, principalmente nos casos mais simples.Do exposto, pode-se concluir que a consolidação do entendimento favorável à aprovação por decurso de prazo, ainda que apenas no CADE, favorece não só a maior celeridade como a maior segurança jurídica às partes envolvidas, que contam como definitivo para a decisão do CADE o prazo de 60 dias legalmente estabelecido. A aprovação do Projeto de Lei, na forma como concebido, por outro lado, nada agrega aos esforços para conferir maior celeridade ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.__________1 A esse respeito: AC nº 019364/96-81: “(…) decidindo, por economia processual, permitir a fluência do prazo e a automática aprovação”. AC nº 08012.007642/97-81: “(…) Independentemente das circunstâncias pessoais presentes do Relator, se levanta a questão já suscitada pelo Ilustre Conselheiro Antônio Fonseca, a saber: uma das formas que denominaria de passivas de acelerar decisões do CADE, em Atos de Concentração de análoga simplicidade, constituiria em simplesmente, deixar fluir o prazo não como sinal de desídia do Colegiado, mas como forma explícita de simplificação do julgamento. Desde que, por óbvio, presentes as condições deste processo: a unanimidade irrestrita dos pareceres a ilustrar o ululante mérito da aprovação dos contratos.2 Inicialmente, a Procuradoria Geral do CADE argumentou que o processo não estaria devidamente instruído, pois a SDE não teria determinado a publicação do ato de concentração no Diário Oficial da União. Algum tempo depois, por determinação do Conselheiro Miguel Tebar Barrionuevo, finalmente ocorreu a publicação. O curioso é que, ainda que o prazo fosse contado desde a publicação teria se verificado o decurso de prazo, já que o julgamento só ocorreu seis meses depois dessa data.3 “Coelho, Fábio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro: comentários à Lei 8.884/94, São Paulo, Saraiva, 1995, pg. 130″4 O Projeto de Lei teve origem em proposta do Senado Federal (PLS 139/2000), tendo sido apresentado em plenário em 11/6/2002. Em 22/11/2002 o deputado Marcos Cintra, relator da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), proferiu parecer pela aprovação, aprovado por unanimidade em 4/12/2002. Em 12/4/2004 foi proferido o parecer do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (deputado José Eduardo Cardoso), também pela aprovação, acolhido por unanimidade em 5/5/2004.5 in Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal (disponível em www.camara.gov.br)6 in “Decurso de prazo no CADE pode acabar”, notícia veiculada na Agência Câmara (disponível em www.camara.gov.br)_________________*Advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.© 2004. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOSimagem05-12-2021-06-12-30

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Atualizado em: 27/7/2004 11:16

Camila Ieracitano Maia Falkenburger

Camila Ieracitano Maia Falkenburger

Advogada.

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