Quando Falar Implica Problematizar
Jayme Vita Roso*
A recente declaração do digno Presidente do STF, Ministro Marco Aurélio Mello, de que a intocabilidade da aposentadoria de magistrados, se modificada, deveria sê-lo por revolução, agitou o mercado. Toda gente lúcida, neste País, sabe que o mercado é sinônimo da Casa de Irene, música que consagrou Sergio Endrigo, nos anos 60.
Ora, toda gente preparada – e há – também sabe que, muita vez, como transparece da História, a revolução significa evolução, não darwiniana, mas social. Inclusive, a própria democracia moderna origina-se da revolução literal.
Mas por que questionar a entrevista do Ministro Mello?
Há razões várias e tão variadas que encheriam páginas. Mas poucas cabe realçar.
A primeira é que a moderna democracia é simbólica. Seus matizes, que dão conforto à luta por ela, têm contorno em criações sensoriais que são difundidos pelos meios próprios, instantaneamente. Aliás, a própria essência desse regime implica em um diálogo permanente, participativo, para aperfeiçoá-lo, em qualquer quadrante, deste mundo, onde predomina o espírito bushiano. Pois os símbolos, nascidos, criados e desenvolvidos no inconsciente coletivo, podem ser marca distintiva do funcionamento aberto da democracia: ser juiz é um deles.
A segunda é que o lacaniano falar, enquanto tal, numa sessão de análise, num divã, num ambiente adequado; não se pode confundir com o falar, como símbolo, ou representante dele, que é tout court um dos três poderes republicanos.
A terceira é a prudência temperada com moderação. A entrevista foi concedida por um homem brilhante, hábil e preparado. Se avançou, sem peias, faltou-lhe ser prudente em avaliar as conseqüências do dito. Se não teve moderação, cumpre-lhe avaliar seu ato e reavaliá-lo, face aos eventos, sobretudo os seus efeitos econômicos.
Se o governo necessitava de um aríete para acabar com o “direito adquirido” da magistratura a entrevista foi a oportunidade para mostrar que há dois brasis: um que recebe uma aposentadoria integral com efeitos até retroativos; outro que tem seus proventos minguados, bastante reduzidos e até suprimidos.
O faux pas do ilustre magistrado deve ser registrado. Thierry Jean-Pierre, recordava, há um decênio, sobre a magistratura francesa: “a incúria dos sucessivos governos no domínio da justiça, a manipulação contínua da instituição judiciária, antes pela direita e depois pelos socialistas, fizeram sair alguém dentre nós (juízes) de sua reserva habitual. Pode-se desculpar ou se alegrar, mas é assim. A nós, os riscos e os perigos. (Lettre ouverte à ceux que les petits juges rendent nerveux, p./9, Albin Michel, Paris, 1994).
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* Advogado em São Paulo, escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos; Presidente da ONG Curucutu Parques Ambientais; e Conselheiro da Federação Interamericana de Advogados e do Instituto dos Advogados de São Paulo.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49
Jayme Vita Roso
Advogado.