Algumas considerações acerca da obrigatoriedade dos Juizados ...  Migalhas
Categories:

Algumas considerações acerca da obrigatoriedade dos Juizados …- Migalhas

Algumas considerações acerca da obrigatoriedade dos Juizados Especiais Cíveis

Cleiton Ayala Rosa*

1. “Pequenas Causas”: Aspectos preliminares

1. Na origem andou bem

imagem09-12-2021-16-12-39A iniciativa foi pioneira no RS, onde foram criados os Juizados de Pequenas Causas em 1982, na comarca de Rio Grande, impulsionado pelo Magistrado Antônio Guilherme Tanger Jardim, experiência inicial de sucesso que serviu de modelo para a instalação dos Juizados de Pequenas Causas em quase todo o Estado, bem como serviu de inspiração para a Lei dos Juizados Especiais Cíveis.

Os Juizados Especiais foram criados com o objetivo de resolverem pequenos conflitos, sendo que resolver no sentido de dar solução jurídica, não no sentido de uma eficácia real. As questões consideradas simples, as de “pequenas causas”, eram definidas sob o critério econômico do valor atribuído ao pedido inicial, esse critério definiria o conceito de causa simples e de menor complexidade.

O procedimento era regido pelos princípios da Simplicidade, Oralidade e Economia Processual que orientariam este rito especial das Pequenas Causas que priorizava sempre a conciliação entre as partes do que uma resolução do conflito.

Em 1995 foi criada a Lei Federal 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito nacional, lei que adveio de preceito Constitucional (art. 98, I) que previa a possibilidade de lei ordinária instituir os juizados Especiais, e assim o fez.

Agora com a vigência da Lei 9.099, pelos Juizados Especiais Cíveis (JEC’s) a parte pode formular seu pedido pessoalmente e oralmente perante as distribuições dos foros onde exista o “serviço”, sendo que nos pedidos com valor acima de 20 salários mínimos até o teto de 40, é obrigatória a assistência de um advogado, observando que esta nova lei manteve como prevalecente o critério econômico, o valor da causa, como fixador de competência jurisdicional.

Inicialmente os Juizados Especiais Cíveis (JEC’s) andaram bem, foram bastante utilizados pelos interessados, as audiências eram marcadas nas datas determinadas pela Lei, ou seja, 15 dias após a formulação do pedido na secretaria no caso da audiência conciliatória que, caso não houvesse o acordo, a audiência de instrução e julgamento deveria ser marcada nos próximos 15 dias subseqüentes daquela.

Também no princípio os processos eram julgados em tempo hábil ou, pelo menos, os julgadores cumpriam o prazo fixado para entregar/publicar as decisões como sugestões de sentenças em cartório (§ 1º do art. 19 c/c art. 52, III da Lei 9.099) para homologação pelo juízo, vez que atualmente é praxe a intimação via publicação na imprensa oficial através das Notas de Expediente ou pelos correios para as partes. Em suma, as sentenças estão sendo publicadas sine die, destacando que existem casos em que demoram muito mais que a dita “morosa” justiça comum, o que demonstra indícios da falência dos JEC’s como atualmente estão.

Pode-se dizer, com certa tranqüilidade, que hoje os JEC’s estão beirando ao caos, as audiências ocorrem até tarde da noite sem ser dada nenhuma segurança aos usuários que lá estão, principalmente aqueles que necessitam de transporte coletivo para se deslocarem até lá e retornarem até seus lares, os prazos e procedimentos não são respeitados, as sentenças não são fundamentadas juridicamente, as decisões são contraditórias em relação a casos que envolvem a mesma matéria na justiça dita comum, enfim, existe causa que se ganha na justiça comum e perde-se nos JEC’s de forma reiterada, gerando uma situação paradoxal em uma justiça que deveria ser a mesma, porém, nos JEC’s morre tudo nas Turmas Recursais.

Não bastasse esta constatação de fato e corriqueira para quem conhece e lida (ou pelo menos já lidou) com a realidade dos JEC’s, onde não se respeita há muito tempo os prazos e procedimentos fixados pela Lei para solução do conflito, para entrega da sentença, para realizar as audiências de conciliação e instrução, ou seja, a lei acabou como letra morta e, no final de tudo, quem sempre acaba tendo que observar e respeitar prazos legais são as partes e os advogados, sob pena de preclusão do direito de realizar ou cumprir certo ato/impulso processual, o que não ocorre com os magistrados, cartórios e juízes leigos pela justificativa do já conhecido acumulo de serviço.

Com efeito, sobre as audiências: estas estão sendo marcadas para meses após a data da formulação do pedido na secretaria, em São Paulo chega-se a ponto de ter que retirar senha para formular o pedido e somente após ter uma audiência marcada; as sentenças, em sua imensa maioria, não estão sendo entregues na data designada pela Lei ou no prazo informado pelos juízes leigos para publicação em cartório e, pior ainda, várias sentenças carecem de fundamentação jurídica, vício suficiente para anular a sentença, porém raramente estas deixam de ser homologadas.

Todos este fatores acarretam numa perda significante da qualidade da prestação jurisdicional. Também refletem numa demora que, não raro, chega a ser muito superior da tão noticiada “morosidade” da justiça dita “comum”, onde alguns processos chegam a ser resolvidos inclusive mais rápido que nos JEC’s, como, v.g., os feitos que tramitam perante a 7ª e 8ª Varas Cíveis do foro central de Porto Alegre.

A título de exemplo, no início de 2002 foram instituídos no RS os Juizados Especiais Federais (JEF’s), idéia que foi vendida como sendo a única e milagrosa solução para o problema da morosidade na justiça federal, igual ao que se quer fazer com os JEC’s no âmbito Estadual. Porém, a realidade que vemos hoje, a pouco mais de um ano de sua instituição na Justiça Federal Gaúcha, é uma situação idêntica, quiçá pior, ao que ocorre nos JEC’s.

Com efeito: os processos estão andando em marcha lenta e a “Passo de Jabuti”; os recursos não são julgados no prazo que se esperava, considerando como foi “vendida” a idéia dos JEF’s como solução milagrosa. O ente público, que será sempre o demandado nessa jurisdição, com raríssias exceções, não faz acordo e recorre sempre das decisões, inclusive das que o judiciário já possui entendimento predominante contrario aos interesses daquele, cria novos recursos, impugna tudo o que entra no processo, etc, etc, etc…..

Voltando aos nossos JEC’s, os recursos também não são julgados com a rapidez esperada das Turmas Recursais, chegam a levar mais de meses para serem apreciados e perdem em agilidade das Câmaras do TJRS, que atualmente vem julgando recursos com elogiável rapidez, ainda mais quando se trata de decisões monocráticas permitidas pelo art. 557 do Código de Processo Civil, que permite ao Relator do recurso julgá-lo de plano se a matéria envolve entendimento já sumulado ou de jurisprudência pacífica e dominante em certo sentido.

Todos estes fatores que ocorrem na realidade forense e cotidiana dos JEC’s demonstram que a morosidade não é atributo único das justiças ditas comuns. Nesse sentido, não seria a instituição da obrigatoriedade dos JEC’s, e a conseqüente vedação de causas ditas “simples” (pelo critério econômico) de terem ingresso na justiça comum, a solução para o problema da justiça efetiva, problema que possui outros enfoques filosóficos, sociológicos e culturais, amplamente debatidos pelos juristas e advogados militantes, que são os que realmente sabem da realidade prática, considerando que os Magistrados não advogam, não utilizam os JEC’s, não atuam como Juízes Leigos, raramente são partes (possuem foro privilegiado/diferenciado), em suma, apenas recebem dados estatísticos sobre a “produtividade” dos JEC’s que, se é eficiente, não é eficaz nem satisfatório.

Daí pergunta-se: será que a iniciativa de impor esta “Pequena Causa” aos gaúchos não se dá pelo fato de que muitos, por experiências próprias, já não querem mais se submeter a esta pseudo-justiça, que não respeita princípios básicos do direito que visam conferir a segurança das partes?

Numa frase de efeito, é possível dizer que o Projeto de Lei que pretende tornar obrigatório o rito dos JEC’s, proposto pelo TJRS, fecha a porta da justiça comum e tribunais superiores aos cidadãos desafortunados economicamente, argumento que se reforça quando se fixa a competência pelo critério econômico-financeiro, privando o acesso do povo a um magistrado investido de jurisdição ou da justiça propriamente dita, querendo impor uma pseudojustiça às causa ditas pequenas analisadas apenas sob o critério econômico, o que, data máxima vênia, não podemos concordar.

Concluindo, para reflexão cito as palavras do jurista Italiano Mauro Cappelletti, tiradas da sua obra “Juizes irresponsáveis?”, onde, na página 78, discorrendo sobre a seleção para ingresso na magistratura de carreira dos sistemas da Civil Law (que dizem ainda ser o nosso), defende que a “Magistratura de carreira significa, efetivamente, tornar-se juiz em idade juvenil, sendo a seleção baseada não numa experiência de vida – uma experiência coroada pelo sucesso na advocacia e na sociedade -, mas antes em exames e competições largamente fortuitos.“, os concursos públicos. Logo, talvez por certa inexperiência do que ocorre “do outro lado do balcão”, a proposta de tornar obrigatório os JEC’s foge da função social do Poder Judiciário, que, seja qual for, não é a de jogar as causas que julgam irrelevantes a uma pseudo-jurisidição, onde apenas se limitam em homologar todas as sugestões de decisões proferidas pelos juízes leigos de forma repetitiva e sistemática.

Mais o pior não é o enfoque acima, mas os anseios das partes e da sociedade em relação ao “judiciário” que, para a maioria leiga é sinônimo de justiça;

Essa atitude “empurrada” desta forma não é democracia e se distancia muito da justiça.

2. Da desnecessária obrigatoriedade dos JEC’s em face de sua cabal existência e disponibilidade a todos

Na prática, os JEC’s já existem a longa data e estão em funcionamento para quem quiser dispor, não sendo a imposição de sua utilização uma atitude democrática ou sequer simpática aos cidadãos em geral.

Os profissionais e magistrados sabem que causas que possuem valor econômico pequeno podem resultar numa ação complexa que necessite de uma exaustiva instrução probatória, porém, como o critério será o econômico, o valor da ação, muitas causas teriam seu iter interrompido após toda a instrução processual que, pela atual realidade dos JEC’s, poderia levar mais de um ano, quando seria proferida decisão de extinção do feito ou remessa dos autos para a justiça comum, ocasionando uma grande perda de tempo e dinheiro do Estado e do jurisdicionado.

Ainda, como nas causas até 20 Salários Mínimos não seria obrigatória a representação por advogado, a parte leiga juridicamente, não teria como apontar o referido resultado que facilmente seria verificado por profissional da advocacia que, se adotada a obrigatoriedade dos JEC’s, não poderia distribuir diretamente a ação perante a justiça comum por vedação legal, teria que aguardar o resultado trágico pela via dos JEC’s!!!!

Outro risco é a de causas de pedido de indenização por dano moral, que pacificamente lhes são atribuído como valor da causa o de alçada, vez que se pede seja arbitrado pelo magistrado o quantum indenizatório, que o valorará caso a caso, pois a parte poderia incorrer no vício de valorar demasiadamente seu dano por questões subjetivas, vício mais difícel de ser cometido pelo juiz.

Ocorre que se esta ação for ajuizado obrigatoriamente perante os JEC’s, seu quantum não poderá ultrapassar o teto de 20 Salários Mínimos sem representação por advogado, e 40 Salários Mínimos com a assistência de advogado, destacando que as Turmas Recursais raramente concedem indenizações decentes e coerentes com relação ao fato e a jurisprudência predominante do TJRS.

Na prática forense sabemos que nas Turmas Recursais raramente conferem o valor do teto para uma indenização, entendem que somente caberia quando o caso “fosse gravíssimo”, s.m.j., raciocínio falho e antijurídico. Estes fatores geram um sentimento de injustiça, ainda mais quando na justiça dita comum conferem indenizações decentes e coerentes ao fato danosos.

Objetivamente, nestas ações indenizatórias não é aconselhado limitar o valor da indenização, atribuindo-se à causa o valor de alçada, vez que o critério de valoração é subjetivo cabendo ao magistrado quantificá-lo conforme cada caso. Porém, se aprovado a obrigatoriedade dos JEC’s, se não for atribuído valor superior à 40 Salários Mínimos, a ação seria de competência absoluta dos JEC’s, logo, não se poderia obter mais que 40 Salários Mínimos, independente da situação de fato. Por outro lado, se atribuirmos à causa o valor de 40 SM ou mais, estaremos limitando o pedido e, pelo princípio da demanda, não haveria como o magistrado conceder valor superior, mesmo que acreditasse fosse o caso, isso sem se mencionar a questão das custas e da sucumbência.

Encerrando este tópico: é patente que os Juizados Especiais Cíveis já estão devidamente implantados e em funcionamento a longa data; que possuem inúmeras deficiências; que já é bastante utilizado por quem deseja; que já se encontra congestionado; que não se comenta em mudanças operacionais significativas em sua estrutura e no pessoal e, por fim, os auxiliares não estão sendo selecionados em observância aos critérios legais do artigo 7º e seu parágrafo único da Lei 9.099, logo, acreditamos ser inócua e prejudicial a imposição de sua obrigatoriedade que acabaria transferindo, ou melhor, expandindo, compartilhando, um problema de uma esfera para outra que já possui seus próprios defeitos.

3. Da atual corrente que se ventila acerca da não possibilidade de pedido contraposto formulado por Pessoa Jurídica e sua correta exegese e eqüidade

Os demandados perante os JEC’s podem oferecer resposta oral ou escrita, entre estas alternativas poderá contestar a pretensão deduzida pelo demandante e, ainda, formular pedido contraposto, não sendo admitido como resposta a ação de reconvenção, tudo conforme o previsto nos artigos 30 e 31 da Lei 9.099/95.

Primeiro, considerando que a reconvenção é a ação pela qual o Réu, quando citado, no prazo para apresentação da defesa também poderá efetuar uma espécie de contra-ataque ao Autor além de contestar. Nesta “contra-ação” do Réu, a reconvenção regulada no artigo 315 e seguintes do CPC, é a pretensão do Réu/Reconvinte que deverá versar sobre matéria que possua conexão com a ação do Autor ou com o fundamento da defesa daquele, ou seja, com a contestação.

Já o contra-pedido, ou pedido contraposto dos JEC’s, não é a mesma coisa que reconvenção, sua abrangência é mais ampla, podendo o Demandado formular pedido contraposto sem observar os limites para a reconvenção, apenas deverá respeitar o limite da competência dos JEC’s no que diz respeito, novamente, ao valor econômico da pretensão e que tenha relação com os fatos objetos da controvérsia.

O Réu do procedimento especial dos JEC’s poderá formular contra-pedido oral na audiência de instrução e julgamento, onde será tomado a termo, ou ser formulado por escrito na mesma peça da contestação, formulando pretensão a seu favor, momento em que o Autor poderá contesta o contra-pedido na própria audiência ou requerer nova data para tal desiderato.

O procedimento dos JEC’s possibilita a quem for demandado valer-se destas formas de defesa e ataque em um único instrumento, uma única peça, com o claro objetivo de simplificar o procedimento e resolver toda a controvérsia em um único processo, dispensando o ajuizamento de outro feito para solucionar impasse já ventilado em um processo.

Pelo que se vê, a previsão do artigo 30 e 31 da Lei 9.099/95 possibilita ao Réu a formulação de contra-pedido com o claro objetivo de dar celeridade aos processos regulados por este rito especialíssimo, não visa vedar nem restringir sua eficácia, vez que os JEC’s foram criados para obedecer aos Princípios da Simplicidade, Oralidade e, principalmente, a Economia Processual, não se ver divorciado destes basilares por entendimentos deslocados de alguns auxiliares da justiça.

Com efeito, pela correta exegese da Lei 9.099/95, em específico o artigo 31, não conduz ao entendimento de que as Pessoas Jurídicas, quando demandadas, não possam formular o pedido contraposto pelo fundamento de que não podem postular perante os JEC’s, vez que os limites do artigo 3º, citado naquela artigo, dizem respeito ao teto de 40 SM, não de restringir essa forma de resposta disponibilizada a quem for demandado nos JEC’s. Concluir em sentido contrário seria o mesmo que se negar a igualdade, vez que alguns Réus poderiam formular o pedido contraposto, enquanto que outros, as Pessoas Jurídicas, ficariam restritos apenas em contestar o pedido, sendo necessário ajuizar outras demandas a fim de ver resolvido um mesmo conflito.

Os que defendem a impossibilidade de Pessoa Jurídica formular o pedido contraposto o fundamentam sob o argumento de que as mesmas, em não podendo ser Autoras, ou seja, não poderem formular pedido perante os JEC’s, de igual forma não poderiam realizar um pedido contraposto, data máxima vênia de quem defende esta tese, a mesma resta carente de fundamento jurídico suficiente a embasa-la, conforme os argumentos já expostos acima.

Ora, se alguém for demandado, em qualquer “espécie de justiça”, deve ser garantido a este todas as formas de resposta que a lei faculte aos Réus nesse procedimento, não sendo correto vedar a possibilidade de se formular o contra-pedido apenas aos demandados que possuam o adjetivo de serem Pessoas Jurídicas.

Qualquer interpretação da Lei não conduz a tal entendimento, sendo uma construção destonada dos princípios gerais do direito e dos JEC’s, causando situações injustas e concedendo diferenciações entre sujeitos que ocupam o mesmo pólo, ferindo a igualdade.

4. Regime de custas e despesas nos JEC’s “faca de dois gumes”

Este tema é de grande importância aos que ainda podem optar pelo procedimento dos JEC’s. O sistema de despesas da Lei 9.009/95 causa repercussões injustas e penaliza demasiadamente quem interpõem recurso contra a decisão proferida nessa jurisdição, direito assegurado pelo Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, ainda mais quando atualmente estão sendo admitidos como juízes leigos profissionais que não possuem o requisito legal exigido do artigo 7º da Lei dos JEC’s, ter mais de 5 anos de efetiva experiência na advocacia. Esta dispensa se opera contra legem e gera certa insegurança às partes que querem ver seu conflito decidido com seriedade e experiência de quem vai decidir, vez que o próprio decisor, que presidiu a instrução do processo, foi pessoa escolhida sem observância do critério legal, logo, suas decisões deveriam ser consideradas nulas.

Sobre as despesas, diz o artigo 54 da Lei dos JEC’s que no primeiro grau haverá isenção de custas, taxas ou despesas, salvo a hipótese de litigância de má-fé, porém vários cartórios cobram a despesa postal do AR da parte Autora, o que, com grande propriedade, é inconcebível pela própria disposição do artigo 18, inciso I, da Lei, onde determina que a citação será feita pelo correio por aviso de recebimento e, em consonância com o artigo 54, repete que o acesso ao JEC’s independerá do pagamento de custas, taxas ou despesas, o que, s.m.j, inclui as despesas postais, inclusive o AR.

Ademais, a parte beneficiária de AJG na justiça dita comum não arca com despesa postal de citação por carta AR, logo, seria um contra-senso exigi-la perante a jurisdição dos JEC’s. Mais: se a parte não arcar com esta despesa postal, conforme o costume adotado pelos JEC’s, será remetida carta de citação simples ao Réu que, caso não compareça na audiência, acabará sendo citado por mandado judicial, acabando no final de todo esse iter procedimental gerando mais custo que benefício ao Estado.

Sobre o preparo recursal, o parágrafo único do artigo 54 e o artigo 55 prevêem a hipótese de pagamento do preparo, que incluirá de forma cumulada as custas de distribuição e demais despesas isentadas no primeiro grau e, no caso de recorrente sucumbente, haverá ainda a condenação em custas e honorários, porém, se o recorrente obter êxito não será ressarcido das custas e preparo pagos quando intentou o recurso.

Primeiro, preocupa a situação do recorrente vencedor que desembolsou custas e preparo recursal e, por disposição legal, não as terá ressarcidas, logo, se o valor buscado com a ação for inferior ao do preparo recursal, que abrange as custas iniciais dispensadas em primeiro grau, estaremos diante de uma (in)justiça inócua, que compelirá o cidadão ao pagamento de custas iniciais e preparo recursal de forma cumulada e, se vencer, tiver seu recurso provido, ainda terá prejuízo, ou seja, sucumbirá de qualquer forma. Parece-nos a clara tentativa de vedar o inconformismo com as decisões dos juizes leigos.

Segundo, ao mesmo passo, se o recorrente restar vencido, tiver seu recurso improvido, será condenado ao pagamento de custas e honorários advocatícios, o que deveria ser a regra recíproca por uma questão de justiça, obediência ao princípio da sucumbência e da igualdade das partes, vez que se o recorrente modificar a sentença nada receberá, pelo contrário, por vezes o recurso será desmotivado mesmo se a decisão estiver realmente equivocada, o que não raro ocorre nos JEC’s.

Assim, diante desta problemática legislativa e pouco comentada pelos que vendem esta idéia milagrosa da obrigatoriedade dos JEC’s, deveríamos repensar seriamente este tópico gerador de muitas injustiças aos menos informados sobre o sistema de despesas nesta jurisdição.

5. Do Sistema “recursal”

O sistema recursal dos JEC’s é formado pelas Turmas Recursais, órgão de primeiro grau composto por magistrados de carreira investidos na sede do dos Juizados.

Sobre o modo que se opera o preparo já discorremos acima, resta informar como se processam os recursos.

Com efeito, devemos destacar que as Turmas Recursais não são consideradas órgão de segundo grau, ou seja, não são Tribunais, logo, este detalhe obsta a interposição de Recurso Especial, matéria já sumulada pelo STJ.

Felizmente, pela Constituição Federal, não se apresentou obstáculo para a aceitação do Recurso Extraordinário das decisões proferidas pelas Turmas Recursais, vez que aquela corte é guardiã da Carta Magna.

O que queremos demonstrar é que as decisões das Turmas são regionais, irrecorríveis, portanto, com caráter supremo na grande maioria das causas, ocorrendo normalmente decisões contrárias ao entendimento majoritário do TJRS e STJ, ou seja, as partes que ajuizaram suas ações na justiça dita comum teriam a procedência, porém, os que optaram pelo procedimento dos JEC’s teriam as suas demandas julgadas improcedente, sem poderem buscar o resultado adotado majoritariamente pelas cortes superiores.

Assim, o cidadão obrigado a usar o JEC teria a frustação de que seus interesses não seriam apreciados pelas Cortes Superiores de Justiça do País, como se o seu litígio repousasse em um patamar de pouco interesse, como se a sua dor pudesse ser mensura e considerada desprezível de ser julgada pelos Doutos Ministros.

6. Da existência da AJG na justiça comum. Negativa de acesso ao Poder Judiciário propriamente dito

Outro fator importante a ser destacado é o fato de que os JEC”s se prestam a julgar causas de cobranças de pequenos valores, acidentes de trânsito com danos materiais, e outras realmente simples, porém, algumas causas, pela segurança jurídica, ainda devem ser submetidas à Justiça Comum e se a parte não tiver condições de arcar com as custas do processo, terá direito a Assistência Judiciária Gratuita – AJG e ver seu processo ser julgado por um magistrado, independente do valor da causa.

Pelo marketing que se divulga sobre o Projeto de Lei como solução dos problemas da justiça, nos leva a acreditar que o Poder Judiciário quer vedar o acesso do “povão” ao juiz de direito, querem acabar com a AJG, desprezando que o advogado que a invoca está a suprir uma deficiência da defensoria pública que já não dá conta da demanda de pessoas carentes que a procuram.

7. Tentativa de acabar com a morosidade da justiça pela via JEC’s e sua conseqüência prática

O argumento de que a obrigatoriedade dos JEC”s é a solução para “desabafar” a Justiça comum é falso, vez que se desviar as causas da justiça comum para os JEC’s, estes é que ficarão engasgados com tantos processos, fato que já esta ocorrendo atualmente sem a obrigatoriedade, verificando que já se marcam audiências com espera de mais de 5 meses, quebrando a premissa de eficácia e rapidez vendida com o PL.

Também é oportuno trazer à colação os dizeres do Professor Kazuo Watanabe, que manifestou sua “grande preocupação quanto ao seu futuro” dos Juizados Especiais, prosseguindo que:

“Os antigos Juizados Especiais de Pequenas Causas foram concebidos para propiciar um acesso mais facilitado à Justiça para o cidadão comum, principalmente para a camada mais humilde da população. O objetivo jamais foi o de resolver a crise da justiça, sua morosidade e ineficiência na solução de conflitos, crise essa que tem causas inúmeras e não apenas aquelas enfrentadas na concepção dos Juizados Especiais de Pequenas Causa.

(…)

Ocorre que na Lei de Juizados Especiais de Causas Cíveis de Menor Complexidade (Lei nº 9.099, de 26.9.95) a orientação adotada foi a de se ampliar a competência dos novos Juizados, com expressa revogação da Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, ficando com isto, como é de intuitiva percepção, excessivamente sobrecarregados os novos Juizados, principalmente nos centros mais populosos, como é a cidade de São Paulo.” [grifo nosso]

O autor também comenta sobre o fracasso de tal tentativa de “liberar” a justiça comum da morosidade, semelhante do que se pretende implantar aqui no Rio Grande do Sul, destacando que “Os que não entenderam a idéia básica dos Juizados procuraram fazer deles uma solução para a crise na justiça, e com isto não somente estão matando os Juizados como também agravando mais ainda a crise que há muito afeta nossa justiça.” [grifo nosso]

Sobre o tema, também opinou o ilustre Professor Álvaro Filipe Oxley da Rocha, destacando que “(…) é possível questionar se as reformas sugeridas para o Judiciário estão atentas a uma real democratização desse poder com a efetiva garantia do acesso à justiça, pois, a julgar pelas propostas surgidas, cada entidade propõe a reforma que lhe interessa, não surgindo indicações de propostas conciliatórias. A consagração de qualquer uma delas não significa a vitória da melhor proposta, mas a vitória de um grupo em detrimento dos demais, o que apenas adia, mas não afasta o surgimento de novas crises.”

Utilizando as brilhantes considerações dos juristas supra, acredito ter passado a idéia que compartilho.

Verificamos que igual tentativa de utilizar os JEC’s para desafogar os judiciário não é o caminho iluminado a se seguir, vez que apenas estaremos transferindo ou compartilhando, um problema de uma esfera para outra e, como desfecho óbvio, ampliaremos o conflito antes existente apenas numa “justiça”.

1. Quem compõe os JEC’s

A composição básica dos juizados se resume pelos serventuários do cartório, o escrivão, o juiz titular do cartório, os conciliadores e os juizes leigos, estes últimos são auxiliares da justiça e remunerados pelo Estado, no caso do Rio Grande do Sul os primeiros ganham por acordo efetuado e os segundos por sentenças realizadas.

Também efetuam relevante serviço aos Juizados Especiais Cíveis os estagiários de direito, que estagiam por um período voluntariamente para após serem remunerados por hora trabalhada e conforme a tabela variável da FDRH-RS. Em suma, estagiam por aproximadamente 6 meses voluntariamente e depois são contratados pela FDRH por mais 6 meses, renovável por igual período somente uma vez.

Os estagiários auxiliam no serviço cartorário, em audiências, atendem as partes no balcão, digitam termos de pedido inicial para as partes sem advogados, entre outras diversas funções relevantes.

Os conciliadores deveriam ser recrutados de forma preferencial entre os bacharéis em direito enquanto os juízes leigos obrigatoriamente entre profissionais com mais de cinco anos de experiência na advocacia, ou seja, deveria ser analisado o critério objetivo em relação ao requisito experiência, ou seja, o mérito do candidato que almeja ser um juiz leigo.

Como se percebe, utilizamos o termo “deveriam”, vez que, conforme já dito e ainda será abordado, estão ignorando estes requisitos legais, selecionando juizes leigos entre candidatos que não preenchem o requisito da experiência profissional, ou seja, de forma contra legem que, sem ter como evitar a tautologia, s.m.j., acarretaria na nulidade de suas decisões, mesmo que homologadas.

Sobre os juizes leigos, dispensaremos item específico para abordamos o tema, conforme segue:

2. Quem são, ou deveriam ser, os juízes leigos conforme determina a Lei 9.099/95

O art. 7º da Lei 9.099/95 prevê que “Os conciliadores e juizes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis de direito e os segundos [os juizes leigos] entre advogados com mais de 05 anos de experiência.”

Percebemos que o requisito legal não vem sendo observado há muito tempo. É aceito o entendimento de que alunos da Ajuris e de outros cursos preparatórios para concurso da área jurídica, estariam habilitados e poderiam superar este requisito legal ainda vigente no corpo da lei dos JEC’s do qual não concede isenções nem exceções e “brincarem” de julgar, banalizando a relevante atividade da prestação jurisdicional.

Aqui em Porto Alegre os juizes leigos, a exemplo do posto adjunto da Ajuris, utilizam seus alunos que, na grande parte, não preenchem o requisito qualificativo de 5 anos de efetiva experiência na advocacia, o que, conforme já argumentado, seria caso de nulidade da decisão proferida por juiz leigo não qualificado nos termos da legislação, ou melhor, que foram selecionados por critérios contra legem.

O mesmo não se pode dizer do Juizado adjunto da UFRGS, que utilizam os alunos da pós graduação que na sua maior parte são advogados que preenchem o requisito legal, observando que os que não o possuam estariam impedidos de ser juízes leigos por não estarem inseridos na hipótese legal.

Esta situação vem sendo tolerada ao arrepio da lei e sem ser dada a devida cientificarão aos usuários sobre quem realmente está julgando os seus processos pelo rito dos JEC’s, que não são nem juízes leigos, vez que não preenchem os requisitos legais vigentes, o que acarreta na nulidade das decisões proferidas por quem não atende as condições qualificativas para tal cargo ou função, é como se tivéssemos em mãos sentença proferida por quem não é magistrado.

Diante desta séria problemática perguntamos: alguém sugeriu a possibilidade de ser cumprido todos os termos da lei dos JEC’s? Se comentou sobre estas nulidades? O anteprojeto aborda estas questões? Foi passado ao povo estas situações que são mais visíveis aos profissionais do direito e quase imperceptíveis pelos leigos juridicamente?

1. Impedimentos aos Juízes Leigos

Nos termos do parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.009/95, os juízes leigos estariam impedidos de exercer a advocacia perante os JEC’s enquanto no desempenho de suas funções, ou seja, enquanto forem juízes leigos.

Sobre este tópico acreditamos não haver maiores problemas de interpretação. Se aprovado a obrigatoriedade dos JEC’s, os advogados que atuam como juízes leigos estariam impossibilitados, ou melhor, impedidos de advogar em causas inferiores a 40 SM, vez que não seria admissível que alguém possa, ao mesmo tempo, advogar perante uma jurisdição em que também profere decisões como sugestão de sentenças na condição de juiz leigo, seria a banalização da justiça dos JEC’s!

Assim, ou se melhoraria a remuneração dos juizes leigos ou faríamos concurso para ingresso na carreira, sob pena de punir severamente a advocacia. A título de sugestão, a função de juiz leigo poderia ser exercida por juízes substitutos em início de carreira se se dignarem a tal desiderato.

Uma questão tão séria e relevante como o acesso ao judiciário não deveria ser tratado de forma tão sumária e apressada, deveriam ser escutados todos os sujeitos interessados, não apenas formalmente, com documentos e protocolos, mas sim trazer ao debate democrático sobre este tema tão relevante que poderá trazer sérias repercussões na vida de todos, principalmente de quem necessitar do judiciário, inclusive sugerir um plebiscito.

Ademais, os JEC’s já estão em funcionamento e, sem entrar no mérito de sua eficácia, de certa forma vem sendo bastante utilizado, não sendo necessário a instituição de sua obrigatoriedade de forma antidemocrática e forçada como se vem tentando fazer, com o objetivo indireto de livrar a justiça dita comum de causas de pequeno valor econômico de forma a elitizar o acesso à justiça comum, presidida por magistrados investidos de jurisdição e legitimados pela CF/88.

2. Necessidade de advogado a fim de garantir o respeito ao sistema jurídico

A advocacia é atividade considerada indispensável para o exercício e administração da justiça, nos termos expressos do artigo 133, da Constituição Federal, sendo, inclusive, considerada um serviço público, logo, s.m.j, é um múnus público.

Com certeza, toda esta atenção dispensada a uma profissão que somente deve gerar orgulho de quem a exercita, seja pela menção dispensada na Carta Magna, seja pela sua relevante função em um Estado Democrático de Direito, onde cabe ao Judiciário apreciar a ameaça ou lesão ao direito, ver cumprida a Carta Magna e aplicar e fazer valer a lei legitimada pelo processo legislativo, função que deve ser exercida pela provocação movida pela advocacia e Ministério Público ao judiciário, pois este não age ex offício.

Assim, entendemos ser inconstitucional a dispensa de advogado perante os JEC’s, em que pese ter a Adin ajuizada pela OAB ter sido julgada em sentido contrário.

O advogado exerce a função de um fiscal da aplicação da lei e da observância e respeito aos procedimentos assecuratórios do devido processo legal em todas as esferas, vez que já verificamos diversas omissões a respeito perante os JEC’s, também apontamos vícios cometidos freqüentemente na realidade dos Juizados, que seriam facilmente apontados por um profissional da advocacia, que seriam capazes de agir em sentido de exigir o cumprimento da Carta Magna e da Lei, principalmente a Lei 9.099.

Diante destes fatores, acreditamos ser necessário repensarmos sobre a real função do judiciário e da advocacia para o bom e real funcionamento da democracia, vez que não seria a atitude sensata o objetivo de cada vez mais evitar o controle exercido pela advocacia, que somente vem de encontro com reformas impulsionadas mais por objetivos econômicos do que sociais, que se aprovada acarretaria em sérias expropriações de direitos a muito tempo conquistados.

3. Cerceamento do duplo grau de jurisdição

Outra conseqüência severa de quem adota o procedimento dos JEC’s é a supressão do acesso aos STJ, o que, a uma primeira impressão poderá parecer sinônimo de celeridade, porém seus reflexos são muito perigosos.

Com efeito, pelo procedimento dos JEC’s caberá recurso somente para as Turmas Recursais, onde será proferida a decisão final, exceto se for o caso de Recurso Extraordinário, ou seja, a guarda da Constituição Federal contra uma decisão contrária ao ordenamento constitucional.

Porém, ao mesmo passo, se for proferida decisão contrária ao ordenamento legal, contra algum texto de lei, infelizmente o sucumbente terá que se conformar com a injustiça, pois não caberá Recurso Especial para sanar tal vício, matéria já sumulada pelo STJ.

4. Magistrados não possuem conhecimento da realidade dos JEC’s

Com toda a certeza sabemos que os magistrados não conhecem a prática forense existente “atrás do balcão”, considerando que recebem apenas dados estatísticos da produtividade dos JEC`s, porém, não utilizam os JEC’s, não advogam, nem são partes e, com algumas exceções, também não judicam nesta jurisdição, apenas proferem despachos incidentes e homologam sentenças proferidas pelos juízes leigos.

Em assim sendo, acreditamos que a intenção seja das melhores, porém deveriam abrir as portas para a discussão e ver o que pensam advogados e partes que utilizam, ou já utilizaram esta jurisdição, que apesar de possuir vários pontos positivos também apresenta muitos pontos negativos que se agravam constantemente e não se houve discussões a respeito de mudanças e correções dos mesmos.

Feito estes comentários, acreditamos seja melhor para o bom exercício da cidadania, que os JEC’s sejam aperfeiçoados, corrigidos os seus defeitos e mantida a sua facultatividade ao Autor de uma demanda/ação, antes de efetuar uma mudança tão significante e grave no judiciário gaúcho sem antes haver uma exaustiva e democrática discussão a respeito, inclusive com a OAB-RS, OAB Federal e, principalmente, com o povo, a parte mais interessada e principal destinatário dos serviços dos JEC’s.

E além disso, que a liberdade de escolha seja preservada.

____________________

* Advogado

______________________

Atualizado em: 13/11/2003 09:33

Cleiton Ayala Rosa

Cleiton Ayala Rosa

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *