Créditos de PIS – não-cumulatividade
Comentários sobre o Ato Declaratório SRF nº 2/03
Adriana Gravina Stamato de Figueiredo*
Embora esteja já em seu quarto mês de vigência, a nova sistemática de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP, estabelecida pela Lei nº 10.637/02, continua trazendo dúvidas aos contribuintes. Na tentativa de dirimir parte delas, a Secretaria da Receita Federal editou o Ato Declaratório nº 2, publicado em 18.03 p.p. Porém, como veremos a seguir, tal ato não foi suficiente para esclarecer todos os pontos polêmicos da nova disciplina. Pelo contrário, ele pode ter até mesmo dificultado sua compreensão.
Em linhas gerais, grande parte dos questionamentos diz respeito aos créditos que poderão ser tomados pelas empresas. A Lei 10.637/02, com as modificações da MP 107/03, traz, em seu art. 3º, as situações que ensejam a tomada de créditos pelos contribuintes:
I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do § 3o do art. 1o;
II – bens e serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou à prestação de serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes;
III – (VETADO)
IV – aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;
V – despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples);
VI – máquinas e equipamentos adquiridos para utilização na fabricação de produtos destinados à venda, bem como a outros bens incorporados ao ativo imobilizado;
VII – edificações e benfeitorias em imóveis de terceiros, quando o custo, inclusive de mão-de-obra, tenha sido suportado pela locatária;
VIII – bens recebidos em devolução, cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei;
IX – energia elétrica consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica.
Na prática, as empresas vem enfrentando dificuldades acerca da conceituação de determinadas despesas. Algumas delas, como, por exemplo, despesas com benefícios concedidos a funcionários, como ticket-alimentação, planos de saúde e assistência médica, etc. não podem ser consideradas propriamente ‘insumos’, nem tampouco se enquadram nas situações acima descritas, razão pela qual entendemos que as empresas estão impedidas de tomar os respectivos créditos.
Em outros casos, porém, dependendo da atividade da empresa, a diferenciação não é tão simples de ser feita, o que faz com que a conceituação de insumo seja (e continue sendo) aguardada pelos contribuintes.
Além disso, cumpre apontar, como já fizemos anteriormente1, que a redação da Lei é dúbia, já que é possível entendê-la no sentido de que somente os ‘insumos’ utilizados na fabricação de produtos que serão destinados (i) à venda ou (ii) à prestação de serviços darão direito a crédito de PIS.
Isso significa, dentro de uma interpretação literal, que as empresas prestadoras de serviços não podem se apropriar dos créditos relativos aos insumos que são empregados em suas atividades. Ou, em outras palavras, que somente as empresas que fabricam produtos, quer sejam eles destinados à venda ou à prestação de serviços, podem tomar créditos sobre os insumos.
Essa questão, que nos parece de extrema relevância, na medida em que limita de forma significativa os créditos das prestadoras de serviços, não foi objeto de qualquer manifestação da Receita no Ato Declaratório em comento.
Mais do que isso, de acordo com referido ato, ‘a partir de 1º de dezembro de 2002, as pessoas jurídicas submetidas à incidência não-cumulativa do PIS/Pasep poderão descontar créditos calculados em relação a bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à: I – venda; e II – prestação de serviços’.
Ou seja, o ato em questão nada mais fez do que manter a redação original, já constante do inciso II, do art. 3º da Lei, sem sequer mencionar as demais situações previstas como ensejadoras de créditos, tais como despesas com aluguéis, aquisição de máquinas, além da aquisição de bens para revenda, previstas nos demais incisos.
Tal aparente ‘esquecimento’ não pode ser interpretado como uma orientação da Receita no sentido de que somente os bens e serviços utilizados como insumo dariam direito a crédito, na medida em que isso significaria vedar os créditos sobre todas as demais situações anteriormente mencionadas, previstas no art. 3º retro citado.
Com efeito, não nos parece que essa seja, efetivamente, a melhor interpretação da nova sistemática dos créditos de PIS, pelo que entendemos que o Ato Declaratório em tela não cumpriu seus objetivos, vindo, inclusive, a tornar ainda mais duvidosa a aplicação da disciplina.
A bem da verdade, não poderia ter o Ato Declaratório feito qualquer limitação, já que o direito ao crédito de PIS (não só sobre insumos) está previsto na Lei nº 10.637/02 e o alcance de tal ato somente poderia ser o de prestar esclarecimentos a respeito da matéria, não podendo, evidentemente, modificá-la ou restringi-la.
Além disso, como o art. 4º do referido ato trata dos créditos decorrentes de encargos de depreciação e amortização, resta claro que a hipótese acima aventada não tem fundamento, pois, se assim fosse, tais créditos não poderiam ser tomados pelos contribuintes, a menos que pudessem ser enquadrados como ‘insumos’.
Em síntese, o art. 1º do ato não trouxe grandes progressos ao entendimento da matéria, persistindo, assim, a dúvida sobre o conceito e a abrangência do termo ‘insumo’, bem como a disciplina que deve ser aplicada pelos prestadores de serviços.
Porém, se a esse respeito o ato não foi esclarecedor, por outro lado ficou definido que, para efeitos dos créditos decorrentes dos encargos de depreciação e amortização, deve-se considerar as despesas incorridas em cada mês, independentemente da data de aquisição dos bens. Essa questão era duvidosa para os contribuintes, já que alguns entendiam que somente os bens adquiridos a partir da vigência da lei poderiam dar direito a tais créditos.
Outro ponto importante elucidado foi o tratamento dado às despesas de energia elétrica e às vendas de bens do ativo imobilizado incorridas e ocorridas entre dezembro de 2002 e janeiro de 2003, devendo essas integrarem a base de cálculo e ficando vedado o crédito sobre aquelas, exceto quando a energia elétrica for considerada insumo.
Como a matéria ainda não foi esgotada, esperamos que nova manifestação da Receita traga mais esclarecimentos a respeito. Além disso, outra providência salutar seria a atualização do Decreto nº 4.524/02, que embora bastante recente, já se encontra defasado.
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1. “Restrições aos Créditos de PIS/PASEP nº 10.637/02/” autoria conjunta com Marcos Botter. Migalhas de peso, clique aqui.
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*escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49
Adriana Gravina Stamato de Figueiredo
Associada do grupo tributário do escritório Trench Rossi Watanabe.