Um passo importante para a moralização do esporte
André Marques Gilberto*
A recente sanção das Leis 10.671 e 10.672/2003, que respectivamente dispõe sobre o chamado “Estatuto do Torcedor”, e converte em lei a Medida Provisória 79/2002, representa importante tentativa do Governo Federal de moralizar o esporte profissional no Brasil.
Na verdade, desde a edição da Medida Provisória 79/2002, uma série de regras já eram impostas às agremiações e entidades esportivas. A exploração do desporto profissional passou a ser reconhecida como atividade econômica, devendo os responsáveis sujeitarem-se às disposições de ordem tributária, financeira e administrativa.
Ressalte-se, curiosamente, que passando a ser vista a gestão do esporte profissional como atividade empresarial, certas infrações ficam sujeitas não só às penalidades da justiça desportiva, mas também àquelas das esferas cíveis, criminais, e administrativas. Suspeitas de manipulação de resultados, por exemplo, estariam em tese sujeitas às penalidades previstas pela Lei 8.884./94 (que pune os cartéis), pois envolveriam a atuação em conjunto de empresas competidoras com o objetivo de lesar a concorrência.
Entidades desportivas devem, ainda, publicar demonstrações financeiras regularmente, e dirigentes que realizarem gestões irregulares ou que estiverem inadimplentes com prestações de contas serão afastados de imediato. Com a transparência na administração das entidades desportivas, a expectativa é que surjam novas fontes de receita, e que investidores sejam atraídos para este mercado.
As lei inovam, ainda, ao determinar que os árbitros de cada partida serão escolhidos através de sorteios abertos, para evitar as recorrentes dúvidas acerca dos critérios que levam à estruturação da escala de arbitragem no Brasil. Regulamentos e tabelas de cada competição deverão ser apresentados 60 dias antes do seu início, para que interessados possam se manifestar nos dez dias subseqüentes à divulgação – esta medida, entretanto, evidentemente passa a valer somente para os próximos campeonatos.
Houve uma grande preocupação com a segurança do torcedor: estádios com capacidade superior a vinte mil torcedores deverão manter centrais de informação técnica, com infra-estrutura para monitoramento de torcedores por meio de imagens. Esta medida, entretanto, ao lado de outras determinações que necessitarão de investimentos por parte dos clubes – construção de vias especiais para deficientes físicos e numeração de ingressos, começam a valer somente daqui a seis meses, criando um período de adaptação.
A lei abriga questões polêmicas. Uma delas é que a responsabilidade da segurança do torcedor em um evento esportivo passa a ser da “entidade de prática desportiva detentora do mando do jogo e de seus dirigentes”, que responderá independentemente de culpa por prejuízos causados aos torcedores em decorrência de falhas na execução dos serviços. Esta regra, como se sabe, foi contestada nas últimas semanas por vários dirigentes brasileiros, e está sendo “reexaminada” pelo Governo Federal, após a ameaça de locaute que levaria à suspensão dos Campeonatos Brasileiros das Séries A e B.
Na verdade, deve ser esclarecido que esta regra já era válida para os outros setores da economia brasileira desde 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, sendo no mínimo natural que fosse aplicada ao esporte profissional. Além disso, as leis não determinam que dirigentes serão responsáveis por eventuais brigas ou confusões que ocorram fora dos estádios, sendo inclusive previstas penalidades aos torcedores que provocarem tumulto. Deve ficar claro que o dirigente é responsável por prejuízos causados aos torcedores em razão de falhas na segurança – ou seja, caso as medidas previstas pelo Código do Torcedor no aspecto da segurança não sejam devidamente cumpridas.
Outro aspecto polêmico foi garantir o direito do torcedor de que “a participação das entidades de prática desportiva em competições (…) seja exclusivamente em virtude de critério técnico…”, assegurando o acesso em descenso em competições com mais de uma divisão, e que partidas disputadas por agremiações que não tenham atendido o “critério técnico” serão desconsideradas. Trata-se de medida que visa coibir a realização das chamadas “viradas de mesa” no esporte brasileiro.
Tratam-se, de fato, de regras muito abrangentes, cuja aplicação não será – como não tem sido – tarefa das mais simples, seja por dificuldades procedimentais, seja pela cultura que há muito impera na mentalidade esportiva do País.
Cabe aos clubes, com urgência, que analisem em detalhes quais são as suas novas obrigações, e quais os prazos conferidos pelas leis para que o façam. De qualquer forma, deve ser reconhecida a iniciativa do Governo Federal, ao tentar conferir moralidade e transparência à administração esportiva no Brasil, bem como resguardar os direitos justamente daqueles que alimentam a – aparentemente infinita – paixão brasileira pelo esporte.
kicker: Com a transparência na administração, a expectativa é que surjam novas fontes de receita.
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* Advogado do escritório Araújo e Policastro Advogados.
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Atualizado em: 24/6/2003 14:25