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É sabido de todos sobre os fenômenos climáticos que atingiram o Estado do Rio Grande do Sul a partir do início do mês de maio/24. A tragédia social e humana vivenciada ensejou diversas respostas do poder público; além das ações de resgate e reconstrução, destacam-se diversas medidas estruturais de Direito Econômico, Orçamentário e Tributário.
Esperam-se medidas a respeito de Direito do Trabalho, visto que inúmeras empresas tiveram suas atividades interrompidas ou mesmo extintas e, no campo social, também as políticas assistenciais foram ativadas, especialmente a partir da MP 1.219/24, que criou o benefício de “Apoio Financeiro destinado às famílias desalojadas ou desabrigadas nos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul com estado de calamidade pública ou situação de emergência reconhecida pelo Poder Executivo federal”.
Abaixo analisaremos os principais pontos desse mecanismo essencial ao enfrentamento desta situação crítica.
Benefício de apoio financeiro às famílias atingidas pelos fenômenos climáticos
O art. 1º, da MP 1.219/24 cria o “Apoio financeiro destinado às famílias desalojadas ou desabrigadas nos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul com estado de calamidade pública ou situação de emergência reconhecida pelo Poder Executivo federal até a data de publicação desta Medida Provisória”.
Verifica-se que são exigidos alguns requisitos para a obtenção do benefício de apoio financeiro, especialmente a configuração de municípios em estado de calamidade pública ou em situação de emergência, conforme reconhecido pelo Poder Executivo Federal – o que se deu pelo decreto legislativo 36/24.
Ademais, há necessidade de configuração das situações de desabrigo e desalojamento, conforme lei 12.608/12:
III – desabrigado: pessoa que foi obrigada a abandonar sua habitação de forma temporária ou definitiva em razão de evacuações preventivas, de destruição ou de avaria grave decorrentes de acidente ou desastre e que necessita de abrigo provido pelo Sinpdec ou pelo empreendedor cuja atividade deu causa ao acidente ou desastre;
IV – desalojado: pessoa que foi obrigada a abandonar sua habitação de forma temporária ou definitiva em razão de evacuações preventivas, de destruição ou de avaria grave decorrentes de acidente ou desastre e que não necessariamente carece de abrigo provido pelo Sinpdec ou pelo empreendedor cuja atividade deu causa ao acidente ou desastre;
Valor do benefício e modo de pagamento
O apoio financeiro terá o valor de R$ 5.100,00, que será pago em parcela única, sendo determinado que ocorrerá um único recebimento por família.
A MP 1.219/24 exige que na autodeclaração seja indicado o responsável familiar pelo recebimento do apoio financeiro, preferencialmente recaindo na figura da mulher.
O art. 4º da MP 1.219/24 indica que o apoio financeiro será cumulável com quaisquer benefícios previdenciários ou assistenciais percebidos pelo titular do benefício.
Consideramos isso uma importante medida, tendo em vista que não nos encontramos em situações de normalidade, de sorte que deve ser flexibilizada a ideia de acumulação de benefícios, geralmente interpretada restritivamente.
Requisitos para obtenção do apoio financeiro
A obtenção do benefício de apoio financeiro exige o envio de informações, ao Governo Federal, pelo Poder Executivo Municipal das localidades afetadas pelo estado de calamidade pública.
Além disso, é exigida autodeclaração por parte dos pretendentes ao benefício, a qual deverá apresentar documentação, de qualquer tipo, que comprove o endereço residencial da família.
Consideramos que esse requisito de acesso ao apoio financeiro será de difícil cumprimento para muitas das famílias atingidas pelas enchentes, as quais, conforme amplamente noticiado, perderam todos seus pertences, inclusive documentos pessoais.
Compreendemos que esse requisito deva ser flexibilizado se não for objeto de uma regulamentação adequada e, quiçá, deva ser privilegiada a utilização de ferramentas de geolocalização (provas digitais).
Como em qualquer política pública, há preocupação com a regularidade do uso de verbas públicas e, nesse sentido, o art. 3º, § 2º, estabelece que a apresentação de informações falsas implica sanções penais e cíveis, bem como a devolução dos valores ao Erário. Nesse caso, tais recursos serão revertidos à União Federal (art. 8º).
Natureza jurídica do apoio financeiro
O benefício de apoio financeiro não é considerado como fonte de renda para fins das leis 10.779/03 (seguro-desemprego do pescador artesanal, no período de defeso) e 14.601/23 (novo Bolsa Família).
Além disso, também não será considerado para o cômputo de renda que é um requisito necessário para a inscrição no CadÚnico, bem como para a obtenção do BPC – Benefício de Prestação Continuada da lei 8.742/93.
Operacionalização e orçamento
A operacionalização do pagamento do apoio financeiro ficará sob a responsabilidade do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e será pago pela Caixa Econômica Federal (art. 6º, caput).
O pagamento ocorrerá por meio de conta poupança social digital, de abertura automática em nome do beneficiário, tal qual ocorreu, de forma bem sucedida, com os auxílios financeiros pagos na época da pandemia de COVID-19.
A lei 14.175/20, que regulamenta a conta poupança social digital, estabelece um limite de R$ 5.000,00 para as movimentações nesta forma de mecanismo bancário simplificado. O benefício de Apoio Financeiro, como visto acima, é de R$ 5.100,00; porém, a própria MP 1.219/24 cuidou de excepcionar tais recursos daquele teto previsto na legislação específica da conta poupança social digital.
Também poderá ser utilizada outra conta previamente existente em nome do beneficiário nessa mesma instituição financeira, mas, em ambos os casos, não poderá efetuar descontos ou qualquer espécie de compensação que impliquem a redução do valor recebido a pretexto de recompor saldo negativo ou de saldar dívidas preexistentes, a exemplo de empréstimos consignados.
As despesas do apoio financeiro são de natureza discricionária e correrão à conta das dotações consignadas ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mediante previsão orçamentária (art. 7º).
Eventuais recursos não creditados ou decorrentes de apoio financeiro que sejam disponibilizados indevidamente serão revertidos à União (art. 8º).
Regulamentação
O art. 9º da MP 1.219/24 estabelece que “O Ministro de Estado da Integração e do Desenvolvimento Regional poderá editar atos complementares para garantir o cumprimento do disposto nesta Medida Provisória”.
A regulamentação certamente será necessária, a fim de se esclarecer a forma de cumprimento de certos requisitos, tais como o conceito de família (para saber quais núcleos familiares ou residenciais poderão ser alcançados) ou as particularidades do sistema informatizado para obtenção do benefício.
Em linhas gerais, essas são as principais medidas trazidas pela novel MP 1.219/24.
Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV – Instituto de Estudos Previdenciários.