CompartilharComentarSiga-nos no A A
Ministros do STF, nesta quarta-feira, 22, debateram em plenário se a responsabilidade de jornalistas e órgãos de imprensa por conteúdos depende de culpa ou de culpa qualificada como grave.
A discussão se deu durante julgamento que reconheceu a existência de assédio judicial contra tais profissionais e empresas e definiu critérios para reconhecer a responsabilidade por danos decorrentes de suas manifestações.
STF: Imprensa só responde por danos se agir com dolo ou culpa grave
Na tese, aprovada por maioria pela Corte, e proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, foi definido que “[…] a responsabilidade civil de jornalistas, ou de órgãos de imprensa, somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)”.
Até a conclusão do julgamento, muitos pontos foram levantados pelos pares. Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Flávio Dino, entenderam que o termo “culpa”, sem o adjetivo “grave”, seria suficiente. A qualificação “grave”, segundo os ministros, poderia afastar jornalistas que divulgam “fake news” ou apuram fatos de forma negligente, da responsabilidade.
Por outro lado, ministros Barroso, Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux e ministra Cármen Lúcia, entenderam pela necessidade do termo “grave”, para que não se prejudique a liberdade de expressão, restringindo a responsabilidade da imprensa apenas aos casos em que realmente houver negligência do profissional.
Veja o placar dos votos:
Culpa grave
Em sua manifestação, ministro Barroso mostrou preocupação quanto a ausência do termo “grave”, tendo em vista o histórico brasileiro de censura, principalmente ocorrido na ditadura militar.
Afirmou que em pesquisa à jurisprudência de 1º e 2º graus, há imensa quantidade de decisões retirando conteúdos do ar sem caracterização, sequer, de culpa. Assim, ressaltou que teme a imprecisão do termo “culpa”, de modo avulso, deixando o profissional vulnerável, até na hipótese de citar, por exemplo, uma fonte equivocada.
“Então, eu acho que o grave no histórico da liberdade de expressão no Brasil faz toda a diferença. […] A história do Brasil teve censura à imprensa, com páginas em branco, receita de bolo, poemas de Camões, todas as músicas tinham que ser submetidas previamente ao Departamento de Censura. O balé Bolshoi foi proibido de ser encenado no Municipal, porque era propaganda comunista. Laranja mecânica passou com tarjas negras, tentando cobrir os órgãos genitais, quando os artistas corriam nus.”
Assim, concluiu, “num país que tem o histórico que a gente tem de censura do Executivo e, mais recentemente, de censura do Judiciário, eu acho que nós não colocarmos o adjetivo grave torna os jornalistas mais vulneráveis”.
Ministra Cármen Lúcia, em sua manifestação, afirmou que no julgamento importa mais a defesa da liberdade e que isso não significa que muitas pessoas divulguem desinformação e ofensas. Mas nesses casos, cabe a quem foi ofendido, tomar providências.
“Nesse caso estamos falando, especificamente, quanto a jornalistas que são perseguidos por cumprirem as suas funções. Função essa que cumpre um objetivo importantíssimo para que se tenha democracia. Portanto, a mim não abala em nada […] a falta de respeito, a falta de um mínimo até de humanidade na hora de falar contra mim. […] Não é por isso que fico contra a liberdade de imprensa. […] Vivo num mundo em que as pessoas acreditam em telas, e essas telas, mesmo que rotuladas de imprensa, acabam por magoar, diminuir e, às vezes, até entrar nas nossas casas com toda forma de crueldade e perversidade.”
A ministra ainda ressaltou que prefere viver com a liberdade do que da forma que transcorreu a década de 1970, quando a liberdade era impedida de outras formas: de se informar como quisesse para poder eleger o que decidisse para a própria vida.
Veja a manifestação dos ministros:
Simples culpa
Rebatendo o posicionamento de Barroso, em defesa da culpa sem a qualificadora “grave”, ministro Flávio Dino ressaltou que não é possível utilizar os acontecimentos de 1970 para arbitrar os critérios de responsabilidade da imprensa em 2024.
“Eu compreendo bem os traumas de V. Exa. que viveu os 1970, mas, nesse contexto, estamos em outro momento. […] O vetor do abusco está na fake news, na mentira, na difamação. Não podemos levar em conta os anos 1970, para arbitrar em 2024”, afirmou.
O ministro ainda lembrou ao presidente da Corte, situação vivenciada em Santa Catarina, quando Barroso foi xingado e perseguido por manifestantes.
Moraes completou que, atualmente, não existem apenas jornalistas na mídia séria e tradicional. “Blogueiros se denominam jornalistas e destroem a vida das pessoas”, disse.
Já Toffoli defendeu que deve ser dado um tratamento igualitário a todos os jornalistas, já que não vivenciamos uma situação de excepcionalidade, mas um Estado Democrático de Direito no qual a culpa deve ser aferida segundo os ditames constitucionais e do Código Civil.
Veja o momento: