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Um dos temais mais importantes e complexos do CPC/2015 diz respeito ao estudo da estabilização das decisões judiciais, incluindo a interpretação de fenômenos como tutela antecipada antecedente, saneamento do processo, coisa julgada, precedentes e preclusão.
Neste ensaio pretendo enfrentar a estabilização da tutela antecipada antecedente e as medidas judiciais visando evitá-la, especialmente em relação ao posicionamento de turmas do STJ e à necessidade de análise específica de sua Corte Especial , visando a criação de precedente qualificado (art. 927, III, do CPC).
Como forma de subsidiar os aspectos que serão tratados, vale aduzir que a tutela provisória é tratada, de forma genérica, entre os arts. 294 e 311, do CPC/15 e possui citações em diversos outros dispositivos processuais, dentre os quais: arts. 9º, §único, I; 69, §2º, III; 519; 537; 555, §único, II; 919, §1º; 932, II; 937, VIII; 969; 1012, V; 1013, §5º; 1015, I e 1059.
Pela sistemática apresentada no livro V – Tutela provisória – é possível classificá-la em, no mínimo, três critérios: a) quanto ao fundamento: urgência e evidência (art. 294); b) quanto à satisfatividade da tutela de urgência: antecipada e cautelar (art. 294, §único); c) quanto ao momento: antecedente e incidental (arts. 303 a 309).
O CPC também consagra o cabimento da tutela antecipada antecedente e a possibilidade de estabilização do referido pronunciamento judicial.
Contudo, o que significa a estabilização? A expressão provoca, no mínimo, quatro significados, a saber: a) estabilização da tutela antecipada antecedente (art. 303 e 304, do CPC); b) estabilização da decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, do CPC); c) estabilização dos precedentes (art. 926, do CPC); d) estabilizações subjetiva e objetiva.
Apesar dos questionamentos que a redação dos arts. 303 e 304, do CPC vem causando na doutrina e jurisprudência nacionais, merecem enfrentamento específico neste texto as indagações ligadas ao seu conceito e aos institutos que podem ser utilizados pelo réu visando evitar a estabilização.
É importante partir de uma premissa: a estabilização da tutela antecipada (e dos efeitos dela decorrentes) é fenômeno voltado a evitar a litigiosidade excessiva. Não se deve confundir eficácia (que a decisão passa a ter imediatamente) com estabilidade (previsão do art. 304, §1º, do CPC) – que não se confunde com a coisa julgada (art. 304, §6º, do CPC).
Isto tem que ficar claro. No ambiente da tutela antecipada antecedente, estamos diante de outro fenômeno de estabilidade, de impossibilidade de rediscussão, de revisitação, totalmente diferente da coisa julgada como, aliás, o próprio legislador deixa claro no art. 304, §6º, do CPC.
A indagação central deste ensaio é a seguinte: qual a conduta do réu para evitar a estabilização? A resposta não é simples, e divide a opinião da doutrina e de turmas do STJ.
Visando uma tentativa de resposta, é mister afirmar que, durante a tramitação do CPC, a versão aprovada no senado em 2010 (PLS 166/2010) indicava que não ocorreria a estabilização se o réu apresentasse impugnação (art. 281 e 282). Contudo, versão da câmara dos deputados que foi aprovada posteriormente passou a indicar que o fenômeno da estabilização não ocorreria se o réu apresentasse recurso.
Esta mudança foi meramente terminológica? Penso que sim. Mesmo que não seja a melhor, esta é a interpretação que veio a ser sancionada no art. 304, do CPC, pelo que, em caso de apresentação de contestação sem o recurso cabível contra a tutela antecipada antecedente (agravo de instrumento – art. 1.015, II, do CPC), ocorre o fenômeno da estabilização?
No meu sentir, não faz sentido estabilizar se o réu apresenta apenas contestação impugnando especificamente o conteúdo que foi antecipado. A estabilização dos efeitos da decisão antecipada antecedente, com a consequente extinção do processo, pressupõe a existência de aceitação, de omissão do réu, o que não ocorre se este apresenta defesa (contestação) ou outra medida de irresignação contra o objeto que foi antecipado pelo magistrado.
Contudo, no âmbito do STJ o assunto não encontra unanimidade interpretativa. Portanto, este texto, além de contribuir para o debate, pretende provocar a necessidade de revisitação do tema, desta feita pela Corte Especial – independentemente de qual caminho seguir – visando alcançar os ditames da previsibilidade, estabilidade, integridade e segurança jurídica (art. 926, do CPC).
Com efeito, a 3ª turma do tribunal, em 2018, seguiu o entendimento de que a contestação (sem o agravo de instrumento), é suficiente para evitar a estabilização. Segue a ementa do Acórdão:
“RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE REVOGOU A DECISÃO CONCESSIVA DA TUTELA, APÓS A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO PELO RÉU, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRETENDIDA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. EFETIVA IMPUGNAÇÃO DO RÉU. NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A controvérsia discutida neste recurso especial consiste em saber se poderia o Juízo de primeiro grau, após analisar as razões apresentadas na contestação, reconsiderar a decisão que havia deferido o pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, nos termos dos arts. 303 e 304 do CPC/2015, a despeito da ausência de interposição de recurso pela parte ré no momento oportuno. 2. O Código de Processo Civil de 2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303, o qual estabelece que, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial poderá se limitar ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. 2.1. Por essa nova sistemática, entendendo o juiz que não estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, o autor será intimado para aditar a inicial, no prazo de até 5 (cinco) dias, sob pena de ser extinto o processo sem resolução de mérito. Caso concedida a tutela, o autor será intimado para aditar a petição inicial, a fim de complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final. O réu, por sua vez, será citado e intimado para a audiência de conciliação ou mediação, na forma prevista no art. 334 do CPC/2015. E, não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 do referido diploma processual. 3. Uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. 3.1. Segundo os dispositivos legais correspondentes, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito. No prazo de 2 (dois) anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim. 3.2. É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. 4. Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença. 5. Recurso especial desprovido”. REsp 1760966 / SP – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – 3ª T – J. em 04/12/2018 – DJe 07/12/2018 – REVPRO vol. 292 p. 437 – RSTJ vol. 253 p. 485.
Em recente julgado, a 4ª turma também entendeu que a apresentação de contestação, sem o recurso, impede a estabilização da tutela antecipada, inclusive mencionado o entendimento anterior da 3ª turma no REsp. 1.760.966. Vale citar parte da ementa do Acórdão (REsp 2.025.626 – 4ª T/STJ – Rel. min. Maria Izabeel Gallotti – J. 04.06.2024 – DJe 05.09.2024):
“A ausência de recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada não acarreta sua estabilização se a parte se opôs a ela mediante apresentação de contestação”.
Do voto da exma. ministra Relatora Maria Izabel Gallotti, é possível extrair a seguinte passagem:
“Anoto, todavia, que a solução dada pelo tribunal local à referida questão de direito, ao deixar de reconhecer que a contestação oferecida pela recorrente teria obstado a estabilização dos efeitos da tutela, encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte, o que impõe a reforma do julgado”.
No mesmo sentido, vale citar o REsp 1.938.645 (4ª T/STJ – Rel. min. Maria Isabel Gallotti – J. 04.06.2024 – DJe 06.09.2024).
É possível afirmar, quanto ao ponto, que a 3ª e 4ª turmas possuem julgados no sentido ampliativo da expressão prevista no CPC, afirmando que a apresentação da medida impugnativa como a contestação impede a estabilização.
Como mencionado acima, particularmente concordo com este posicionamento, inclusive levando em conta que, na prática forense, por certo o réu se contrapõe à tutela provisória nesta peça processual, com pedido de reforma, anulação, cassação, etc.
Contudo, em 2019, a 1ª turma, em julgamento por maioria, já tinha consignado que a interpretação deveria ser restritiva – apenas o efetivo manuseio do recurso evitaria a estabilização da tutela antecipada antecedente. Esta é a ementa do Acórdão:
PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. I – Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art. 303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso. II – Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis. III – A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão. IV – A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado – o agravo de instrumento. V – Recurso especial provido” (REsp 1797365 / RS – Rel. Min. Sérgio Kukina – Rel. para acórdão Min. Regina Helena Costa – 1ª Turma – J. em 03/10/2019 – DJe 22/10/2019 – RB vol. 662 p. 229).
Em outro recente julgado, desta feita em maio de 2024, a 1ª turma renovou o entendimento restritivo, desta feita em votação unânime.
Transcrevo trecho da ementa do Acórdão (AgInt no AREsp 2.040.096/MG – Rel. min. Paulo Sérgio Domingues – J. 13.05.2024 – DJe 20.05.2024):
“Nos termos do art. 304 do CPC, a tutela antecipada deferida em caráter antecedente se estabilizará quando não for interposto o respectivo recurso”.
No voto, o exmo. ministro relator Paulo Sérgio Domingues ressaltou, inclusive mencionando o REsp 1797365, que:
“O acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte Superior de que ocorre a estabilização da tutela antecipada deferida em caráter antecedente quando não interposto o respectivo recurso, ocorrendo a impugnação apenas por meio da contestação”.
Como se pode observar, as turmas de direito público e privado da corte da cidadania divergem sobre o assunto, com entendimentos diferentes acerca de qual instrumento processual evita a estabilização da tutela antecipada antecedente.
Portanto, visando colaborar com o debate de tão importante tema, sugiro a sua imediata apreciação pela Corte Especial , visando atender aos valores constantes no art. 926, do CPC e uniformizar o entendimento entre seus órgãos fracionários (art. 927, III, do CPC).
José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.