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Discute-se, desde a própria publicação da lei 7.492/86, o aprimoramento de denominada Lei do Colarinho Branco. De lá para cá, diversos foram os casos de repercussão com implicações no sistema financeiro nacional e os operadores do Direito tiverem de atuar com a lei penal mal escrita.
O ponto de partida, para a concepção de um anteprojeto de lei, é entender que a lei penal especial não escapa de obedecer à ideia de sistema normativo. Quer dizer, tais tipos penais precisam ser alicerçados em princípios constitucionais (art. 170, 172, 174 e 192, da CR) e interagem com diversos ramos do direito público (parte geral, do CP, direito administrativo, e.g.) e do direito privado.
Além disso, os comportamentos descritos pelos tipos delitivos encontram-se, em regra, sob a regulação do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários e da Superintendência de Seguros Privados, o que reflete no juízo sobre a ilicitude (ou antijuridicidade) dos fatos.
A compreensão da tipicidade penal há de enfrentar a questão dos elementos normativos e o plexo de normas administrativas incidentes sobre o acontecimento. Logo, não existe a possibilidade de construir tais novos tipos legais sem rigor semântico que facilite a interpretação do significado e sentido das condutas proibidas.
Esse cuidado com as palavras deve se refletir não apenas quanto ao plano legal, mas na observação da dinâmica do mercado financeiro, o qual não raro se utiliza de anglicismos para denominar negócios jurídicos. Assim, cabe entender os contratos consoante o vocabulário do direito privado, sem o risco da confusão dos falsos cognatos (transaction, v.g.).
O problema maior na construção de tipos penais para a tutela do sistema financeiro surge a dicotomia entre se adotarem tipos de perigo, ou de dano. Basta ver que a lei em vigor exacerbou nos crimes de perigo (de perigo abstrato, inclusive), com a perspectiva da suposta eficácia da antecipação punitiva.
A verdade, trazida pela experiencia judicial, indica mais para o insucesso da ideia e para a má aplicação desses tipos em detrimento de juízos fidedignos quanto à culpabilidade. Usam-se os tipos de perigo para punir sem causalidade normativa e sem valoração séria da culpa (lato senso), o que os torna razão de erros judiciais.
A criação da lei especial há de refletir a evolução do nosso direito pátrio e as novas questões econômico-financeiras da sociedade contemporânea. Assim, importam ao trabalho a evolução dogmática do princípio da confiança, o valor econômico e jurídico da informação, o papel dos compliances e o processual penal de cunho consensual, dentre outros aspectos.
Também, a existência do Fundo Garantidor do Crédito, não obstante a natureza de entidade privada, há de ser pensada, dados os reflexos jurídicos da atividade na assistência e na liquidação de instituições financeiras.
Como sabido, os escândalos financeiros trazem consequências múltiplas e a persecução penal acaba sob os empuxos de exigências sociais de punição a qualquer preço. Não raro se vê o desserviço da mídia a desqualificar o sistema penal com a propagação da sanha de enjaular os white-collars.
A repetição do fenômeno leva ao repetitivo surgimento dos heróis da vez, policiais, acusadores públicos ou juízes criminais, os quais buscam se tornar vingadores, ao invés de desempenharem, de modo imparcial, os respectivos deveres legais.
A lei penal serve não apenas para a punição dos crimes, demonstrados em devido processo legal, mas, para conter o arbítrio. A almejada eficácia depende de o legislador ter em mente lesividade, taxatividade e ponderação quanto às penas.
Não se precisa de longa lista de crimes. Alguns tipos legais bem estruturados já serão melhores do que o extenso rol atual, com vácuos de legalidade como da infração penal da gestão temerária (art. 4º, par. único, da lei 7.492/86).
Os demais problemas do sistema financeiro, vale lidar tal como com César (Reddite ergo quae sunt Caesaris Caesari): cumpre dar ao regulador o que é atribuição dele.
Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados.