Comentário sobre a responsabilidade das companhias aéreas em acidentes   Migalhas
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Comentário sobre a responsabilidade das companhias aéreas em acidentes – Migalhas

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Recentemente, um acidente aéreo chocou não só todo o Brasil, mas todo o mundo. Na manhã do dia 11/8/24, uma aeronave modelo ATR 72-600, caiu na área rural do município de Vinhedo, no estado de São Paulo, vitimando todos os ocupantes da aeronave, que transportava 62 passageiros e 4 tripulantes. Até o momento, as investigações preliminares indicam que o acidente ocorreu pouco após a decolagem devido a problemas técnicos ainda não totalmente esclarecidos pelas autoridades.

Tal acontecimento nos remete à importância de desenvolvermos algumas reflexões sobre as responsabilidades patrimoniais das companhias áreas diante deste tipo de tragédia, bem como sobre os delineamentos gerais das investigações, e como estas impactam nos eventuais processos indenizatórios, sejam eles administrativos ou judiciais.

Esse tipo de responsabilidade envolve uma complexa teia de normativas internacionais e nacionais, que visam assegurar uma compensação justa e eficaz para os danos sofridos. Além disso, o papel de órgãos como o CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos é crucial na apuração das causas dos acidentes e na prevenção de futuros incidentes.

A responsabilidade civil das companhias aéreas é, em grande parte, regida por convenções internacionais, sendo a Convenção de Montreal, assinada em 1999, e internalizada no Brasil por meio do decreto 5.910/06. Com a sua promulgação, a Convenção passou a ter força de lei no país, sendo o principal instrumento jurídico em vigor. Esta convenção estabelece que as transportadoras aéreas são responsáveis por danos causados em caso de morte ou lesão de passageiros, bem como em casos de atraso, danos ou perda de bagagens. A responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa, o que facilita o processo indenizatório para as vítimas e seus familiares.

A ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil também produz normas sobre acidentes aéreos no Brasil, buscando garantir a segurança operacional e definir as responsabilidades das empresas aéreas, tripulações e autoridades competentes. Essas regras estão inseridas em várias normas, regulamentos e resoluções que cobrem desde a notificação de acidentes até a investigação e as ações corretivas.

Destaque para o RBAC – Regulamento Brasileiro da Aviação Civil 03, que trata especificamente da investigação de acidentes e incidentes aéreos, delineando o papel da ANAC em apoiar as investigações conduzidas pelo CENIPA, e para o RBAC 20, o qual estabelece as regras para a responsabilidade civil e a necessidade de seguros, garantindo que as empresas tenham cobertura suficiente para indenizar vítimas e terceiros afetados por acidentes aéreos.

Temos também a aplicação do CDC (lei 8.078/90), que traz vários artigos regulamentando a prestação de serviços de transporte, tais como o 14, que reza que, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

No mesmo sentido, o CC (lei 10.406/02), cujo art. 734 determina que o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade, e o art. 737, que prevê que a responsabilidade contratual do transportador, por acidentes com os passageiros, não será elidida por terceiro, contra o qual tem ação regressiva, se o fato que os ocasionou não provier de força maior ou de culpa exclusiva da vítima.

Esses dispositivos deixam claro que as companhias aéreas possuem responsabilidade objetiva, ou seja, respondem pelos danos causados aos passageiros, independentemente de culpa, salvo em casos excepcionais como força maior ou culpa exclusiva da vítima, o que é bastante raro.

A liquidação dos danos envolve uma série de variáveis que devem ser consideradas no cálculo das compensações devidas, podendo abranger os danos materiais, os prejuízos financeiros diretamente relacionados ao acidente, tais como despesas médicas, funeral, e perda de bens. Pode envolver os danos morais, aqueles que dizem respeito ao sofrimento psicológico e à perda emocional experimentada pelas vítimas e seus familiares. A quantificação dos danos morais é, em geral, subjetiva e varia conforme a jurisprudência e as particularidades de cada caso. Já naqueles casos onde há lesões corporais que resultem em deformidades, a indenização pode incluir um valor adicional para reparar os prejuízos estéticos.

É preciso destacar o papel desenvolvido pelo CENIPA, que é a entidade responsável pela investigação de acidentes aéreos no Brasil. Sua legitimidade é conferida pelo decreto 2.961/99, que organiza o SIPAER – Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e define suas responsabilidades e estrutura. Tal diploma detalha suas competências, que incluem a investigação de acidentes aeronáuticos com o objetivo de identificar fatores contribuintes e propor medidas preventivas, sem a atribuição de culpa ou responsabilidade.

Seu rito investigatório principia pela notificação do acidente e pela investigação preliminar, onde uma equipe é designada para realizar a coleta inicial de informações, incluindo a preservação de evidências no local do acidente. A próxima fase é a análise técnica, onde os investigadores conduzem análises técnicas detalhadas, e finalmente relatório final, quando o CENIPA elabora um documento que detalha os fatores contribuintes e propõe recomendações de segurança para evitar a recorrência de acidentes semelhantes.

Embora o relatório do CENIPA não tenha caráter vinculativo no âmbito judicial, ele exerce uma influência significativa nos processos de responsabilização. Juízes e peritos costumam levar em consideração as conclusões técnicas apresentadas pelo órgão ao decidir sobre a existência de falhas operacionais, de manutenção ou de outros aspectos que possam caracterizar negligência por parte da companhia aérea.

Portanto, é importante que tanto as companhias aéreas quanto os órgãos de regulação e investigação continuem a trabalhar juntos para melhorar as normas de segurança e, assim, minimizar os riscos de novos acidentes.

Paulo Roberto Vigna

Paulo Roberto Vigna

Advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados e da VignaTax Consultoria Fiscal e Tributária, Mestre em Relações Sociais do Direito, com MBA em Gestão de Empresas pela FGV.

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