Antônio Cicero e o fim da vida: eutanásia, suicídio assistido e opções   Migalhas
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Antônio Cicero e o fim da vida: eutanásia, suicídio assistido e opções – Migalhas

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No último dia 23 de outubro o Brasil lamentou a partida de Antonio Cícero, que enfrentava Alzheimer há alguns anos, doença neurodegenerativa que ocasiona a perda gradativa da função mental.

Antonio Cícero era membro da Academia Brasileira de Letras, poeta, compositor de grandes sucessos da música brasileira, crítico literário e, portanto, suas memórias e sua capacidade criativa eram a verdadeira força motriz de sua vida. Por isso, a doença que o acometeu lhe afetou tanto ao ponto de Antonio Cícero optar por abreviar sua vida.

Em sua carta de despedida1, o poeta diz que sua vida “se tornou insuportável” e, por isso, escolheu se submeter ao que ele nomeou de eutanásia, na Suíça, procedimento vedado no Brasil.

Sua lucidez para realizar tal escolha – tão definitiva – certamente causou impacto. Flavia Oliveira, jornalista, no podcast Angu de Grilo2 refletiu sobre o assunto e buscou sintetizar o que pode ser essa tomada de decisão: “É o momento em que você conclui que a sua vida já não é mais vida e já não lhe serve. Uma vida sem a memória, sem o raciocínio, sem as lembranças, sem as palavras, pra um poeta, pra um filósofo, realmente ela deixa de ser vida.”.

Outra pessoa que ganhou notoriedade recente nas redes sociais por declarar publicamente desejar se submeter à eutanásia é a estudante de medicina Carolina Arruda, de 27 anos, que sofre de neuralgia do trigêmeo, que lhe causa a maior dor do mundo de acordo com a medicina.

Tamanha é a insuportabilidade da dor que Carolina sofre, que ela prefere não mais viver do que ter que conviver com esse desconforto que parece ser eterno. O tratamento para a neuralgia do trigêmeo é extremamente complexo, envolvendo cirurgias muito delicadas que podem lhe trazer sequelas permanentes ou que não tenham tanta efetividade.

A estudante ficou conhecida principalmente após iniciar arrecadação de fundos para se submeter ao mesmo procedimento mencionado por Antonio Cícero em sua derradeira manifestação (eutanásia), no mesmo país, Suíça. Diante de sua notoriedade, recebeu apoio de novos profissionais e se submeteu a novos tratamentos, na tentativa de amenizar sua dor. De acordo com ela, sua dor reduziu em cerca de 20% e, se caísse pela metade, muito provavelmente desistiria de interromper sua própria vida. Atualmente, Carolina ainda se encontra durante tratamento, mas não descarta a opção mais drástica.

Tanto Antonio Cícero quanto Carolina Arruda receberam diagnósticos de enfermidades que lhes atormentaram ao ponto de preferirem não mais viver, o que sem dúvidas reacende uma série de debates sobre bioética e a autonomia do paciente, sobretudo no momento de sua morte.

Apesar de ambos se referirem ao termo mais conhecido popularmente, eutanásia, no caso do letrista, este na realidade se submeteu a um suicídio assistido – também proibido no Brasil, como divulgado pelo portal oficial da Academia Brasileira de Letras3. Embora semelhantes, tais possibilidades de interrupção da vida não são sinônimos, merecendo que seja realizada a correta distinção.

A diferença básica está em quem administra o medicamento letal. Em ambos os casos o fármaco é prescrito por um médico, mas na eutanásia é aplicado pelo profissional, enquanto no suicídio assistido, pelo próprio paciente.

E ainda dentro desta temática, há a distanásia, antônimo da eutanásia, e que se configura como um prolongamento artificial da vida pela implementação de condutas extraordinárias sem finalidade de cura, mas de apenas prolongar. Tal conduta também é vedada no Brasil. Nesse caso, a qualidade de vida do paciente não melhora, pelo contrário, piora, sendo este submetido a sofrimento por uma obstinação terapêutica.

Em sentido diametralmente oposto, está a ortotanásia, que consiste justamente na adequação terapêutica e respeito ao processo natural de morte. Nela, não se busca acelerar tampouco abreviar a vida, mas mantê-la com qualidade enquanto perdurar.

Dentre as diretrizes para lidar com a terminalidade da vida, esta é a possibilidade permitida no Brasil, prevista na Resolução 1.805/06 do CFM4, e deve observar a vontade do paciente ou de seu representante legal, contando, por óbvio, com o conhecimento livre e (bastante) esclarecido para isso.

Como se percebe, o Brasil tem posicionamento conservador a respeito de como lidar com a terminalidade da vida, admitindo tão somente a utilização de métodos para proporcionar qualidade de vida ao paciente, mas inviabilizando que este escolha quando e como deve partir.

Ao tratar dos paradigmas de curar e tratar, Léo Pessini no artigo “Distanásia: até quando investir sem agredir?”5 pondera:

O paradigma do cuidar (care) nos permite realisticamente enfrentar os limites de nossa mortalidade e do poder médico com uma atitude de serenidade. A medicina orientada para o alívio do sofrimento estará mais preocupada com a pessoa doente do que com a doença da pessoa. Nesse sentido cuidar não é o prêmio de consolação pela cura não obtida, mas sim parte integral do estilo e projeto de tratamento da pessoa a partir de uma visão integral.

Fato é que, tanto para Antonio Cícero como para Carolina Arruda, tornou-se insuportável conviver com as respectivas consequências das enfermidades de cada um, sejam elas físicas ou mentais.

Ao considerar a eutanásia, o suicídio assistido, distanásia e ortotanásia, torna-se evidente que esses temas complexos refletem questões profundas sobre direitos individuais, autonomia e ética. O debate jurídico é influenciado por fatores culturais, religiosos e sociais, que variam em cada contexto e jurisdição, levando à criação de marcos legais específicos e respostas diversas ao redor do mundo.

Como disse André Hellegers6, “Cada vez mais, nossas tarefas serão de acrescentar vida aos anos a serem vividos e não acrescentar anos à nossa vida… mais atenção ao doente e menos à cura em si mesma.”

À medida que a sociedade evolui e novas discussões sobre dignidade e escolha de vida surgem, o papel do direito será, cada vez mais, buscar equilíbrio entre o respeito à autonomia pessoal e a proteção da vida, respeitando as particularidades de cada caso e promovendo um diálogo que abarque diferentes perspectivas e sensibilidades.

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1 https://www.academia.org.br/noticias/abl-na-midia-g1-antonio-cicero-escritor-membro-da-abl- morre-na-suica-e-deixa-carta-de

2 https://open.spotify.com/episode/2Ef6KaAFnxp8qmuqMUpNaA?si=IBVU_Nr4Sc2Dv2k1eKu87g

3 https//:www.academia.org.br/noticias/abl-na-midia-g1-antonio-cicero-escritor-membro-da-abl- morre-na-suica-e-deixa-carta-de

4 https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805

5 file:///C:/Users/55219/Downloads/tdellagiustina,+3_Distan%C3%A1sia_+At%C3%A9+quando+inve…p df

6 Hellegers AC citado por Geusau V Biologie, ethique e societé: questions et enjeux. Bruxellas: Prospective International, 1979

Ruana Arcas

Ruana Arcas

Advogada e sócia do Escritório João Bosco Filho Advogados.

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