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A sustentação oral figura entre as prerrogativas invioláveis do advogado, sendo espaço de excelência para o exercício da palavra, instrumento tão bem manejado por Cícero na Roma Antiga quanto por figuras emblemáticas do Direito brasileiro, como Rui Barbosa e Sobral Pinto. O uso da palavra transcende a defesa dos interesses de um cliente e seu eco pode penetrar e transformar o tecido social. No Brasil, o CPC, em seu art. 937, delimita de forma taxativa, nos incisos I a IX, as situações em que a sustentação oral é permitida aos advogados das partes litigantes.
Nessas hipóteses, o STJ, entende que “havendo pedido expresso de sustentação oral, a ausência de intimação do advogado constituído torna nula a sessão de julgamento.” No entendimento da corte superior, “a nulidade deve ser arguida na primeira oportunidade em que a defesa tomar ciência do julgamento, levando ao conhecimento da Corte local, por meio de recurso cabível, a ocorrência do vício e o efetivo prejuízo, sob pena de preclusão.” 1
Essa restrição imposta pelo art. 937 do CPC se traduz em um estreitamento do acesso à justiça e das garantias de ampla defesa e devido processo legal substancial (arts. 5º, XXXV, LIV e LV, CF/88). Exemplo disso está na limitação da oralidade nos casos de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que inadmite recurso especial. Nesse sentido, o STJ já consignou que “Como se extrai do art. 7o, § 2o-B, III, da lei 8.906/94, a inovação introduzida no EOAB pela lei 14.365/22 garantiu ao advogado o direito de sustentação no agravo interno ou regimental em sede de recurso especial, mas nada dispôs sobre o julgamento de agravo regimental no agravo em recurso especial.” 2
Esses julgados do STJ demonstram a tendência do Direito brasileiro de virtualizar o sagrado ato da sustentação oral, impondo uma verdadeira barreira à publicidade dos atos processuais. Essa virtualização, aliada ao uso crescente da inteligência artificial pelos tribunais brasileiros, fará com que, dentro em breve, nós, advogados, não falemos mais para juízes, Ministério Público e colegas advogados, mas sim com a máquina, que do nosso discurso retirará apenas palavras-chave necessárias para uma análise fria e sem qualquer emoção inerente.
Assim, a persuasão, elemento essencial e intrínseco à prática advocatícia, gradualmente perderá espaço entre os operadores do direito, transformando o exercício da profissão em um ato técnico e “tokenizado”, desprovido da capacidade de sensibilizar e influenciar o julgador por meio da capacidade argumentativa.
O Estatuto da OAB, em seu art. 7o, com a nova redação dada pela lei no 14.365/22, reafirma as prerrogativas dos advogados ao uso da palavra com a inclusão do inciso X: “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão;” No campo administrativo, as restrições também são evidentes. O regimento interno do CNJ prevê, em seu art. 125, o direito de sustentação oral em termos limitados, restringindo-o a um grupo específico de interessados, incluindo apenas o presidente, o vice-presidente, o corregedor e o procurador, no caso dos órgãos do Poder Judiciário. Entretanto, o § 3o do mesmo artigo impõe uma exceção que retira o direito à sustentação em determinadas situações, como no julgamento de questões de ordem e recursos administrativos. Essa disposição, sem dúvidas, contraria a previsão do art. 7º, X do EAOAB.
A inclusão da prerrogativa da sustentação oral e do uso da palavra nos órgãos judiciais e administrativos, pela lei no 14.365/22, consolidou, portanto, no âmbito normativo, o entendimento do STF de que “a sustentação oral traduz prerrogativa jurídica de essencial importância – compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do defensor público para a sessão de julgamento do recurso em sentido estrito, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa.” 3
Nesse contexto, destaco o posicionamento do presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, ao comentar sobre a relevância da sustentação oral: “está inserida no direito de defesa, que é uma garantia constitucional e, portanto, não se submete a regimentos internos, mesmo o do STF. Tais regimentos regulamentam o funcionamento dos tribunais e não podem corrigir ou suprimir direitos constitucionais regulamentados por leis Federais. A negativa de proferimento de sustentações orais previstas em lei representa violação da lei processual e da Constituição.” 4
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1 STJ, AgRg no RHC n. 198.408/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/10/2024, DJe de 22/10/2024.
2 STJ, AgRg no RHC n. 198.408/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/10/2024, DJe de 22/10/2024.
3 STF, HC 98646 Órgão julgador: Segunda Turma Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 15/09/2009 Publicação: 16/10/2009
4 https://www.oab.org.br/noticia/61625/regimento-do-stf-nao-se-sobrepoe-a-direito-constitucional-diz-oab
Pedro Henrique Catani Ferreira Leite
Advogado, sócio do escritório Medina Osório Advogados, mestre em Direito pela Universidade de Sorbonne, Paris I.