Retroatividade da lei 14.932/24 na base de cálculo do ITR   Migalhas
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Retroatividade da lei 14.932/24 na base de cálculo do ITR – Migalhas

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A publicação da recente lei 14.932/24 pode por fim a um imbróglio no contencioso tributário brasileiro a respeito da base de cálculo do ITR e a necessidade ou não do ato declaratório ambiental.

A problemática residia na necessidade de averbação da área de preservação permanente no registro de imóveis e a apresentação do Ato Declaratório Ambiental pelo IBAMA para reconhecimento das áreas de preservação permanente para fruição da isenção de ITR.

Diante disso, o art. 10, § 1º, inciso II, “a”, da lei 9.393/96 disciplina quais as áreas para consideração de cálculo do ITR:

“Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.

§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:

(…)

II – área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:

a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a redação dada pela lei 7.803, de 18 de julho de 1989;”

Ou seja, o art. 10 da lei 9.393/96 determinou que a área tributável corresponde à área total do imóvel, menos as áreas de preservação permanente, de reserva legal, de interesse ecológico para proteção do ecossistema, e as imprestáveis para qualquer exploração, declaradas de interesse ecológico, exigindo “ato do órgão competente, federal ou estadual” apenas quanto às áreas de interesse ecológico.

Cabe mencionar, ainda, que a lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 dispôs sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, determinou que a utilização da taxa de fiscalização é obrigatória, nos seguintes termos:

“Art. 17-O. Os proprietários rurais que se beneficiarem com redução do valor do ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, com base em ADA – Ato Declaratório Ambiental, deverão recolher ao IBAMA a importância prevista no item 3.11 do Anexo VII da lei no 9.960, de 29 de janeiro de 2000, a título de taxa de vistoria.

§ 1o-A. A taxa de vistoria a que se refere o caput deste artigo não poderá exceder a dez por cento do valor da redução do imposto proporcionada pelo ADA.

§ 1o A utilização do ADA para efeito de redução do valor a pagar do ITR é obrigatória.”

Por fim, a lei 4.771/65 (código florestal) determinou, apenas, que a área considerada como sendo de reserva legal seja transcrita na matrícula do imóvel, exigência não extensiva à área de preservação permanente:

“Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: (Redação dada pela medida provisória 2.166-67, de 2001).

?§ 2º A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.”

Notório é que o § 2º nunca mencionou que a averbação fosse condicionada para não incidência do ITR.

Pelos dispositivos legais citados, depreende-se que as únicas exigências para o contribuinte são:

  • Entrega do DIAC – Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR, contendo as informações cadastrais correspondentes a cada imóvel;
  • Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT, correspondente a cada imóvel, outorgando a lei, à secretaria da receita federal, somente a competência para estabelecer prazos e condições para apuração e pagamento do ITR, não lhe tendo delegado competência para instituição de exigências capazes de alterar a base de cálculo e a alíquota desse imposto, que somente poderá ser fixada ou alterada por lei.
  • Tornam-se, portanto, sem efeitos legais as instruções normativas que venham estabelecer limites e ou condições para o gozo da isenção sobre a área destinada à preservação permanente.

    Não pode, pois, a Secretaria da Receita Federal, com base nos arts. 6º, 8º e 10 da lei 9.393/96, nem, menos ainda, com base em instruções normativas por ela expedidas, exigir o “ADA” e sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis, como condição para não-incidência de ITR, de vez que, de acordo com o art. 5º, II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, como tal devendo-se entender a lei em sentido formal.

    Os contribuintes conduziram jurisprudência consolidada no âmbito do colendo Tribunal Regional Federal da 1ª região, bem como no âmbito do colendo STJ, verbis:

    TRIBUTÁRIO. ITR. LANÇAMENTO SUPLEMEMENTAR. ATO DECLARATÓRIO DO IBAMA (ADA). ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEDUÇÃO. LEI 4.771/65. LEI 7.308/89. INSTRUÇÃO NORMATIVA 73/00.

  • Ilegítima a exigência prevista na instrução normativa – SRF 73/00 quanto à apresentação de ADA – Ato Declaratório Ambiental comprovando as áreas de preservação permanente e reserva legal na área total como condição para dedução da base de cálculo do Imposto Territorial Rural – ITR, tendo em vista que a previsão legal não a exige para todas as áreas em questão, mas, tão-somente, para aquelas relacionadas no art. 3º, do código florestal.
  • Não pode a Receita Federal efetuar lançamento suplementar de ITR sem antes proceder à verificação da área de preservação permanente, pois, a exigência do ADA somente encontraria respaldo legal se enquadrado na hipótese do art. 3º, do código florestal. Incabível a exigência indistinta, sob pena de viciar o lançamento.
  • Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial a que se nega provimento. (AMS 2005.35.00.011206-7/GO, Rel. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, 8ª turma, DJ de 10/05/07, p.96)
  • “TRIBUTÁRIO – IMPOSTO TERRITORIAL RURAL – BASE DE CÁLCULO – EXCLUSÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – DESNECESSIDADE DE ATO DECLARATÓRIO AMBIENTAL DO IBAMA.

  • O ITR – Imposto Territorial Rural é tributo sujeito a lançamento por homologação que, nos termos da lei 9.393/96, permite da exclusão da sua base de cálculo a área de preservação permanente, sem necessidade de Ato Declaratório Ambiental do IBAMA.
  • Recurso especial provido.
  • (REsp 665.123/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.12.2006, DJ 05.02.2007

    Agora veio a publicação da lei 14.932/24 que expressamente retirou o caráter obrigatório da utilização do ADA – Ato Declaratório Ambiental para efeito de redução do valor a pagar do ITR.

    Assim, impõe se a aplicação retroativa da nova lei tributária para alcançar e beneficiar os contribuintes que estão em litígio nos últimos 30 anos.

    O art. 106 do CTN admite duas hipóteses distintas em que a lei tributária poderá retroagir, quais sejam, a hipótese de lei expressamente interpretativa e a hipótese de lei punitiva mais favorável ao contribuinte.

    É razoável, portanto, admitir que o legislador, uma vez instaurada a divergência a respeito da interpretação de uma lei, possa editar uma lei nova com o objetivo de esclarecer o sentido e o alcance da lei anterior, aplicando-se o entendimento consagrado na lei nova para a solução dos casos ocorridos desde o início da vigência da lei interpretada.

    A solução contribui com a desjudicialização dos processos judiciários, que se arrastam por muitos e muitos anos, envolvendo inclusive ações rescisórias, com os quais as partes buscam o tratamento isonômico.

    A questão da retroatividade das leis interpretativas não pode ser vista com a mácula da arbitrariedade; ao contrário, as leis expressamente interpretativas além de constituírem uma exceção no ordenamento jurídico, somente serão constitucionais e, portanto, postas em vigência, se o seu conteúdo for única e tão somente interpretativo, mormente a vedação de agravamento da situação do contribuinte.

    E é exatamente o que ocorre com a redução da base de cálculo do ITR.

    Breno Dias de Paula

    Breno Dias de Paula

    Advogado Tributarista. Doutor e Mestre em Direito (UERJ). Especialista em Política e Direito Tributário pela FGV – DF. Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia

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