Inovação defensiva no plano recursal   Migalhas
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Inovação defensiva no plano recursal – Migalhas

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A inovação recursal é assunto de extrema importância, devendo o advogado, sempre diligente, estar atento ao momento correto da arguição de toda a matéria de defesa do seu cliente.

Desse modo, sabe-se que toda a matéria de defesa deve ser trazida, pelo réu, junto à sua peça de contestação, sem dúvidas a mais importante manifestação defensiva de todo o caminhar processual.

Sempre aconselhável ler e reler os dispositivos pertinentes do CPC:

Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

Assim, surge, da atenta leitura do artigo que ao réu promana o princípio da concentração da defesa. Ou seja, há a obrigação processual de impugnar especificadamente todos os pontos narrados na petição inicial, trazendo toda a matéria de defesa, sob pena de preclusão.1

Não sendo trazida toda a matéria de defesa pelo réu na contestação, estará preclusa a oportunidade de invocá-las em momento posterior, sendo lícito deduzir novas alegações apenas quando relativas a direito ou a fato superveniente; competir ao juiz conhecer delas de ofício ou por expressa autorização legal ou puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição.2

No que toca às exceções do art. 342, do CPC, direitos ou fatos supervenientes são aqueles ocorridos após a articulação da peça defensiva, mas não só. Tais fatos podem ter ocorrido anteriormente à apresentação da contestação, mas terem sido descobertos recentemente.3

As matérias cognoscíveis de ofício pelo juiz podem ser alegadas a qualquer tempo e não se submetem ao princípio da eventualidade bem como a preclusão consumativa, a não ser que a questão já tenha sido suscitada e decidida, impassível de posterior alegação.

No que tange as matérias de ordem pública, podem ser alegadas até mesmo em embargos de declaração destinados a impugnar acórdão que julgou a apelação, viabilizando a modificação do julgado, bem como o prequestionamento da matéria.

Por fim no que tange às exceções dos incisos do artigo analisado, tem-se a alegação de prescrição, por exemplo, em qualquer tempo e grau de jurisdição (desde que haja o prequestionamento para o acesso às instâncias superiores).

Aliás, cabe aqui um destaque. Além de se consubstanciar na mais importante manifestação defensiva do réu em todo o processo, é a contestação que fixa a controvérsia da demanda, de modo que é possível a existência da lide sem contestação, porém é essa que contesta as bases empíricas do pedido, bem como as suas bases jurídicas.4

A preclusão a que se alude, ante a ausência de impugnação completa, diz respeito, principalmente, às matérias de fato alegadas pelo autor, pois o magistrado pode julgar procedentes os pedidos com base em fundamento jurídico diverso do invocado na petição inicial.

Aqui vige o princípio da eventualidade para o réu na contestação, de modo que, caso não apresentada toda a matéria de defesa, não será possível, via de regra, posterior apresentação, fato que acarretará em um incalculável prejuízo processual.5

Uma das consequências desse princípio é a ocorrência da preclusão consumativa, fenômeno que diz respeito a possibilidade da prática de ato processual apenas uma vez no processo.

Assim, a título de exemplo, o réu que apresenta contestação deficiente no quinto dia do prazo, não mais poderá apresentar a peça defensiva com os argumentos faltantes ainda que no prazo, de modo que o ato já foi praticado, logo consumiu-se a faculdade processual.

A corroborar o alegado, temos os dizeres dos arts. 1.013 e 1.014, do CPC, vejamos:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

Art. 1.014. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Só será possível deferir devolutividade ao recurso de apelação para o tribunal da matéria impugnada, sendo necessário que todas as questões tenham sido suscitadas e discutidas no processo.

Além disso, em matéria recursal, questões de fato não invocadas na instância inferior somente poderão ser invocadas em fase recursal caso a parte prove que não o fez por motivo de força maior.

Tudo isso a reforçar o fato de que todas as matérias processuais, seja pelo autor ou pelo réu, tem o momento correto para serem postas. Quando realizada a manifestação em momento inoportuno, com deficiência argumentativa ou após o prazo processual para arguição, fatalmente incidirá o importantíssimo instituto processual da preclusão.

Não de modo diverso já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos territórios:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. INOVAÇÃO DEFENSIVA. DESCABIMENTO. PROVA DOCUMENTAL. PRODUÇÃO COM A APELAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. COBRANÇA E AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO APÓS O PAGAMENTO DA ÚLTIMA PARCELA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO. PROPORCIONALIDADE OBSERVADA. ASTREINTES. VALOR. RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 

I. De acordo com a inteligência dos artigos 336 e 1.013 do Código de Processo Civil, não é admissível inovação defensiva no plano recursal. 

II. Salvo nas hipóteses autorizadas pelo artigo 435 do Código de Processo Civil, não é admissível a produção de prova documental com a apelação. 

III. Deve ser reconhecida a responsabilidade civil da instituição financeira que não contabiliza pagamento realizado pelo consumidor e promove cobrança de dívida inexistente. 

IV. Em se tratando de prestações periódicas, o pagamento da última estabelece presunção de quitação das anteriores, segundo o disposto no artigo 322 do Código Civil. 

V. Cobranças indevidas, ajuizamento abusivo de ação de busca e apreensão e negativação irregular em cadastro de inadimplentes violam direitos da personalidade e, por conseguinte, dão respaldo à compensação por dano moral, consoante a inteligência dos artigos 11, 12 e 186 do Código Civil e do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. 

VI. Não pode ser considerada excessiva, ante as particularidades do caso concreto, compensação por dano moral estipulada em R$ 5.000,00. 

VII. Atende ao critério da razoabilidade a multa fixada para o cumprimento da obrigação de fazer que respeita as especificidades da causa, não induz enriquecimento indevido e mantém o potencial coercitivo indispensável ao estímulo do adimplemento do preceito cominatório.  

VIII. Apelação parcialmente conhecida e desprovida. 

(Acórdão 1895019, 0717815-28.2022.8.07.0001, Relator(a): JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 18/07/2024, publicado no DJe: 27/09/2024.)

Segue interessante trecho do voto do desembargador relator James Eduardo Oliveira, que vai ao encontro de todo o acima sustentado:

“A alegação de “existência de inscrições preexistentes em nome da parte demandante” não foi deduzida na contestação, ou seja, representa inovação defensiva no plano recursal vedada pela legislação processual. 

Trata-se de acréscimo defensivo que desafia o art. 336 do CPC, segundo o qual, com a ressalva no art. 342, todas as matérias de defesa devem ser concentradas na contestação. 

Apresentada a contestação, a preclusão consumativa, derivada do princípio da eventualidade, impede a arguição de qualquer outra defesa, a não ser aquelas compreendidas no art. 342 do CPC.

O princípio da eventualidade que norteia a matéria se faz presente em outras passagens do CPC, aptas a privilegiar a concentração da matéria defensiva na contestação para fazer valer, inclusive, o contraditório, onde o autor terá direito a réplica.

Além disso, no que tange à juntada posterior de documentos, preceitua a lei processual:

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º.

Em reforço a tudo vem o art. 508, do CPC, evidenciando a importância de se alegar toda a matéria de defesa, considerando-a deduzida e repelida com a incidência do trânsito em julgado da demanda:

Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

O conteúdo inovador invocado em fase recursal não é submetido ao contraditório efetivo, tampouco ao crivo decisório do juiz, violando frontalmente o duplo grau de jurisdição.

O apelante somente pode impugnar o conteúdo da sentença, não sendo autorizado invocar matéria não atinente ao filtro do julgador originário. Caso haja omissão, existem os mecanismos e dispositivos processuais adequados para saná-la.

Assim, revela-se de extrema importância que o advogado do réu esteja atento aos dizeres da petição inicial, de modo que todos os fundamentos de fato e de direito devem ser frontalmente impugnados, sob pena de preclusão.

Do mesmo modo, deve o patrono do autor verificar se algum ponto não restou adequadamente impugnado pelo réu, podendo alegar a preclusão a qualquer momento do caminhar processual, no caso de impugnação intempestiva, em benefício do seu cliente.

Importante ressaltar que ao réu somente é possível apelar invocando todo e qualquer fundamento no caso de revelia (ausência de contestação).

Discordo do entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.848.104, de modo que sob pena de supressão de instância não é possível a apelação fazer as vezes da contestação.

Pode-se afirmar que a vedação à inovação recursal em alguns casos poderia afetar o direito ao contraditório, mas isso não se sustenta pois o direito ao contraditório é detalhado e cronologicamente regulado no CPC, sendo desídia da parte a perda da oportunidade.

Outrossim, ambos os advogados devem estar atentos ao conteúdo da sentença e a tudo que foi debatido nos autos, a fim de se identificar eventual inovação ativa ou defensiva em grau recursal, tomando as medidas processuais cabíveis.

_________

1 JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, Revista, atualizada e complementada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Millennium, 2000, p. 184

2 Artigo 342, do Código de Processo Civil

3 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, MARIA LÚCIA LINS CONCEIÇÃO, LEONARDO FERRES DA SILVA RIBEIRO e ROGERIO LICASTRO TORRES DE MELLO, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, RT, 2015, p. 597

4 REsp 301.706/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 25.6.2001. REsp 1.726.927/DF, 2ª T., rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23/11/2018

5 MARCOS DESTEFENNI, Curso de Direito Processual Civil, Volume 1, Tomo I, 2ª ed., Saraiva, p. 355.

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Advogado e especialista em direito processual civil.Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Processo Civil OAB/DF.

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